terça-feira, 27 de outubro de 2009

Altruísmo e evolucionismo (2)

Em Altruísmo?... (1) coloquei o link para uma experiência supostamente significativa da verificação de altruísmo entre chimpanzés - no seio da discussão que se poderia formular assim: eticamente (e não só), são os homens que se aproximam dos macacos, ou são os macacos que se aproximam do homem? - somos eminentemente animais, determinados por uma natureza, ou escapamos a esta última e até os chimpanzés quase o conseguem?
Emocionalmente (se calhar com o orgulho à cabeça destas emoções) preferimos a 2ª hipótese. Mas racionalmente - que a razão é como a água, tende a deslizar para o mais simples - a 1ª é que é apetecível. Pois nos permite descansar nas regras daquela determinação natural - ex. trabalho para comer, como para sobreviver, e sobrevivo... para sobreviver, ponto. Enquanto a 2ª nos deixa perante o enigma de inúmeras razões que se jogam no caldo caótico da liberdade - coisa nada aconselhável a uma boa digestão e noite sem insónias.
Dado este conselho, viremos-nos para a hipótese evolucionista. Desde logo o altruísmo se constituiu num problema para uma explicação da evolução das espécies que parte do postulado do primado do esforço individual pela sobrevivência, pois aquela atitude contradiz este esforço.
A esta objecção responderam porém os biólogos com exemplos como o das abelhas que se sacrificam em defesa da colmeia atacada. Os seus genes serão assim passíveis de transmissão, ainda que mediante outros indivíduos.
Caso no entanto diferente do humano, pois alguns de nós sacrificam-se a favor de outros com quem apenas partilham o genoma da espécie, e até a favor de outras espécies (ex. ecologistas radicais), por vezes contra elementos das suas famílias (com quem partilham mais genes).
Entrando já na sociologia, ou na filosofia política... os ex(!)-biólogos evolucionistas responderam com a proposta de um altruísmo recíproco: coça-me as costas que eu coço-te as tuas. 1ª objecção: este acordo estabelece-se em pares de indivíduos, não faz grande sentido em grupos grandes nos quais quem dê não consegue controlar se alguém lhe retribuirá o favor; 2ª objecção - experiências como a acima assinalada sugerem que até os primatas se dispõem a coçar as costas de quem não coçará as deles (além da repulsa emocional que grande parte dos seres humanos experimenta pelo eugenismo nazi contra os deficientes mentais, apesar destes não poderem retribuir qualquer altruísmo, etc.).
Os filósofos evolucionistas podem ainda responder que esta condenação do eugenismo, e em geral a compaixão pelas vítimas, representará afinal a prudência de quem não tem a garantia de que um dia não será ele o alvo de qualquer outro critério menorizador - "judeu", "preto", "mulher"... para arranjar rótulos de destruição nunca aos seres humanos faltou imaginação! A punição altruísta - castigo dos agressores mesmo que de vítimas que não me tocam - será então o mecanismo com que a evolução respondeu a esta hobbesiana condição do homem ser o lobo do homem...
Parece-me que se segue por mau caminho se se continua o debate a esse nível: a imaginação para estas objecções e contra-objecções não será menor do que a anterior. Antes disso, a crítica mais imediata que creio justificar-se ao biologismo (que procura reduzir todos os fenómenos humanos à teoria da selecção natural) é que esta teoria ética não serve para nada! Isto é, me parece que ela explica o que nem estava em causa porque tem sido explicado de uma e outra maneira, e não aborda o que resistia a essas anteriores explicações. A saber, porque é que certos indivíduos, em certas situações, são altruístas? Que o resultado geral da existência de tais actos é a facilitação da continuação e evolução dos conjuntos que contêm elementos que optam por tais actos, isto tem sido reconhecido e formalizado por diversas abordagens além da biologista. O que restou como problema é, pelo lado cognitivo, porque é que um dado indivíduo, nesta ou naquela situação, opta a favor ou contra o que a prazo é melhor para a continuação (sobrevivência), e, pelo lado prescritivo, como é que se pode induzir esta opção em detrimento da destrutiva?
Tenho na minha lista de leituras por exemplo a obra colectiva dirigida por C. Clavien e C. El-Bez, Morale et Évolution Biologique - Entre Déterminisme et Liberté, Lausanne: Presses Polytechniques et Universitaires Romandes, 2007; mas até lá fico com a suspeita de que a ética evolucionista vem muito, mas muito atrasada em relação ao que continua em cima da mesa.

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