Sabia que teria que vir a este tema, mas desta feita ainda não farei mais do que apontar uma observação à notícia na CiênciaHoje sobre a interpretação de uma experiência como significativa (esta última) de altruísmo em chimpanzés - v. http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=35994&op=all.
A questão é a seguinte: a ética humanista, de matriz Moderna, postula a liberdade humana, de modo que aceita a possibilidade de nós darmos algo sem estarmos a isso determinados por qualquer causa prévia. Numa palavra, reconhece o altruísmo. Desde logo esse postulado entrou em conflito com o determinismo que, na mesma Modernidade, se postulou para a Natureza. Especialmente a partir da descoberta do ADN, que nos determina biologicamente não só nas nossas características físicas mas também nas psicológicas, ganhou mais força a hipótese de que nos julgamos livres não por o sermos, mas tão só por não nos apercebermos da determinação biológica dos nossos comportamentos. Nesta pista desenvolveu-se a chamada ética evolucionista que, aproveitando a teoria da selecção natural das espécies, tem tentado conceber o altruísmo como um mecanismo seleccionado pela evolução. A saber, os indivíduos que terá calhado formarem-se geneticamente com tal característica terão sobrevivido mais do que os restantes, terão assim procriado mais, transmitindo assim progressivamente aqueles genes, até toda a espécie ser altruísta - mas designando esta palavra um comportamento interessado e determinado, nos antípodas pois do seu significado Moderno! Neste contexto teórico, aquela notícia, no modo como está formulada (nomeadamente pelo uso do termo "altruísmo", que é negado pela ética evolucionista), parece sugerir que afinal serão os postulados humanistas a estenderem-se aos primatas superiores...
Uma de duas: ou bem que o termo "altruísta" significa ali apenas o que a biologia evolucionista (e a ética que lhe corresponde) reconhece a esse termo - e a notícia apenas é compreensível aos iniciados nesta questão actual - ou bem que, numa publicação de divulgação científica, como tal aberta a leigos, e portanto usando a linguagem corrente, pretende-se mesmo sugerir que essa experiência biológica (mais precisamente, etológica) vem dar força afinal à ética humanista.
Então, um de dois reparos: a referida deficiência comunicacional da notícia, se é o caso, exige um esclarecimento como este. Fica aqui feito. Mas uma interpretação da experiência em prol do altruísmo (desinteressado e livre), como porventura terá sido feita até pelos autores da experiência, está errada e carece de correcção: o que esta mostrará - a rigor: parecerá ao observador que mostra - é que aqueles espécimes de chimpanzés não teriam interesses privados nas partilhas mencionadas, logo serão "altruístas". A experiência nada sugere porém quanto à possibilidade deste "altruísmo" ser-lhes geneticamente programado pela evolução da espécie chimpanzé. Ora é isto que a ética evolucionista afirma. Logo aquela experiência não é significativa para a questão do altruísmo tal como esta tem vindo a ser discutida nas últimas 2 décadas.
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