domingo, 31 de janeiro de 2010

Sobre a actual retórica política

Recebi de Íris Morais o link para este filme da BBC, ainda vi apenas o princípio  mas parece-me merecedor duma assistência completa e crítica. Pelo que aqui o deixo com o meu agradecimento à Íris (lamentando apenas não conseguir enquadrá-lo totalmente!).

sábado, 30 de janeiro de 2010

A ciência tal qual ela se faz e vive

O Nº 438 da revista La Recherche (Fevereiro, 2010: 68, 69) traz um Portrait que me parece muito sugestivo sobre o exercício das ciências. É um pequeno artigo sobre a vida e obra do psicólogo canadiano, de origem estónia, Endel Tulving, que em Novembro último recebeu o prémio Pasteur-Weizman-Servier pelo seu estudo da memória humana.
Sobre esta faculdade, a autora atribui-lhe a distinção entre codificação, armazenamento e recuperação (na memória de longo prazo), além das memórias de curto prazo (ou de trabalho), procedimental (do saber-fazer) e perceptiva (sensorial), e ainda da distinção geral entre memória episódica (dos acontecimentos espácio-temporais) e semântica (dos conceitos, expressos verbalmente, exemplificados nos acontecimentos). À excepção desta última distinção, já vi aquelas outras reportadas a autores como Baddeley e Hitch, ou Craig e Lockhart, não conheço a história da psicologia recente para julgar sobre direitos de autor, de qualquer modo Tulving é um dos nomes que aparece na pista da concepção da memória multíplice em vez de unitária.
Mas o que creio vir aqui mais a propósito é a dimensão vivencial do artigo. Tulving, agora com 82 anos, fugiu da Europa devastada para Toronto em 1949, onde foi trabalhador rural, motorista... enquanto se graduava em psicologia. Em 1956 começou a trabalhar na Universidade de Toronto, doutorou-se em Harvard com um estudo sobre a visão, e regressou ao Canadá onde trocou como objecto de estudo esta faculdade pela memória - pela comezinha razão de falta de recursos... ou (como sugere F. Eustache) pela relevância mesmo que inconsciente da memória para um emigrante? Fosse por que razão fosse, como ele próprio declara um dia ouviu num congresso que se poderia substituir a hipótese vigente de uma consequencialidade da memória semântica em relação à episódica (aquela resultaria desta). Entretanto já se observara por exemplo que até certa idade as crianças memorizavam (semanticamente) aprendizagens pese embora não recordassem (episodicamente) o que haviam feito na véspera... Para ligar estas 2 pontas soltas, Tulving propôs então pensar a memória como se ela fosse um conjunto de faculdades e não como se fosse uma única - separando a m. episódica da semântica. Numa sua citação: "je propose de noveaux concepts seulement si mes observations contredisent les anciens" (p. 68).
Tenho vindo aqui a insistir nesta possibilidade de entender (contextualista e pragmaticamente) os conceitos e teorias como instrumentos para a solução de problemas, e não como representações de uma realidade - ainda há dias apontei isso em relação à matemática. A biografia científica deste psicólogo é mais um exemplo: da aventura da emigração e do esforço e partilha da vida entre a enxada e os livros de psicologia, ao desenvolvimento conceptual da hipótese das memórias episódica e semântica, passando pelo reconhecimento da potencialidade conceptual duma deixa ouvida num congresso, assim se fez, entre trabalhos, intuições indistintas, e acasos, a sua obra. Esta não resultou de alguma intuição de 1ªs verdades - como que reveladas pela Natureza, senão por Deus, a este génio iluminado - de onde depois se deduziriam todas aquelas teorias. Ao contrário, foi feita por um homem, condicionado pela respectiva comunidade, com todos os ingredientes que compõem a vida de qualquer outro... mas não faltando o do arrojo de pensar por si mesmo!
Julgo que há muito a aprender em exemplos como este pelos Governos, pelas Escolas, pelas famílias, pelos indivíduos dos países que, querendo os resultados que a investigação fundamental e as tecnologias de ponta facultam, historicamente têm tendido porém a desvalorizar, se não mesmo condenar, a crítica e o arrojo de que Endel Tulving é mais um exemplo, na crença, algo mágica, de que as teorias são coisas que descem misteriosamente sob alguns iluminados...

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A Grande Arte - tributo a Tolstoi

Na sequência do post anterior, apenas para ficar vendo (já agora, reparando também nessa forma tão diferente da actual de reportagem em filme!):

Da crise das humanidades e do seu desafio

Voltando a Jerome Kagan sobre The Three Cultures (v. Do determinismo mental e da medição do fluxo sangu... ), agora no capítulo 5 dedicado à situação actual das humanidades (da literatura, filosofia hermenêutica, historiografia narrativista... às artes), confesso que desta feita me parece algo desconexo e diria até menos desenvolvido, ou certeiro do que creio poderia ser. Em todo o caso assinalarei aqui 2 notas de Kagan sobre essa situação, e sobre o que ainda assim as humanidades sugerirão hoje sobre esta civilização.
a) Por comparação às ciências sociais e humanas, e ainda mais às ciências naturais, matemática e tecnologias, as humanidades não merecem hoje consideração pública. Este psicólogo americano julga que isso se deve i) à valorização da produção e da prática, nas quais os agentes das humanidades não se encontram directamente envolvidos; ii) à TV 24h/dia (acrescentemos a internet, as redes sociais...) que substituiu a função de alargamento dos horizontes antes confiada à literatura; iii) ao relativismo pós-moderno, que, recusando quaisquer critérios de validação externos a cada discurso em avaliação, não permite distinguir algumas obras como particularmente merecedoras de atenção; e iv) as ciências sociais e depois as neurociências começaram a abordar temas das humanidades mediante experiências controladas e já não pela intuição ou pela interpretação de discursos.
b) Todavia, aponta Kagan, esse desprestígio constituirá um empobrecimento na medida em que "humanists perform several critical funtions. They remind the society of its contradictions, articulate salient emotional states, detect changing cultural premises, confront their culture's deepest moral dilemmas, and document the unpredictable events that punctuate a life or historical era" (op.cit.: 231).
Pela minha parte confesso que, se por um momento sinto a pena pelo desaparecimento do que durante um certo período foi notável - no que não será mais do que a emoção perante o tempo e o fim ou a morte - e seguramente que as humanidades ocidentais o foram desde os Gregos aos grandes romancistas de meados do séc. XX, logo no momento seguinte penso que é próprio ao tempo que sucumba o que perdeu a vitalidade, de modo que se as humanidades deixaram de oferecer o que outrora lhes fez merecer a consideração pública então é justo que sejam abandonadas (a não ser pelos historiadores do período em que floresceram). Em troca, se retomarem essa oferta, simplesmente não correrão perigo de extinção.
Ora não vejo que essas critical functions não possam ser implementadas por vias mais verificáveis do que a tais intuição e interpretação de textos. Diria pois que, se a isso a si próprias se reduzirem as humanidades, é justo que desapareçam.
Directamente contra a pós-modernidade apontada no ponto (iii) da alínea (a), suponho porém que as humanidades se constituem ainda por um traço processual além de quaisquer outros funcionais, ou de quaisquer objectivos a que se proponham: o de (em linguagem metafísica medieval) reunirem o universal e o singular. Ou seja, de cada vez numa situação nova, exemplificarem as grandes questões da existência humana numa personagem, num contexto social e ambiental determinado, num conjunto de opções, comportamentos e consequências. Ainda há dias, conversando sobre isto com a Maria João Cavaco, ela observou como a literatura americana (do norte e do sul) apresenta personagens frente ao espaço aberto, onde se joga, numa simplicidade às vezes crua, o enfrentamento pessoal da vida e da morte. E lembrámos Hemingway, Jack London, Guimarães Rosa... e depois o Mestre: Tolstoi.
Os pós-modernos negam, claro, essa possibilidade da singularidade se transcender na exemplificação dum universal... Não serei eu a lamentar que por esse caminho as humanidades sigam para as prateleiras do museu da história civilizacional.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O aviso do Haiti

Profeticamente (?), a última obra referida no top20 do post anterior perspectiva-nos o futuro em encruzilhadas como a que se abre nessa pequena ilha das Caraíbas - nesta última semana mais presente nos telejornais do mundo inteiro do que provavelmente em todo o séc. XX - que se divide entre o Haiti e a República Dominicana.
O subtítulo da obra de Jared Diamond é "How Societies Choose to Fail or Succeed", e a comparação entre aqueles "two worlds" veio há dias resumida em http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=4776 .
Deixando aqui o link desse artigo, sugiro-o com 3 curtas observações:
a) Não há um único caminho na história universal, e uns obtêm melhores resultados do que os outros. Logo, quem quer viver esses bons resultados ou os quer deixar à geração seguinte, deve escolher nessa direcção - isto é, deve aceitar o preço de tal escolha! Em troca quem não o pagar, ou os filhos de quem se tiver recusado a pagá-lo, viverão resultados como os que os noticiários nos mostram hoje naquele pseudo-país (Esta é uma verdade de La Palisse?... frequentemente são estas verdades que apontam os caminhos certos).
b) Bons resultados a curto prazo podem perfeitamente significar o desastre a médio ou longo prazo - da exploração das florestas e do solo no Haiti... ao consumismo português alimentado pelo crescimento da dívida externa, exemplos não faltam.
c) Os leitores de Diamond têm acentuado a dimensão ecológico-económica que ele traz à colação. Note-se porém que o autor também realça traços culturais gerais, e opções políticas. A comparação daqueles 2 países mostra-o bem. E é nestas últimas dimensões que se escolhem os resultados que a 1ª dimensão apenas condicionará.

domingo, 24 de janeiro de 2010

1989-2009: 20 livros que mudaram a nossa visão do mundo

Este post é uma mera notícia do Dossier da Sciences Humaines deste mês (nº 211: 30-59). Limito-me a sintetizar os subtítulos dos artigos dedicados a cada livro, referindo estes últimos nos seus títulos franceses à excepção daqueles de que conheço uma tradução portuguesa ou brasileira.
Note-se entretanto que, além de que naturalmente se poderá defender que algumas outras obras mereceriam mais do que algumas destas participar desse top20, este último versa exclusivamente as ciências sociais e humanas, deixando de fora a influência na nossa visão do mundo de obras das ciências naturais e tecnologias, bem como das humanidades e literatura. De qualquer modo creio que a sugestão valerá a pena.

1989:
- Francis Fukuyama, O Fim da História - após o colapso comunista, às sociedades contemporâneas restaria apenas a democracia liberal vencedora da guerra fria.
- Charles Taylor, Fontes do Self: A Construção da Identidade Moderna - o individualismo moderno, desde que não degenere no seu excesso, é moralmente positivo.
1990:
- Judith Butler, Trouble dans le Genre - o género sexual é uma convenção.
1991:
- Bruno Latour, Nous n'Avons Jamais Été Modernes - a ciência não evolui à margem dos interesses sociais e polítios.
1992:
- Axel Honneth, La Lutte pour la Reconnaissance - a luta pelo reconhecimento é o motor das sociedades democráticas.
- Amartya Sen, Desigualdade Reexaminada - a pobreza não se mede apenas pelo rendimento económico.
1993:
- Pierre Boudieu, La Misère du Monde - as novas formas de sofrimento social.
1994:
- Steven Pinker, L'Instinct du Langage - a palavra é um instinto (não um produto cultural).
- António Damásio, O Erro de Descartes - a razão sem emoções não pondera bem.
1995:
- Ian Hacking, L'Âme Réécrite - da relação entre as doenças mentais e o contexto social.
1996:
- Frans de Waal, Le Bon Singe - da amizade e caridade entre os animais.
- Daniel Jonah Goldhagen, Les Bourreaux Volontaires de Hitler - foi o povo alemão, e não apenas os seus dirigentes, que levou a cabo o Holocausto.
- Samuel Huntington, O Choque das Civilizações - o futuro do mundo será condicionado por choques identitários e culturais.
- Arjun Appadurai, Après le Colonialisme - a mundialização também fragmenta culturalmente os Estados-Nação modernos.
1998:
- Manuel Castels, La Société en Réseaux - da emergência do mundo globalizado.
1999:
- Peter Sloterdijk, Règles pour le Parc Humain - biopolítica, o próximo instrumento das elites do poder.
- Luc Boltanski e Eve Chiapello, Le Nouvel Esprit du Capitalisme - dos anos 1960 a um novo instrumento de dominação capitalista.
2001:
- Pierre Hadot, La Philosophie comme Manière de Vivre - o quotidiano como prática filosófica.
2005:
- Philippe Descola, Par-delà Nature et Culture - contra a antiga dicotomia natureza vs. cultura.
- Jared Diamond, Effondrement - o desaparecimento das civilizações como resultado da delapidação dos respectivos ambientes.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Erros meus, boa fortuna, dúvida ardente

Acabei de ler o artigo de Jean-Pierre Lehman, "The first decade of the 21st. century: Five remarkable accomplishments" (in: http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=8234 ), que me faz perguntar qual terá sido exactamente o erro em que me mantive ao subordinar a política à cultura.
O autor salienta a emergência e relevância do G20, o desenvolvimento humano (crescimento económico mais evolução social) do Brasil, pergunta-se por uma súbita abertura do Governo japonês aos seus vizinhos, elogia o alargamento da UE como factor de democratização, e depois afasta-se do âmbito geopolítico para o social salientando a difusão mundial dos telemóveis. Pela minha parte, há coisa de 20 anos - com aquele enorme conhecimento que só os jovens conseguem! - dava de barato que o Brasil seria um país sem futuro de maior, e há uns 10 anos desconfiava de uma solidez europeia que facultasse decisões de fundo... (Sorrisos).
Pelo menos a 1ª previsão parece (felizmente!) errada. Quanto à 2ª, ainda recentemente em http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2009/10/o-que-e-que-ue-pode-fazer-por-mim-ue.html duvidei de que estejamos prontos para funcionar sob o modelo institucional mais ambicioso estabelecido pelo Tratado de Lisboa, iremos agora vendo se também aqui estarei felizmente errado.
O pressuposto de uma e de outra foi o mesmo: procurando desde rapaz reduzir a história - ainda que de forma apenas aproximada e instrumental, não como uma representação acabada - a algum factor na base do qual fosse possível compreendê-la em alguma medida, contra os materialistas que apontavam para as relações económicas, tendi a radicar mesmo estas últimas na cultura. A qual seria indiciada por comportamentos repetidos em diversas áreas. Repetindo-se no Brasil a desorganização, o desrespeito por uma larga percentagem da população, etc., não acreditava que verificasse uma cultura - como a que Max Weber atribuiu aos países capitalistas de matriz protestante - que o mobilizasse para o aproveitamento do seu potencial físico. Já no caso da UE a desconfiança não estava tanto na ausência desses princípios, valores, costumes,... mas na sua desmultiplicação e variantes entre os europeus, faltando um denominador comum suficientemente determinado para orientar políticas comuns eficientes face à crescente competição mundial.
O aparente erro da minha previsão brasileira, a que porventura se acrescentará um erro na previsão europeia, dão cheque ao rei (não necessariamente -mate...) àquele pressuposto (na linha de Weber, etc.). Se, na base deste, não for possível responder a esse cheque, abrir-se-ão 2 alternativas, uma fraca, a outra forte:
- o reducionismo historicista funcionará, mas não na base da economia (cf. resultados do comunismo) nem na da cultura, antes noutra base a apontar então;
- nenhum reducionismo funciona, e há que pensar - já não linear mas complexamente - a emergência de estádios históricos a partir de diversos factores que se organizam criando sinergias (1+1=2,5) que constituem tais emergências.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O Mundo a Seus Pés

No balanço dos últimos 2 posts, dedicados a 1 dos 2 filmes que apontei como favoritos no meu perfil (como para toda a gente, mais haveria...), trago aqui uma referência ao outro- infelizmente esquecido de televisões e videoclubes.
Mais do que a intriga, é tão contemporânea - e tão própria ao novelo que tento assinalar neste blogue! - a forma de perspectivas cruzadas desse filme de Orson Welles (realizador, co-produtor, co-argumentista, actor), Herman J. Mankiewicz (co-argumentista), e Gregg Toland (fotografia).
Aliás julgo que num duplo cruzamento: por um lado, o das perspectivas narrativas dos diversos testemunhos sobre Kane. Por outro lado, o das imagens em 1º plano com as imagens de fundo, igualmente focadas, cabendo ao espectador a hierarquização que permita uma linha narrativa... ou várias... mas então, a cada momento, qual delas seguir?...
"What's the real truth about (...)? I wish you come to (...) and decide for your self".

Mas melhor do que essas minhas palavras, aqui ficam as de Welles, mais o seu sentido de humor, e as surpresas de imagem...

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Casablanca!

A RTPM acabou há pouco de transmitir, pela enésima vez, Casablanca - E cada vez não sei se é melhor se diferente da anterior, que além de haver sempre ainda um jogo de sombras, uma nuance de linguagem a descobrir...
as time goes by o gosto por cada plano desflora mal no plano anterior se reconhece o sinal de que o outro se prepara...



P.S. - O Sinatra é com certeza excelente... mas no resto. Aqui, o lugar é de Sam! Os outros vêm abaixo.

Do determinismo mental e da medição do fluxo sanguíneo

Recebi há dias a obra de Jerome Kagan, The Three Cultures: Natural Sciences, Social Sciences, and the Humanities in the 21st Century, Nova Iorque: Cambridge University Press, 2009 - muito provavelmente um dos raros livros que desde há uma dezena de anos lerei da 1ª à última página!...
Mas para já abri-o no parágrafo sobre as 3 assunções fundamentais das ciências naturais modernas - (1) nenhuma explanação científica é permanentemente verdadeira; (2) todos os fenómenos podem ser reduzidos a processos materiais; (3) não há valores éticos nos fenómenos naturais.
A 2ª assunção coloca a questão determinismo vs. indeterminismo - ou como tenho aqui colocado, porque creio que mais frutuosa, reducionismo vs. emergentismo (este último conceito talvez permita explicar o que "indeterminismo" deixa em aberto).
Kagan argumenta contra o postulado determinista, e (até como psicólogo) centra-se na questão duma redução dos fenómenos psicológicos aos processos cerebrais (a que me referi ex. Cérebro (e mente): da quantidade à qualidade!...  ). Parece-me útil aqui assinalar os 9 problemas que encontra a um dos principais métodos de investigação que tem sugerido essa redução, a da medição do fluxo sanguíneo em zonas do cérebro uma vez sujeita a pessoa a certos estímulos. Supostamente a variação desse fluxo indiciaria a localização da função mental, própria ao comportamento observado, na zona do cérebro em que fosse (essa variação) medida, mas:
1º) esse fluxo indicia o input numa zona neuronal, mas não tanto o seu output;
2º) não há uma relação linear entre a quantidade de sangue que advém a uma zona e a quantidade de actividade neuronal aí;
3º) a magnitude da alteração do fluxo só é detectável 5 ou 6 s. depois da consciência do estímulo;
4º) só quando há bastante irrigação sanguínea é que o fluxo é significativo da actividade neuronal;
5º) a expectativa, ou ausência dela, do estímulo afecta a quantidade do fluxo após o estímulo;
6º) métodos diferentes de aferir a quantidade do fluxo obtêm resultados diferentes;
7º) áreas com aumento do fluxo podem não ser necessárias aos fenómenos psicológicos em causa;
8º) as instruções do experimentador ao sujeito da experiência condicionam a quantidade do fluxo;
9º) a reacção cerebral a um estímulo responde às diversas propriedades físicas deste - tamanho, cor, brilho... - sendo difícil distinguir o que responde a quê.
Ou seja, a metodologia condiciona a obtenção de quaisquer teses. Seja no protocolo que se tenha estabelecido para as experiências controladas sobre os fenómenos em causa, seja nos aparelhos utilizados, seja nas categorias teóricas de interpretação dos resultados.

Uma defesa da redução da mente ao cérebro deverá pois responder aos problemas que se coloquem aos métodos que essa defesa tenha usado... Pelo menos tão bem quanto uma equivalente defesa do dualismo (que hipostasia a mente ou espírito para além do cérebro) lograr responder aos problemas que se lhe coloquem!

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Proposta para banda sonora dos 3 posts anteriores...

Da possibilidade do liberalismo no Brasil e em Portugal - 3/3

Para uma classificação das culturas políticas brasileira e portuguesa vejam-se os resultados obtidos no conhecido projecto Hofstede, respectivamente em http://www.geert-hofstede.com/hofstede_brazil.shtml e http://www.geert-hofstede.com/hofstede_portugal.shtml, no qual se mede:
– o grau de aceitação, por parte dos membros desfavorecidos de qualquer organização (do Estado à família), da desigualdade que os castiga; quanto maior, maior será também a aceitação de poderes discricionários e autoritários pelos favorecidos (Power Distance Index);
– o grau de integração dos indivíduos em grupos, como a família, organizações religiosas, etc., mas sem referência ao Estado(Individualism);
– o grau de assertividade e competitividade, com uma maior variação nestes valores pela população masculina do que pela feminina de cada sociedade (daí o nome do indicador Masculinity);
– a tolerância da sociedade à ambiguidade e incerteza, de forma que, quanto maior for o valor neste indicador, maior será a aceitação do totalitarismo, e menor será a aceitação do espírito crítico na filosofia, na investigação científica fundamental, etc. (Uncertainty Avoidance Index).
Me parece intuitivo que a cultura política portuguesa, verificando os valores indicados no gráfico daquele link, se encontra no quadrante superior esquerdo do gráfico que descrevi em Da possibilidade do liberalismo no Brasil e em Por... . Bem como muito provavelmente se estruturará neopatrimonialistamente, ou perto disso – v. 3 círculos concêntricos e a (im)possibilidade do l... . De modo que não é apenas o liberalismo que aqui não parece possível a curto prazo, qualquer organização moderna é enjeitada pelo neopatrimonialismo - mesmo um conservadorismo visará aí mais a manutenção da estrutura piramidal carismática, do que a manutenção do que historicamente tenha vindo a revelar-se produtivo e consistente.
Já os valores brasileiros sugerem uma acentuada diferença - ainda que não diametral - indiciando uma cultura política mais compatível com organizações modernas, como a liberal, a social-democrata, ou mesmo a versão conservadora que contrapus à versão conservadora neopatrimonalista.
Tanto pior para os portugueses, que as organizações modernas têm cumprido muito melhor os objectivos de desenvolvimento humano (além do crescimento económico) proclamados desde o 25 de Abril e a adesão à CEE!


Post Scriptum - No 1º post destes 3 assinalei que ao se falar de uma ocidentalidade lusófona porventura  será apropriado não esquecer Cabo Verde. Se assim for, neste campo da cultura e organização política recomendaria a estes nossos irmãos a lusofonia que lhes fica a oeste, não a que fica a norte...


domingo, 10 de janeiro de 2010

3 círculos concêntricos e a (im)possibilidade do liberalismo no Brasil ou em Portugal - 2/3

Outra abordagem à cultura política que condiciona a aplicação de qualquer ideologia - apresentada por Joaquim Aguiar em Fim das Ilusões, Ilusões do Fim, 1985-2005 (Lisboa: Alêtheia, 2005) de que também me servi no post anterior - parte da teoria de Max Weber sobre as três formas de dominação: “a forma burocrática-racional (típica das sociedades modernas), a forma carismática (que aparece em condições de liderança personalizada (…)), e a forma patrimonialista (uma forma de dominação tradicional, que se estabelece entre um centro patrimonial e a rede de dependências (…))” (op.cit., 100).
Segundo S.N. Eisenstadt esta forma tradicional foi ajustada depois da Idade Média em algumas sociedades, com as estruturas estatais a substituírem as anteriores estruturas medievais, frequentemente combinada com a segunda forma de dominação. Surgem assim as políticas neopatrimonialistas, que se caracterizam i) pelo paternalismo – “o poder centralizado acumula os recursos, mas fica com a obrigação de satisfazer as necessidades da sociedade”. ii) Por serem acumulativas – “o centro (…) acumula os recursos para o financiamento dos investimentos relevantes”. E iii) por serem extractivas – “na forma de impostos (…) para pagar o endividamento” (ibid.).
Ou seja, como que no meio de três círculos concêntricos, ao centro uns poucos acumulam o capital – não só financeiro e físico, mas também emocional, etc. – nem tanto para investirem reprodutivamente, mas antes para perpetuarem a estrutura piramidal; o que fazem distribuindo uma fracção desses capitais pelos seus diversos ajudantes directos – em quantidade suficiente para estes ficarem satisfeitos, insuficiente para que se autonomizem dos primeiros – que se encontram no segundo círculo; e uns e outros asseguram a sobrevivência e alguma distracção aos muitos restantes, facultando-lhes ainda a identidade de membros dessa comunidade, em troca da função que compete aos elementos do terceiro círculo: aplaudir as vidas e obras dos elementos dos círculos interiores. “Este sistema de políticas e de racionalidades produz nas sociedades neopatrimonialistas estratégias de fraco potencial modernizador” (op.cit.: 96)”.
Parece-me intuitivo que, sociedade que se organize assim - e direi: a começar logo na célula social que é a família! - não tem condições para implementar uma ideologia liberal.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Da possibilidade do liberalismo no Brasil e em Portugal - 1/3

Os posts sobre o liberalismo geraram um movimento à volta deste blogue que não é habitual, pelo que desenvolverei em mais 3 a questão da possibilidade, ou exequibilidade, dessa ideologia nos países lusófonos de que consegui informação - Brasil e Portugal (num blogue lusófono sobre o horizonte ocidental provavelmente seria apropriado dar atenção a Cabo Verde, mas não tenho dados sobre este país africano).

As ideologias ganham corpo na legislação, mas são aplicadas não directa e simplesmente por esta última, antes pela comunidade a que a legislação se reporta, e segundo a interpretação, e a mobilização que a cultura desta comunidade determina em relação a tal aplicação - deixo aqui esta ideia como postulado (a discutir, como qualquer outro).
Em consequência, a cultura política duma comunidade constitui as condições de possibilidade de quaisquer ideologias nessa comunidade - por outras palavras, uma ideologia é aplicada segundo cada cultura política.
Apontarei aqui a classificação destas últimas, concretamente sobre o padrão cultural dominante, segundo o modelo de Douglas-Wildavsky (seria mais intuitivo apresentá-las num eixo ortogonal, mas não sei introduzir gráficos em posts...):
- distinguem-se 4 padrões segundo 2 dimensões - regras de comportamento (eixo dos yy), e identidade colectiva (eixo dos xx);
- quadrante superior esquerdo - fraca identidade colectiva, fortes regras de comportamento: verificam-se normas sociais rígidas, mas fraca incorporação em grupos - i.e. os indivíduos não se dispõem activa e intencionalmente em prol do grupo, embora possam esperar a assistência deste (!); a autonomia individual é reduzida; a responsabilidade é transferida para o destino; a adaptação ocorre mais por inércia do que proactivamente;
- quadrante superior direito - forte identidade colectiva, fortes regras de comportamento: verifica-se uma forte incorporação em grupos, ou a supremacia do colectivo sobre o individual; relações sociais hierarquizadas e rígidas; obediência à autoridade mas com igualdade individual perante a lei;
- quadrante inferior esquerdo - fraca identidade colectiva, fracas regras de comportamento: verifica-se uma fraca incorporação em grupos; regras de comportamento flexíveis; competição e responsabilidade individual;
- quadrante inferior direito - forte identidade colectiva, fracas regras de comportamento: forte incorporação em grupos, a lealdade e obediência são internas a este, e não externas; relações de competição entre grupos; fraca autoridade superior a estes.
Já agora, em qual quadrante gostaria você de viver?...
Este último vi-o referido por exemplo aos Países Baixos; o penúltimo, aos anglo-saxónicos; o 2º, aos germânicos; e o 1º (benza-o Deus!...) a Portugal.
O padrão liberal é o do quadrante inferior esquerdo. Ao qual, ainda segundo este modelo de análise político-cultural, correspondem os seguintes pressupostos culturais: competitividade; lógica do mercado; valorização do risco; liberdade contratual; estruturação de poderes separados em função dos equilíbrios institucionais (como a separação constitucional dos poderes nos EUA).
Segundo o nosso postulado, comunidades que não verifiquem estes últimos não poderão implementar - na prática (!), não no papel ou nas declarações de intenção - o padrão liberal.

O que para os liberais dessas comunidades desvia o cerne da questão política do que fazer no curto prazo - que para eles seriam naturalmente as medidas que, nas suas situações históricas concretas, realizassem aquele padrão - para como tornar esse padrão exequível, e por certo apenas a médio (longo!) prazo. Concretamente, como poderá essa minoria influenciar culturalmente a maioria em ordem ao quadrante inferior esquerdo?...

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Por falar em desafios para o ano novo, em disputas teóricas... (!)

Da fundamentação do liberalismo

O comentário de Nuno Barata a Por um 2010... com sentido! (3/3) parece-me particularmente fino numa sugestão da célebre abordagem de John Rawls - a quem me reportei em 2 Conceitos de liberdade, 2 liberalismos - à questão da organização política justa: considere-se cada cidadão como se estivesse em frente de um bolo-rei com várias favas e (talvez poucos!) brindes, uma vez que não tem qualquer critério para escolher a fatia certa, o mais seguro é contratualizar à partida com os restantes convivas alguma forma de solidariedade no suporte das favas - o que implica alguma redistribuição do brinde.
A nós liberais (como eu, e como tenho ideia que o Nuno) essa abordagem costuma seduzir logo pela simplicidade e elegância da sua racionalidade! Uma objecção que se nos coloca é porém que as pessoas em geral não escolhem exclusiva, ou nem mesmo primordialmente, por ponderação racional de custos/benefícios (excelente exemplo é a pseudo-argumentação, ao que vejo apenas composta por teses soltas e por desejos e perfeitamente esquecida de cálculos quantificadores verificáveis independentemente, que o Governo português tem apresentado em defesa da construção imediata do TGV, etc.). Da situação ideal criada por Rawls não se poderá fazer decorrer pois qualquer organização política (ou pelo menos esta não será aplicável em comunidades que elegem deputados que suportam ministros como aqueles!).
Independentemente da resposta que possamos dar a esta objecção, abre-se ao lado no entanto uma abordagem que procura fundamentar a ideologia política numa concepção da realidade - numa antropologia, que por sua vez assenta numa metafísica. Foi o caminho seguido pelo líder liberal micaelense, Francisco Luís Tavares, na sua conferência de grande impacto ("A democracia e a nação") a 2 de Janeiro de 1933 - em plena alvorada do Estado Novo! - ao radicar a sua proposta política no postulado, ultimamente metafísico nominalista, de que "o indivíduo é o elemento social mais importante, toda a actividade funcional parte dele e para ele". Apesar da sedução racionalista rawlsiana, pela minha parte inclino-me para esta 2ª abordagem.
Por curiosidade recordo os números apresentados em Da filosofia e das suas tendências actuais : nominalismo - 37,7%; realismo (que reconhece a realidade de classes como "nação") - 39,3%; outros (que incluem combinações hierárquicas entre as posições anteriores) - 22,9%. A disputa está aberta.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Para o esclarecimento do "transhumanismo", e para um seu enquadramento ético

Apenas 2 sugestões:
Uma, da leitura do post http://transhumanismo.blogs.sapo.pt/15728.html de Rui Barbosa (no blogue aqui assinalado ao lado).
A outra, do enquadramento ético a tais desenvolvimentos tecnocientíficos por Gilbert Hottois (O Paradigma Bioético, trad. P. Reis, Lisboa: Salamandra, 1992) - que apontei na nota 24 do ensaio que este blogue prolonga precisamente para esse enquadramento. Distinguem-se 3 atitudes: a liberal, a restritiva, e a intermédia. A 1ª, de acordo com o chamado imperativo técnico, defende que se faça tudo o que for tecnicamente possível - para realização dum homem concebido como homo faber. A 2ª defende antes que se respeite sempre uma Natureza - a postular. A 3ª, que na linha do filósofo Hans Jonas propõe que a intervenção técnica seja orientada, e limitada, não só pela salvaguarda da vida, mas ainda, no caso humano, pela salvaguarda do livre arbítrio.

A propósito, esse investigador disse-me há dias que estão a tentar lançar uma Rede Nacional de Investigação sobre o Transhumanismo. Aqui deixo algumas palavras da minha resposta:
"Concordo 200% com a sua proposta duma Rede Nac. Invest. Transh., e pelas razões que aponta mais a sinergia que poderia trazer no plano da investigação de ponta e do pensamento de longo prazo - tradicionalmente deficitários na nossa cultura do desenrascanço e das vistas curtas (foi preciso vir uma inglesa educar os filhos para que estes, uma vez no Governo e na "empresa pública" que promoveu a navegação atlântica, fizessem os Descobrimentos que ainda hoje gostamos de tomar como nosso 1º factor de identidade!)".

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Por um 2010... com sentido! (3/3)

Termino esta trilogia de posts sobre um sentido para a vida com uma referência que ando para aqui trazer creio que desde Da escolha ética. Do sentido da vida .
Com efeito, no 1º destes 3 posts ficou a questão do sentido das nossas vidas (nomeadamente para ser cumprido em mais este ano) será ou o da mera replicação do código genético que herdámos - i.e. cada pessoa é um instrumento do ADN que a constitui para que ela exerça o comportamento de reprodução desse código - ou o de cumprir o que for apropriado a níveis que se desenvolvam a partir dessa matéria prima molecular, como o da consciência e o social. Essa foi uma abordagem indirecta - via concepção da vida em geral, a nossa ou a dos plátanos... - à questão do sentido. No 2º post referi a abordagem directa ao modo como vivemos esta questão tal como esse modo é expresso na linguagem. No espectro desde a tese de que não podemos experimentar qualquer sentido até à de que experimentamos um que ultrapassa quaisquer inclinações subjectivas, destaquei 2 filósofos neste último extremo, sugerindo que a vida humana tem sentido quando é dedicada, com trabalho, a projectos de um valor além do interesse privado do indivíduo. Neste 3º post quero deixar uma sugestão de aplicação dessa questão não só à vida íntima de cada um de nós, mas também à dimensão colectiva ou política:
"Crise du sens, crise du lien social, crise de l'emploi: trois symptômes d'un mal unique" - título do cap. 7 de Jean-Baptiste de Foucauld e Denis Piveteau, Une Société en Quête de Sens, Paris: Odile Jacob, 2000. Ou como os autores introduzem o cap. anterior, "La crise de l'emploi ne prend sa vraie dimension que rapportée à la fragilité croissante des liens sociaux. Mais celle-ci ne se comprend, à son tour, que si on la relie à une autre crise, celle d'une société qui ne parvient plus à se donner des objectifs individuels et collectifs mobilisateurs. Ce que nous appellerons la crise du sens" (p. 105).
A ideia é que, com a pós-modernidade, os grandes sistemas proponentes de sentido - religião, etc. - perderam peso, restando a cada pessoa construir o sentido da sua vida, quando muito utilizando propostas pontuais que recolhe no que lhe chega daqueles sistemas. Desafio a que se acresce o de conciliar esses sentidos individuais com uma actividade económica colectiva que faculte o progresso sócio-económico. Diga-se de passagem que parte do incómodo de Neil Levy (no post anterior) com a opção da autodespromoção que troca o trabalho tout court pela convivência familiar, etc., releva deste 2º desafio - se há trabalho alienante, e que é necessário à sobrevivência da maioria de nós, é porém ainda no trabalho que em alguma medida poderemos desenvolver no tempo de lazer que construiremos um sentido para as nossas vidas; e dificilmente nesse trabalho não haverá alguma dimensão pública ou colectiva.
Para ilustrar a relação entre sentido de vida e emprego acrescento um exemplo dado por aqueles sociólogos: os empregos de proximidade, ou dos serviços de atendimento. Queremos ser atendidos nestes serviços por pessoas ou por máquinas, gravações de voz, etc.? Frequentemente preferimos as pessoas, e não só para agilizar a comunicação mas também para quebrar a solidão individual nas grandes metrópoles. Bom, mas neste caso como é que se paga o maior custo do serviço pessoalizado? Isto é, em que é que vai faltar o capital acumulado que, assim, se dedicará à formação e salários desses trabalhadores?... Se o sentido que a maioria de nós conferirmos às nossas vidas nos encerrar nas nossas individualidades, preferiremos a economia de custos que nos libertará recursos nossos para outras funções (férias, etc.)... Enfim, enquanto não nos calhar a nós a fava do desemprego ou do subemprego! Mas então, na sequência daquele sentido, muito pouco apoio poderemos esperar dos outros. Este sentido ameaça assim virar-se contra a sua própria sustentabilidade.
Paradoxo semelhante é por exemplo o que atravessa os posts que aqui dediquei à "Hopenhagen". Bastante trabalho nos espera, pois, nesta questão do sentido, no ano que agora iniciamos!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Por um 2010... com sentido! (2/3)

No post anterior abordei a questão do sentido da vida mediante a biologia - que visa em geral o que nasce e morre, se alimenta, se reproduz... Mas isso talvez pouco diga especificamente, não só à vida humana, mas ainda a cada pessoa nas suas situações concretas. Para esclarecer um sentido que oriente as opções que temos de fazer nessas situações poderá ser mais significativa a abordagem filosófica - refiro-me à que analisa as expressões dos nossos comportamentos, etc.
Para esta outra abordagem um bom utensílio será a colectânea de AAVV, Viver para Quê? Ensaios Sobre o Sentido da Vida (org. e trad. Desidério Murcho, Lisboa: Dinalivro, 2009). A qual reúne ensaios argumentando pela falta de sentido, outros pela relatividade subjectiva de qualquer sentido, e outros por alguma objectividade de um sentido. Uma vez que o inquérito que aqui apresentei em Da filosofia e das suas tendências actuais sugere que a maioria dos filósofos actuais tenderá a aceitar a 3ª posição (realismo moral: 56,3%) - e também porque é a minha! - destaco os 2 ensaios que a representam: Susan Wolf, "Felicidade e sentido: Dois aspectos da vida boa" (pp. 157-186); Neil Levy, "Despromoção e sentido na vida" (pp. 187-205).
Em síntese, Wolf propõe que "vidas com sentido são vidas de entrega activa a projectos de valor" (p. 161). A quem tender a concordar, aqui fica o pedido de ajuda intelectual da filósofa: "Dado que não tenho qualquer teoria do valor com a qual possa provar a coerência do conceito ["projectos de valor (em contraste com outros projectos)"] ou refutar todos os desafios cépticos, nada mais posso fazer senão reconhecer a vulnerabilidade da minha concepção do interesse próprio quanto a este aspecto" (p. 167).
E quem assim se dispuser a resolver aquela vulnerabilidade teórica será logo confortado pela tese de Neil Levy! A saber, os referidos "projectos de valor" são constituídos por actividades que vão redeterminando os seus fins à medida que os realizam, como a procura da verdade (ex. numa ajuda a S. Wolf), da implementação da justiça, a criação artística... fins estes que por sua vez servem de referências últimas às restantes escolhas e comportamentos. Cabe depois a cada um, na sua circunstância e segundo as suas apetências, escolher em geral o tipo de projecto que lhe for mais adequado, e concretamente em qual poderá trabalhar.
Poder-se-á talvez objectar que, se as noções de "verdade", "justiça", "belo"... forem totalmente relativas ou subjectivas, então cada um encontrá-las-á onde isso lhe der prazer, e caímos numa teoria hedonista sobre o interesse próprio (que zela pelo esclarecimento de um sentido da vida, v. Wolf, p. 158). Bom, também agora o que 1º se poderá dizer a quem se dispuser a resgatar alguma objectividade daquelas noções - confirmando as teses desses 2 filósofos contemporâneos contra os hedonistas - é que estará assim experimentando, em pessoa, a tese de que o sentido se constrói no trabalho pela verdade...

sábado, 2 de janeiro de 2010

Um 2010... com sentido! (1/3)

São suficientes os votos que fazemos com as Saúdes! do Ano Novo? Ou seja, ao enfrentarmos a morte acharemos que a nossa vida terá valido se a tivermos passado com poucos achaques?... Se for a vida de uma galinha acredito que sim. Sendo uma vida humana, talvez à saúde se acrescente "felicidade" - mas o que significa esta palavra? Será o que sente quem viveu numa casa confortável, conviveu com muitos conhecidos a quem chamou "amigos", foi num Verão a Cuba, fez um cruzeiro duma semana pelo Mediterrâneo, e teve carros superiores a utilitários?...
É isso que faz a vida humana valer a pena se "felicidade" = soma de "prazeres" (cf. Crise económico-financeira, transhumanismo... e a ... ), e se o sentido da vida, isto é, aquilo que esta visa, for uma sobrevivência prazenteira.
Em relação à vida em geral - não especificamente a humana - segundo o professor de biologia e de física Steven Rose ("Qual é o sentido da vida?", in: H. Swain (org.), Grandes Questões Científicas, Lisboa: Gradiva, 2007, pp. 357-363) os biólogos dividem-se hoje entre os que reduzem a vida ao ADN e às suas instruções na produção de proteínas em vista à replicação de moléculas com o mesmo código genético, e os que subordinam a vida à emergência de organizações que asseguram a vida e lhe desenvolvem o potencial. Como diz Rose - defendendo a 2ª posição - "é este conceito dinâmico de desenvolvimento (...) que repõe o organismo, e não o gene, no centro do palco da vida"; "os organismos constroem-se a si próprios - criam as suas próprias trajectórias - a partir da matéria-prima fornecida pelos genes e pelos seus múltiplos níveis ambientais, desde o celular até ao social" (op. cit.: 362). A questão chave, penso, é a de como se decide o comportamento a desenvolver em cada encruzilhada crucial da vida - se este funcionário deste escritório, entre ser leal com aquele colega e traí-lo para facilitar esta promoção, optar pela 1ª ou pela 2ª opção por causa do código genético, então podemos conceber reducionistamente esse acontecimento; se, ao contrário, em algum dos tais níveis ambientais (logo por exemplo o da consciência) ocorrer alguma novidade em relação aos componentes do nível inferior, obrigamo-nos a uma concepção emergentista.
A alternativa entre esses 2 paradigmas científicos não se resolve apenas em ordem às 3 pedras no sapato reducionista que assinalei no post anterior.
Continuando o avanço em 2009 que escolhi para esse último post, aí está um bom voto para 2010: que possamos dar um passo significativo na resposta à pergunta pelo sentido da vida!