quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Do determinismo mental e da medição do fluxo sanguíneo

Recebi há dias a obra de Jerome Kagan, The Three Cultures: Natural Sciences, Social Sciences, and the Humanities in the 21st Century, Nova Iorque: Cambridge University Press, 2009 - muito provavelmente um dos raros livros que desde há uma dezena de anos lerei da 1ª à última página!...
Mas para já abri-o no parágrafo sobre as 3 assunções fundamentais das ciências naturais modernas - (1) nenhuma explanação científica é permanentemente verdadeira; (2) todos os fenómenos podem ser reduzidos a processos materiais; (3) não há valores éticos nos fenómenos naturais.
A 2ª assunção coloca a questão determinismo vs. indeterminismo - ou como tenho aqui colocado, porque creio que mais frutuosa, reducionismo vs. emergentismo (este último conceito talvez permita explicar o que "indeterminismo" deixa em aberto).
Kagan argumenta contra o postulado determinista, e (até como psicólogo) centra-se na questão duma redução dos fenómenos psicológicos aos processos cerebrais (a que me referi ex. Cérebro (e mente): da quantidade à qualidade!...  ). Parece-me útil aqui assinalar os 9 problemas que encontra a um dos principais métodos de investigação que tem sugerido essa redução, a da medição do fluxo sanguíneo em zonas do cérebro uma vez sujeita a pessoa a certos estímulos. Supostamente a variação desse fluxo indiciaria a localização da função mental, própria ao comportamento observado, na zona do cérebro em que fosse (essa variação) medida, mas:
1º) esse fluxo indicia o input numa zona neuronal, mas não tanto o seu output;
2º) não há uma relação linear entre a quantidade de sangue que advém a uma zona e a quantidade de actividade neuronal aí;
3º) a magnitude da alteração do fluxo só é detectável 5 ou 6 s. depois da consciência do estímulo;
4º) só quando há bastante irrigação sanguínea é que o fluxo é significativo da actividade neuronal;
5º) a expectativa, ou ausência dela, do estímulo afecta a quantidade do fluxo após o estímulo;
6º) métodos diferentes de aferir a quantidade do fluxo obtêm resultados diferentes;
7º) áreas com aumento do fluxo podem não ser necessárias aos fenómenos psicológicos em causa;
8º) as instruções do experimentador ao sujeito da experiência condicionam a quantidade do fluxo;
9º) a reacção cerebral a um estímulo responde às diversas propriedades físicas deste - tamanho, cor, brilho... - sendo difícil distinguir o que responde a quê.
Ou seja, a metodologia condiciona a obtenção de quaisquer teses. Seja no protocolo que se tenha estabelecido para as experiências controladas sobre os fenómenos em causa, seja nos aparelhos utilizados, seja nas categorias teóricas de interpretação dos resultados.

Uma defesa da redução da mente ao cérebro deverá pois responder aos problemas que se coloquem aos métodos que essa defesa tenha usado... Pelo menos tão bem quanto uma equivalente defesa do dualismo (que hipostasia a mente ou espírito para além do cérebro) lograr responder aos problemas que se lhe coloquem!

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