sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Da fundamentação do liberalismo

O comentário de Nuno Barata a Por um 2010... com sentido! (3/3) parece-me particularmente fino numa sugestão da célebre abordagem de John Rawls - a quem me reportei em 2 Conceitos de liberdade, 2 liberalismos - à questão da organização política justa: considere-se cada cidadão como se estivesse em frente de um bolo-rei com várias favas e (talvez poucos!) brindes, uma vez que não tem qualquer critério para escolher a fatia certa, o mais seguro é contratualizar à partida com os restantes convivas alguma forma de solidariedade no suporte das favas - o que implica alguma redistribuição do brinde.
A nós liberais (como eu, e como tenho ideia que o Nuno) essa abordagem costuma seduzir logo pela simplicidade e elegância da sua racionalidade! Uma objecção que se nos coloca é porém que as pessoas em geral não escolhem exclusiva, ou nem mesmo primordialmente, por ponderação racional de custos/benefícios (excelente exemplo é a pseudo-argumentação, ao que vejo apenas composta por teses soltas e por desejos e perfeitamente esquecida de cálculos quantificadores verificáveis independentemente, que o Governo português tem apresentado em defesa da construção imediata do TGV, etc.). Da situação ideal criada por Rawls não se poderá fazer decorrer pois qualquer organização política (ou pelo menos esta não será aplicável em comunidades que elegem deputados que suportam ministros como aqueles!).
Independentemente da resposta que possamos dar a esta objecção, abre-se ao lado no entanto uma abordagem que procura fundamentar a ideologia política numa concepção da realidade - numa antropologia, que por sua vez assenta numa metafísica. Foi o caminho seguido pelo líder liberal micaelense, Francisco Luís Tavares, na sua conferência de grande impacto ("A democracia e a nação") a 2 de Janeiro de 1933 - em plena alvorada do Estado Novo! - ao radicar a sua proposta política no postulado, ultimamente metafísico nominalista, de que "o indivíduo é o elemento social mais importante, toda a actividade funcional parte dele e para ele". Apesar da sedução racionalista rawlsiana, pela minha parte inclino-me para esta 2ª abordagem.
Por curiosidade recordo os números apresentados em Da filosofia e das suas tendências actuais : nominalismo - 37,7%; realismo (que reconhece a realidade de classes como "nação") - 39,3%; outros (que incluem combinações hierárquicas entre as posições anteriores) - 22,9%. A disputa está aberta.

2 comentários:

  1. Sim, eu sou um liberal, cada vez mais liberal em todos os sentidos, económico, social, religioso...
    Se me permitires perseguir a analogia do bolo-rei (eu gosto muito de analogias porque acho que explicam muito bem o sentido das coisas), para Rawls, se eu bem o entendi, em a Lei dos Povos, o bolo-rei, não teria nem favas nem brindes, teria apenas umas frutas mais saborosas e outras sem sabor e que isto é mais justo do que haver brindes e favas. Para se acabar com as favas, é justo fazer a guerra mesmo que isso implique gastar o brinde. Ora, bolo-rei sem fava e sem brinde não é bolo-rei, é outra coisa qualquer. Ou seja, a humanidade de Rawls, é outra que não aquela de que realisticamente fazemos parte. Como sabemos, o Homem não é grande coisa, Hobbes defendia o estado natural como um estado de guerra, , homo homini lupus, um bolo-rei só com favas em que o grande Leviathan distribuiria os brindes.Jjá para Rousseau, o estado natural é de Paz, um bolo-rei de brindes.
    Com Rawls, provavelmente o mais interessante filósofo contemporâneo, o estado natural simplesmente não existe, é um bolo-rei que não é bolo-rei.


    Post scriptum
    Sou capaz de ter confundido isto tudo. Mas, como sabes sou um auto didacta, tenho cá as minhas limitações. Os teus textos vão-me ajudando a pensar mais.

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  2. Ainda bem que (estes textos) vão ajudando... porém qual lanterna erguida por um míope, que apesar da luz que porventura passe por ele continua com uma série de confusões, preso nas suas limitações!
    (E como talvez saibas, poderei ter o defeito da impaciência arrogante, o da falsa humildade não tenho de certeza)

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