sábado, 9 de janeiro de 2010

Da possibilidade do liberalismo no Brasil e em Portugal - 1/3

Os posts sobre o liberalismo geraram um movimento à volta deste blogue que não é habitual, pelo que desenvolverei em mais 3 a questão da possibilidade, ou exequibilidade, dessa ideologia nos países lusófonos de que consegui informação - Brasil e Portugal (num blogue lusófono sobre o horizonte ocidental provavelmente seria apropriado dar atenção a Cabo Verde, mas não tenho dados sobre este país africano).

As ideologias ganham corpo na legislação, mas são aplicadas não directa e simplesmente por esta última, antes pela comunidade a que a legislação se reporta, e segundo a interpretação, e a mobilização que a cultura desta comunidade determina em relação a tal aplicação - deixo aqui esta ideia como postulado (a discutir, como qualquer outro).
Em consequência, a cultura política duma comunidade constitui as condições de possibilidade de quaisquer ideologias nessa comunidade - por outras palavras, uma ideologia é aplicada segundo cada cultura política.
Apontarei aqui a classificação destas últimas, concretamente sobre o padrão cultural dominante, segundo o modelo de Douglas-Wildavsky (seria mais intuitivo apresentá-las num eixo ortogonal, mas não sei introduzir gráficos em posts...):
- distinguem-se 4 padrões segundo 2 dimensões - regras de comportamento (eixo dos yy), e identidade colectiva (eixo dos xx);
- quadrante superior esquerdo - fraca identidade colectiva, fortes regras de comportamento: verificam-se normas sociais rígidas, mas fraca incorporação em grupos - i.e. os indivíduos não se dispõem activa e intencionalmente em prol do grupo, embora possam esperar a assistência deste (!); a autonomia individual é reduzida; a responsabilidade é transferida para o destino; a adaptação ocorre mais por inércia do que proactivamente;
- quadrante superior direito - forte identidade colectiva, fortes regras de comportamento: verifica-se uma forte incorporação em grupos, ou a supremacia do colectivo sobre o individual; relações sociais hierarquizadas e rígidas; obediência à autoridade mas com igualdade individual perante a lei;
- quadrante inferior esquerdo - fraca identidade colectiva, fracas regras de comportamento: verifica-se uma fraca incorporação em grupos; regras de comportamento flexíveis; competição e responsabilidade individual;
- quadrante inferior direito - forte identidade colectiva, fracas regras de comportamento: forte incorporação em grupos, a lealdade e obediência são internas a este, e não externas; relações de competição entre grupos; fraca autoridade superior a estes.
Já agora, em qual quadrante gostaria você de viver?...
Este último vi-o referido por exemplo aos Países Baixos; o penúltimo, aos anglo-saxónicos; o 2º, aos germânicos; e o 1º (benza-o Deus!...) a Portugal.
O padrão liberal é o do quadrante inferior esquerdo. Ao qual, ainda segundo este modelo de análise político-cultural, correspondem os seguintes pressupostos culturais: competitividade; lógica do mercado; valorização do risco; liberdade contratual; estruturação de poderes separados em função dos equilíbrios institucionais (como a separação constitucional dos poderes nos EUA).
Segundo o nosso postulado, comunidades que não verifiquem estes últimos não poderão implementar - na prática (!), não no papel ou nas declarações de intenção - o padrão liberal.

O que para os liberais dessas comunidades desvia o cerne da questão política do que fazer no curto prazo - que para eles seriam naturalmente as medidas que, nas suas situações históricas concretas, realizassem aquele padrão - para como tornar esse padrão exequível, e por certo apenas a médio (longo!) prazo. Concretamente, como poderá essa minoria influenciar culturalmente a maioria em ordem ao quadrante inferior esquerdo?...

1 comentário:

  1. "As ideologias ganham corpo na legislação"
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    Caro MIguel,

    as ideologias ganham corpo na cultura.(assim como na legislação)

    cumprimentos
    Catarina Mendes

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