quarta-feira, 29 de julho de 2009

Na base estão as ideias - o caso Anaximandro

Recebi a notícia da publicação no mês passado de uma obra de história das ciências que dá mais um exemplo de reforço à radicação das actividades regulares (políticas, económicas...) num nível cultural original (contra materialismos como o marxista, que defendem a ordem inversa), no qual se poderá (deverá!) originar a metamorfose de que fala Edgar Morin - v. "L'abîme ou la métamorphose?" (e sustentar a prazo o desenvolvimento técnico: cf. Crise civilizacional... e desenvolvimento técnico?...).
Refiro-me ao livro do conhecido físico quântico (v. interpretação relacional) Carlo Rovelli, Anaximandre de Milet ou la Naissance de la Pensée Scientifique, Paris: Dunod, 2009, 192 pp., 18€.
O autor destaca esse filósofo do séc. VI a.C. por ter sustentado que a Terra não jaze sobre algum apoio, antes se encontra num espaço aberto. A astronomia chinesa, por exemplo, ao longo dos seus 20 séculos nunca conseguiu dar esse salto. E a dificuldade, como diz Rovelli, é que tal tese nos é contra-intuitiva: tudo o que vemos cai (para baixo!). Pressupôr que não há que explicar os fenómenos na esteira das respectivas percepções, mas sim como mais coerente e funcionalmente possamos desenvolver estas últimas, para depois - em cosmologia - colocar a hipótese de que em geral não há "baixo" e "cima", que estas são noções relativas, são 2 passos conceptuais que não decorrem da percepção, antes, e inversamente, enquadram esta última. Esta revolução de Anaximandro é assim comparada à de Copérnico, bem como depois às relatividades galilaica e restrita (Einstein).
Outra ideia daquele filósofo pré-Socrático foi a da profundidade celeste (os corpos celestes não se encontrariam incrustados em alguma cúpula sobre a Terra). Não sei se esta abertura espacial comportava a ideia de infinito, até porque Anaximandro foi também o primeiro pensador que, perante a questão da origem do cosmos, respondeu com um conceito abstracto (e não com susbtâncias como o ar, etc.): o infinito ou indeterminado. Em todo o caso essa foi uma pista que não vingou no universo cultural grego que valorizava a medida, o limite... e assim caiu (essa cultura) na crise da matemática grega perante os números irracionais (cf. teorema de Pitágoras e as raízes irracionais), da qual esta disciplina só saiu nas civilizações islâmica e ocidental, marcadas pela valorização do infinito (como característica divina).
Em suma, os instrumentos conceptuais (ex. matemáticos) que usamos quotidianamente são enquadrados cultural ou conceptualmente - como seria mais simples a vida se assim não fosse! (por exemplo, suponho que parecida à do meu cão ali fora). Ao ponto de, se o desenvolvimento daquele uso entrar em conflito com estes enquadramentos, tal uso poder ser abandonado, deixando por resolver os problemas que enfrentava, enquanto se não revolucionam os conceitos enquadrantes.

terça-feira, 28 de julho de 2009

Portugal - uma cultura de fronteira

"Variadíssimas razões existem para que a realidade islâmica não devesse escapar ao interesse de quem pretenda fazer uma abordagem humanística do mundo contemporâneo. O ecumenismo hoje, apesar de todos os dramas que ainda afligem o homem, vai-se lentamente afirmando nas consciências como expressão de um pressentido denominador comum de todas as religiões. Tal ecumenismo deve ir mais longe, e tender a expressar-se através da fraternidade entre os seres e as nações. Só o reforço dessa solidariedade essencial, em todos os aspectos e momentos da vida quotidiana, poderá libertar o homem dos perigos que o ameaçam: o pesadelo da guerra, o espectro da fome endémica em tantas regiões do globo, perante a nossa indiferença, e a destruição da natureza. Ora o ecumenismo, se assumido com os olhos do coração e do intelecto, deverá impelir-nos fatalmente ao conhecimento do outro, entendido este como pessoa, religião, cultura ou civilização. Isto pela simples razão de que, utilizando o sentido bíblico, conhecer é amar. Hostilizamos e tememos, na verdade, apenas aquilo que, de todo, desconhecemos. Eis porque o homem de hoje, qualquer que seja a sua nacionalidade, filosofia ou religião, terá do mundo uma visão fragmentária e incompleta se não conhecer, ao menos sumariamente, as grandes linhas de força do mundo islâmico: o Alcorão é, para dezenas de países e milhões de seres, código espiritual e ético e base fundadora das respectivas sociedades."

Com estas palavras abre Adalberto Alves o seu livro Portugal - Ecos de um Passado Árabe, Biblioteca Digital Camões, 1999, http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/cat_view/57-historia.html?start=10. E por 2 razões tenho um especial interesse em as citar aqui: por um lado, para reforçar a ideia de que no parág. 2.1.a de O Nó do Problema Ocidental não pretendi estigmatizar os muçulmanos (v. Prólogo e Agradecimentos de "O Nó do Problema Ocid...); por outro lado e principalmente (pois o cuidado anterior foi logo expresso), para introduzir a questão da ocidentalidade portuguesa - incontornável num blogue, escrito em português, sobre a civilização ocidental no suposto de que os falantes dessa língua participarão desta última - ainda que diferentemente na Europa, América do Sul, África, Índia ou Oceânia.
O último estudo do livro - "O legado cultural árabe em Portugal " (pp. 52-57) - elenca heranças pontuais na música, literatura, Direito, alimentação, etc. Mas para a intenção radical deste blogue mais interessante me parece a asserção, feita no capítulo "Al-Mu'tamid e o destino": "a única realidade do existente é a de não ter qualquer realidade específica" (p. 12).
Desta posição metafísica decorre, como disse (aproximadamente) António Variações, que se está sempre onde se não está... Que as metas de quaisquer projectos estão para além dos resultados deles, donde os primeiros restam inacabados porque desde o princípio não eram esses resultados o que se visava... Ou como põe Adalberto Alves, em alternativa ao dito hamletiano "ser... ou não ser", há que "ser... e não ser".
Creio que este autor se precipita quando invoca a física quântica, ou a lógica contemporânea em defesa desta última fórmula. Afinal se esses físicos, na interpretação ortodoxa de Copenhaga, consideram que a entidade quântica se move como onda, todavia chega a qualquer alvo como partículas, e é assim que se relaciona a esta outra entidade (o alvo). Também a oportunidade do dualismo verdade-falso não foi dissolvida na lógica de 1ª ordem, que respeita o princípio de bivalência. Apenas se discute uma outra oportunidade para lógicas que, em algumas situações, não devam respeitar este princípio. A generalização daquela metafísica continua, creio, a ser julgada abusiva pela ciência contemporânea. Mas culturalmente o que aqui mais me interessa é a adequação dessa asserção aos comportamentos comuns dos participantes da cultura portuguesa, e precisamente em contraposição a esse princípio lógico, ao dito de Hamlet, etc.
Somos ou não, nas nossas relações sociais, nos nossos trabalhos,... aqueles que se concebem como sendo e não sendo? Até que ponto, pois, somos ocidentais, ou árabes e islâmicos? - Mas esta formulação, sendo dualista, diria talvez A. Alves que é eminentemente aristotélica, cartesiana... a recusar na óptica de Al-Mu'tamid que pretenderia antes que fôssemos um e o outro!
É logo nessa questão da formulação anterior que se joga a nossa identidade. Mas entretanto pergunto-me: fará sentido eu (português) lançar este blogue, escrito nesta língua?...

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Ciência: método vs. dialéctica e retórica

Qualquer ciência (matemática, psicologia,...) resolve as respectivas questões pontuais por recurso aos dispositivos de prova, ou de legitimação, que decorrem do paradigma científico em que essas ciências se inserem - i.e. que decorrem do que é suposto constituir a "ciência" como tal. O problema refina porém quando se apresenta mais do que um paradigma, pois falta agora um meta-paradigma segundo o qual se dirimisse a alternativa paradigmática (daí a evolução dos parág. 4.1.1 e 4.1.2 para o parág. 4.2 em O Nó do Problema Ocidental).
A comunicação de Anna Carolina Regner - no video em baixo - acrescenta porém um tema dessa questão que não referi nesse ensaio. Nele, apontei teses actuais sobre o estatuto, ou alcance, da ciência, mais as estruturas ou instrumentos conceptuais que respectivamente lhes são próprios. Não me referi porém ao modo como estes instrumentos são utilizados, ou seja, à argumentação científica ou o que caracteriza este discurso.
Este é o tema da comunicação apresentada na Unisinos em 2007. A autora caracteriza a ciência como uma exploração (dialéctica) de alternativas perante um problema, eventualmente levando à emergência de uma solução, ou ao menos ao esclarecimento dessas posições possíveis. Em contraposição à concepção cartesiana que caracteriza a ciência por um método bem definido. Ora se esta última concepção se embaraça uma vez que o próprio paradigma esteja em questão, já a anterior permite lidar "cientificamente" também com estes problemas radicais.
A saber, em qualquer controvérsia os interlocutores respeitarão o princípio da não-contradição, mas já por exemplo o uso de uma lógica indutiva ou de uma lógica dedutiva terá que ser estabelecido conforme o contexto.
Tal como em posts anteriores, este é um tema ao qual teremos que voltar aqui. Entretanto deixo a questão sobre as estruturas (digamos, de 2ª ordem) no seio das quais, e por recurso às quais, aqueles interlocutores poderão eventualmente estabelecer as estruturas (de 1ª ordem) segundo as quais a comunidade científica deverá assentir qualquer solução proposta - ex. para o contexto x, a lógica dedutiva. Creio que a etiqueta (cortesia) será uma daquelas estruturas de 2ª ordem; mas será suficiente?...

domingo, 26 de julho de 2009

"L'abîme ou la métamorphose?"

A 11 de Dezembro de 2008 Edgar Morin deu uma conferência em Auxerre sobre a actual condição e perspectivas para o Ocidente, com o título acima citado [cf. post Emergentismo: unicidade ou complementaridade?].
Nela, considerou que a mundialização (ou globalização), tendo começado na Antiguidade por exemplo com a rota da seda, desenvolveu-se propriamente com os Descobrimentos marítimos a partir do séc. XV, para se afirmar com a implosão do mundo soviético, invenção da internet, etc., na última década do séc. XX [cf. post Prólogo e Agradecimentos de "O Nó do Problema Ocid...]. E é um processo complexo que combina destruição e criação - contrapondo a esperança do "fim da história" (Fukuyama) num estabelecimento definitivo da democracia, etc., ao receio do "choque entre civilizações" (Huntington).
Em seguida, considerou que a série de crises económicas desde 1987 significa que a economia-mundo - resultante da mundialização económica, tecnológica, de transportes e comunicações - requer um "governo mundial" que se não limite a gerir crises. Antes a crise ecológica, a urbanização massiva, etc. exigem uma metamorfose desta sociedade-mundo em ordem a um seu governo que lhe faculte sustentabilidade.
"Cette métamorphose est peu probable" (S.C., 201: 32) - os diletantes saboreiam cada letra de frases como esta... mas a um pai de 2 filhas o seu sabor torna-se amargo.
Todavia também é um facto que, se muitas civilizações têm sucumbido perante problemas a que não conseguiram dar resposta (depois de se terem sempre julgado eternas!...), algumas, em alguns desses momentos, souberam escapar ao abismo mediante metamorfoses civilizacionais que as tornaram capazes de tais respostas.
Morin não avançou qualquer pista da metamorfose que julga necessária ao Ocidente actual. Mas apontou que "la régénération des sociétés est souvent venue de minorités, voire d'individus déviants qui, comme des cellulles souches, sont capables de régénérer tout un organisme" (ibid.). (Foi por concordar com ele que reclamei uma iconolastia relativa ao actual Presidente norte-americano no post Sinais do Império).
Foi uma dessas pistas que avancei no penúltimo capítulo do ensaio O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências.

Emergentismo: unicidade ou complementaridade?

Como introduzi no post Prólogo e Agradecimentos de "O Nó do Problema Ocid..., no ensaio com esse nome apontei (na esteira de diversos autores) uma cisão paradigmática entre a ciência clássica - que procede por análise dos fenómenos, e redução de cada aspecto a elementos básicos e regras de respectiva associação - e as ciências da complexidade - que tentam uma explicação holística dos processos de emergência não-linear, i.e. da emergência de fenómenos não implicados pelos seus antecedentes. Mas nesse Prólogo também salientei que, para reforçar a possibilidade de crítica ao ensaio, não o iria actualizar. Precisamente um dos pontos que em Dezembro de 2008 teria corrigido o texto de 2004-2006 seria o da relação entre esses 2 paradigmas científicos. São mutuamente exclusivos, assumindo-se cada um como único - como terá ficado sugerido, ainda que não explicitamente afirmado, nesse ensaio - ou serão complementares, proporcionando-se cada um a determinadas situações ou fenómenos?
O Director da Sciences Humaines, Jean-François Dortier, no Nº 201 dessa revista em Fevereiro de 2009 (pp. 30-33), presta uma homenagem a Edgar Morin - um dos mais conhecidos promotores do paradigma emergentista ou da complexidade - tanto confessando as suas, de Dortier, reticências em Agosto/Setembro de 2008 sobre o tema proposto por Morin para a conferência deste último em Dezembro seguinte em Auxerre sobre a civilização ocidental - "O abismo ou a metamorfose" [v. post "L'abîme ou la métamorphose?"] - por julgá-lo demasiado catastrofista, quanto reconhecendo o acerto dessa pista perante os acontecimentos financeiro-económicos que se começaram a suceder precisamente a partir desses 2 meses. A divergência de Dortier face à teoria da complexidade tinha tido porém razões epistemologicamente ponderosas:
"Le monde est complexe, certes. L'individu est complexe, le cerveau est complexe, la société est complexe, la réalité est complexe, etc. La complexité s'appliquait à tout, de l'univers à l'humain, mais n'expliquait rien de précis et ne débouchait sur aucune découverte d'importance. (... l'idée de complexité...) semblait même broiller les cartes et rajouter de la confusion plutôt qu'apporter de la clarté au monde qu'elle prétandait expliquer" (p. 30).
A isso porém respondeu-lhe Edgar Morin:
"Une réalité simple appelle une pensée simple. Et la complexité des phénomènes appelle une pensée complexe. Certes de grandes découvertes des sciences reposent sur le postulat de l'unité et de la simplicité. Mais pour comprendre les phénomènes écologiques, biologiques, les dynamiques de l'histoire, on ne peut espérer trouver des lois simples. La complexité est l'unité du simple et du complexe. (...) Mon apport n'était pas de remarquer la complexité partout, c'était surtout de dire que la complexité est un défi à la connaissance. C'est ce défi que j'ai voulu relever en élaborant quelques instruments conceptuels à travers le cheminement de La Méthode" (pp. 30, 31).
A ideia chave, penso, é a definição de complexidade: La complexité est l'unité du simple et du complexe. Temos portanto uma "complexidade" de 1ª ordem, que se contrapõe à simplicidade (reducionista), e uma "complexidade" de 2ª ordem que as compreende a ambas. O problema epistemológico deixa pois de ser o da opção entre um e o outro paradigma, e passa a ser o do critério de elucidação, a jogar na 2ª ordem, das situações ou fenómenos de 1ª ordem que apelarão a um ou ao outro paradigma.
Um blogue não é local apropriado para argumentações de tamanha densidade teórica, mas seguramente voltaremos aqui a este tema para lhe sugerir pistas. E a 1ª que deixo é a seguinte:
Em 2005 coordenei uma pequena investigação prática escolar sobre o desenvolvimento económico açoriano, tendo escrito a parte teórica, na qual justificava o uso de instrumentos conceptuais institucionalistas, em detrimento dos clássicos ou até neo-keynesianos, pela maior adequação daqueles a processos de longa duração. Ou seja, aqueles dos quais o tempo é uma variável maior [cf. post Não todos, mas vários caminhos levam a Roma]. Em troca, neste último ano escrevi um artigo sobre uma questão técnica pedagógica, para a qual optei por um instrumento reducionista. A diferença é que, na pontualidade ou particularidade dessa questão, o tempo é desconsiderável. Deixo assim aqui a hipótese da relevância vs. irrelevância desta última dimensão se constituir como o critério de resposta ao problema que resulta da obra de Egar Morin.

Entretanto acrescento o link para uma trad. port. de La Méthode, vol. 1, num e-book da Europa América:
http://www.scribd.com/doc/13760655/EDGAR-MORIN-O-METODO-I-

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Crise económico-financeira, transhumanismo... e a diferença entre "felicidade" e "prazeres"

No último ou penúltimo almoço com a Maria João Cavaco e o João Paulo Constância (prazeres (se não mais que isso) que só pecam pela irregularidade!) falámos da diferença, hoje tendencialmente ignorada, entre felicidade e prazer. O segundo termo designa alguma satisfação imediata e pontual. Já o anterior pode ser usado apenas para uma sucessão de prazeres. Mas assim falta um termo para designar antes a emoção própria a uma vida com sentido, que por isso valha a pena estar sendo desenvolvida a despeito dos diversos custos - desprazeres! - que também a constituem; "felicidade" era usado para designar esta outra emoção. Vem esta recordação a propósito de 2 recensões que li há dias:

Uma, de Crise et Rénovation de la Finance (Paris: Odile Jacob, 2009) do conhecido economista Michel Aglietta juntamente com Sandra Rigot; a outra, de Demain les Posthumains (Paris: Hachette, 2009) de Jean-Michel Besnier. A 1ª obra aponta como núcleo da renovação da finança contemporânea a substituição de uma lógica de investimento de curto prazo (na expectativa dos maiores dividendos por menor que seja a sustentabilidade económica, e sem atenção a consequências sociais e ecológicas, etc.) por uma lógica de longo prazo, no respeito pela sustentabilidade. Na 2ª obra, por sua vez, quaisquer projectos de fusão homem-máquina, de ligação do cérebro à internet, de digitalização das recordações de cada pessoa de modo que a memória destas (não sobre estas) perdure para além da morte física,... na medida em que dissolvam a responsabilidade pessoal e intransmissível são acusadas de constituirem uma "fatigue d'être soi". Nomeadamente, representarão o fim do ideal de cultura, a saber, o da auto-ultrapassagem do homem... de modo que nos resta procurar obter tantos e tão intensos prazeres quantos possível. Uma procura que, sem alvo orientador a cumprir, se quedará pelos investimentos (financeiros entre outros) de curto prazo.
Se do demain de J.-M. Besnier nos falta a técnica (para tais ligações à internet, etc.), os resultados económico-financeiros desde 2008 para cá parecem implicar uma redução de "felicidade" a "soma de prazeres" (por parte dos responsáveis por tais resultados, a começar por quem os fez, mas continuando com quem lhos permitiu, mais todos quantos têm votado nestes políticos em detrimento dos logo rotulados velhos do restelo...), redução que, representando a dissolução de qualquer meta humana a cumprir, indiciará uma já nossa posthumanité.

Deixo este post mais como conjunto de sugestões do que já como discurso articulado. Mas pode encontrar um destes últimos, nesta área temática, já aqui ao lado no blog de M. Berman, nomeadamente no post:

http://morrisberman.blogspot.com/2009/04/how-chic-was-my-progress.html#links

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Crise civilizacional... e desenvolvimento técnico?!

Apenas 1 nota de apoio ao post Objecção à subordinação da técnica... e pista de c...:

A evolução técnica do último meio século tem sido formidável (designadamente na informática, robótica industrial, telecomunicações), e anuncia-se continuar com as promessas biotecnológicas, nanotecnológicas, etc., de modo que parece difícil falar de uma crise civilizacional global precisamente na civilização, o Ocidente, que tem promovido essa evolução. No ensaio que estrutura este blog limitei-me a postular uma dependência, a longo prazo, da técnica em relação à ciência (dependência lógica, pois processualmente, ou sobre a ciência tal como esta se faz, acontece ser ela estimulada pela técnica), para depois apontar uma crise paradigmática na ciência fundamental contemporânea.
Contra esse postulado, parece vir o parágrafo "The rise of science from technology" de James K. Feibleman em Technology and Reality (The Hague, Boston, London: Martinus Nijhoff, 1982: 8-9). Contrabalançando tal subtítulo, porém, logo nas 2 primeiras linhas o autor reconhece a ciência pelo método hipotético-dedutivo - de forma que o conhecimento não se erige de baixo para cima (bottom-up) a partir de quaisquer átomos - como pretende o projecto tecnocientífico mencionado naquele post anterior - antes evolui em espiral, duma hipótese teórica para baixo na confirmação dela, e daqui eventualmente para cima e para a frente induzindo alguma evolução das hipóteses. E estas são formuladas intelectualmente, não decorrem directa e neutralmente das sensações. Uma crise científica asfixiará assim, a longo prazo, o desenvolvimento técnico.
Nessa obra já algo antiga, a ciência é então dita emergir da técnica, por um lado, pela sua dependência actual de instrumentos técnicos complexos, por outro lado, num seu estatuto pragmático de actividade de resolução de problemas (tal como a técnica). Este segundo ponto, porém, apenas constitui uma assunção pelo autor da concepção pragmática de "conhecimento" [sobre o significado deste último nome posso sugerir a minha notasinha em http://www.webartigos.com/articles/13591/1/o-que-e-conhecer/pagina1.html], não reduz os problemas teóricos a práticos ou técnicos. Quanto ao uso de gigantescos aceleradores de partículas, etc., etc., esse uso, logo na concepção de tais instrumentos, é pré-orientado pelas hipóteses. Quando passam a ser estas a serem escolhidas conforme o custo daqueles - como acusa hoje Isabelle Stengers na nota 7 de O Nó do Problema Ocidental - prepara-se uma decadência científica. "rise", na frase acima é para escrever sempre em minúsculas.

Sobre o conhecimento (logos) da técnica, ou "tecno-logia", deixo aqui o link para um texto (entre outros) no Site Internet de l'UTBM - veja-se como esse conhecimento não dispensa hoje as dimensões social,...

http://www.utbm.fr/upload/gestionFichiers/Quelle-technologie_Lequin-Lamard_2037.pdf

terça-feira, 21 de julho de 2009

1 Ocidente?...

É lugar comum dizer-se que o Ocidente resulta da articulação de, principalmente, dois vectores, o judaico-cristão e o greco-latino. Isto porém coloca um problema - que já não é tão comum referir: se há duas origens paralelas, então haverá uma articulação na base (na perspectiva) de uma delas, outra articulação na base da outra origem, e porventura outra ainda na base de ambas em paralelo; logo, efectivamente, ocorrem pelo menos dois, e não um "Ocidente"! (E voltamos aos mundos paralelos já mencionados no post Objecção à subordinação da técnica... e pista de c...).
Esta foi uma das razões porque fui tão cauteloso, e pouco ambicioso, no cap. 2 de O Nó do Problema Ocidental - quando assumi apenas pretender esboçar uns traços mínimos de uma identidade ocidental que me permitissem prosseguir esse primeiro diagnóstico da nossa civilização. No primeiro artigo incluído na nota 6, porém, a propósito do Tratado de Lisboa avancei a identificação da Europa (no caso valendo para o Ocidente) por Thomas Mann, sob o primado da liberdade e do espírito crítico, em paralelo à identificação por Miguel de Unamuno, sob o primado da afectividade e sua retórica, uma e outra identificações não se confundindo com a do ensaísta inglês Hilaire Belloc, que advogava o regresso da política aos objectivos espirituais anteriores ao séc. XIV. Quantos "Ocidentes" haverá afinal?...
E de que forma devemos responder a esta pergunta?! Nem é límpido que a forma verbal seja a melhor. Perante obras como a de Gaudí, aliás, é difícil pensar que o seja! Fiquemos então com o seguinte slide show - estou em crer que Belloc o apreciaria...

Ética para Náufragos

Esse é o título dum livro de José Antonio Marina (trad. F. Moutinho, Lisboa: Caminho, 1997). Por causa dele aqui mantenho a ligação ao blog deste filósofo espanhol, apesar de interrompido em Dezembro do ano passado. Foi José Henrique Silveira de Brito que me falou dele, numa conversa de corredor, ou de gabinete. Foram poucas as conversas dessas que tive com professores, mas lembro-me de qualquer coisa creio que da maioria. Em troca, nem me lembrarei de 1% das aulas. (Pergunto-me por quais seriam os resultados duma Escola cujas salas ficassem longe e fossem insuficientes para todos os alunos e professores durante todo o dia, de modo que uns e outros se fossem encontrando amiúde pelos pátios, jardins, cafés, gabinetes e corredores...). Voltarei neste blog a esse livro - apesar de não estar assim a cumprir o objectivo de me actualizar de 2006 para cá. Mas nesta sua primeira visita limitar-me-ei a citar uma sua passagem da qual gostei particularmente (talvez em algum comentário a este post eu deva explicar porquê):

"Leitora: (...) Crê você que nós, as mulheres, temos direitos humanos?
Autor: A pergunta parece-me prematura, mas vou responder-lhe ciente de que vai interpretar-me mal. As mulheres têm os mesmos direitos que os homens: ou seja, nenhum. De que se ri?" (Op.cit.: 35, 36).

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sim, "problema"!

Um post na passada 4ª feira no blog Civilitas - link: International Society for the Comparative Study of Civilizations - começa com a seguinte passagem (significativa para a questão da oportunidade de se falar de um "problema ocidental"):

The 2009 State of the Future Report -- a Millenium Project co-production of UNESCO, the World Bank, the US army and the Rockefeller Foundation -- has been released, and it contains a grim warning: that "billions of people will be condemned to poverty and much of civilization will collapse". According to the Independent,
"Although the future has been looking better for most of the world over the past 20 years, the global recession has lowered the State of the Future Index for the next 10 years. Half the world could face violence and unrest due to severe unemployment combined with scarce water, food and energy supplies and the cumulative effects of climate change.And the authors of the report...set out a number of emerging environmental security issues. 'The scope and scale of the future effects of climate change – ranging from changes in weather patterns to loss of livelihoods and disappearing states – has unprecedented implications for political and social stability.'"

Uma armadilha kantiana

Li recentemente alguns capítulos de Colin McGinn, Problems in Philosophy - The Limits of Inquiry (Oxford: Blackwell, 1993), particularmente significativos para o requisito de critérios de validação no 2º momento do programa de resolução civilizacional que esbocei na p. 91 do ensaio que baliza este blog (o 1º momento - onde esse ensaio se coloca - é o do reconhecimento da condição ocidental, e hipótese de diagnóstico). Em síntese, perante as falhas que encontra nas 4 abordagens comuns da filosofia aos respectivos problemas, o autor apresenta a hipótese de que estes não se reportem propriamente às respectivas referências (consciência, vontade livre, conhecimento a priori...), mas tão somente derivem duma nossa incapacidade de conceber tais entidades e processos, pese embora eles ocorram. O que nos tornará inaptos para implementarmos uma programa de resolução radical como o que proponho para a nossa ocidentalidade.
A ressonância kantiana ressalta logo do nome escolhido para essa hipótese: transcendental naturalism. No entanto, a ideia com que fiquei da Crítica da Razão Pura (do filósofo alemão I. Kant, não li a parte da "Dialéctica") é que o seu argumento supõe a chamada "apercepção transcendental" (§16), pela qual o sujeito se capta a si mesmo. Sem isso não se pode (legitimamente!) falar de um "nós" que tenhamos ou não capacidade de conceber o que quer que seja. Terei que reler o capítulo 6 daquele livro de McGinn, mas até lá fico com a suspeita de que aplicar o naturalismo transcendental também ao conhecimento a priori, responsável possível por essa apercepção, será levar essa hipótese a dar um tiro nos 2 pés!

Não todos, mas vários caminhos levam a Roma

Dani Rodrik, em One Economics, Many Recipes. Globalization, Institutions, and Economic Growth (Princeton: Princeton University Press, 2007), reconheceu a possibilidade de diversas instituições político-económicas implementarem os "princípios económicos de primeira ordem": protecção de alguma forma de propriedade, respeito pelos contratos, concorrência pelo mercado, moeda estável, dívida suportável. O "consenso de Washington" foi assim um postulado liberal clássico, que de tão repetido se tornou dogma. Mas que estala perante o contra-caso dos resultados económicos da China, Índia... - que pouco desregulamentarizaram, etc. - face à instabilidade latino-americana - países que o cumpriram. E o autor conclui com a importância do contexto, onde se inclui a tradição cultural, na escolha das instituições que deverão implementar aqueles princípios.
Em O Nó do Problema Ocidental contrapus a ortodoxia clássica que defende o equilíbrio (entre procura e oferta) endógeno (a "mão invisível") dos mercados e algumas heterodoxias (ex. a marxista) que procuram estruturas gerais para uma intervenção política que os equilibre exogenamente (4.1.1), de um lado, a uma teoria como a institucionalista que sustentará antes uma evolução de mercados e estruturas teórico-práticas que nunca serão assim gerais (4.1.2), do outro lado. Rodrik virá pois pesar neste segundo prato da balança teórica.
Uma coisa porém é apontar contra-casos a uma teoria, outra coisa é formular uma alternativa funcional. E como escrevi no fim desse último parágrafo citando Jacques Sapir, para qualquer teoria construtivista, ou que de algum modo formule uma evolução sem estrutura subjacente fixa, "o tempo é a questão". Uma questão que permanece árdua desde Aristóteles e S. Agostinho.

sábado, 18 de julho de 2009

Objecção à subordinação da técnica... e pista de contra-objecção

O video em baixo é uma apresentação por Bernadette Bensaude-Vincent do seu recente livro Les Vertiges de la Technoscience - Façonner le monde atome par atome (Paris: La Découverte, 2009). Esse projecto tecnocientífico apresenta uma objecção ao meu argumento, no cap. 4 de O Nó do Problema Ocidental, pela não unicidade do(s) mundo(s) que resulta(m) dos diversos projectos de investigação tecnocientífica - isto é, opções de base diferentes levam estes últimos ao que os metafísicos contemporâneos chamam "mundos paralelos". Pois (esta é a objecção) a partir de átomos, na base da escala nanométrica, afinal será possível convergir num único mundo - e progressivamente melhor!

Mas a este projecto tecnocientífico contemporâneo me parece logo se contrapor a diversidade actual das concepções dos ditos "átomos" - apontei isto nas pp. 57 e 58 desse ensaio escrito entre 2004 e 2006; posterior à bibliografia ali referida, veja-se a muito sugestiva explicação de José R. Croca e Rui N. Moreira em Diálogos Sobre Física Quântica - Dos Paradoxos à Não-Linearidade (Lisboa: Esfera do Caos, 2007). Além disto, Bensaude-Vincent aponta o reconhecimento dos valores éticos na pré-orientação dessas pesquisas. Ao projecto de convergência tecnocientífica restará pois dissolver a diversidade ética e meta-ética, que apontei nas notas 19 e 24 do ensaio... ou dissolver-se ele próprio (projecto).