quarta-feira, 29 de julho de 2009

Na base estão as ideias - o caso Anaximandro

Recebi a notícia da publicação no mês passado de uma obra de história das ciências que dá mais um exemplo de reforço à radicação das actividades regulares (políticas, económicas...) num nível cultural original (contra materialismos como o marxista, que defendem a ordem inversa), no qual se poderá (deverá!) originar a metamorfose de que fala Edgar Morin - v. "L'abîme ou la métamorphose?" (e sustentar a prazo o desenvolvimento técnico: cf. Crise civilizacional... e desenvolvimento técnico?...).
Refiro-me ao livro do conhecido físico quântico (v. interpretação relacional) Carlo Rovelli, Anaximandre de Milet ou la Naissance de la Pensée Scientifique, Paris: Dunod, 2009, 192 pp., 18€.
O autor destaca esse filósofo do séc. VI a.C. por ter sustentado que a Terra não jaze sobre algum apoio, antes se encontra num espaço aberto. A astronomia chinesa, por exemplo, ao longo dos seus 20 séculos nunca conseguiu dar esse salto. E a dificuldade, como diz Rovelli, é que tal tese nos é contra-intuitiva: tudo o que vemos cai (para baixo!). Pressupôr que não há que explicar os fenómenos na esteira das respectivas percepções, mas sim como mais coerente e funcionalmente possamos desenvolver estas últimas, para depois - em cosmologia - colocar a hipótese de que em geral não há "baixo" e "cima", que estas são noções relativas, são 2 passos conceptuais que não decorrem da percepção, antes, e inversamente, enquadram esta última. Esta revolução de Anaximandro é assim comparada à de Copérnico, bem como depois às relatividades galilaica e restrita (Einstein).
Outra ideia daquele filósofo pré-Socrático foi a da profundidade celeste (os corpos celestes não se encontrariam incrustados em alguma cúpula sobre a Terra). Não sei se esta abertura espacial comportava a ideia de infinito, até porque Anaximandro foi também o primeiro pensador que, perante a questão da origem do cosmos, respondeu com um conceito abstracto (e não com susbtâncias como o ar, etc.): o infinito ou indeterminado. Em todo o caso essa foi uma pista que não vingou no universo cultural grego que valorizava a medida, o limite... e assim caiu (essa cultura) na crise da matemática grega perante os números irracionais (cf. teorema de Pitágoras e as raízes irracionais), da qual esta disciplina só saiu nas civilizações islâmica e ocidental, marcadas pela valorização do infinito (como característica divina).
Em suma, os instrumentos conceptuais (ex. matemáticos) que usamos quotidianamente são enquadrados cultural ou conceptualmente - como seria mais simples a vida se assim não fosse! (por exemplo, suponho que parecida à do meu cão ali fora). Ao ponto de, se o desenvolvimento daquele uso entrar em conflito com estes enquadramentos, tal uso poder ser abandonado, deixando por resolver os problemas que enfrentava, enquanto se não revolucionam os conceitos enquadrantes.

1 comentário:

  1. Blogue muito interessante .

    Obrigado pelo destaque dado ao meu blogue - clube dos pensadores.

    JJ

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