terça-feira, 28 de julho de 2009

Portugal - uma cultura de fronteira

"Variadíssimas razões existem para que a realidade islâmica não devesse escapar ao interesse de quem pretenda fazer uma abordagem humanística do mundo contemporâneo. O ecumenismo hoje, apesar de todos os dramas que ainda afligem o homem, vai-se lentamente afirmando nas consciências como expressão de um pressentido denominador comum de todas as religiões. Tal ecumenismo deve ir mais longe, e tender a expressar-se através da fraternidade entre os seres e as nações. Só o reforço dessa solidariedade essencial, em todos os aspectos e momentos da vida quotidiana, poderá libertar o homem dos perigos que o ameaçam: o pesadelo da guerra, o espectro da fome endémica em tantas regiões do globo, perante a nossa indiferença, e a destruição da natureza. Ora o ecumenismo, se assumido com os olhos do coração e do intelecto, deverá impelir-nos fatalmente ao conhecimento do outro, entendido este como pessoa, religião, cultura ou civilização. Isto pela simples razão de que, utilizando o sentido bíblico, conhecer é amar. Hostilizamos e tememos, na verdade, apenas aquilo que, de todo, desconhecemos. Eis porque o homem de hoje, qualquer que seja a sua nacionalidade, filosofia ou religião, terá do mundo uma visão fragmentária e incompleta se não conhecer, ao menos sumariamente, as grandes linhas de força do mundo islâmico: o Alcorão é, para dezenas de países e milhões de seres, código espiritual e ético e base fundadora das respectivas sociedades."

Com estas palavras abre Adalberto Alves o seu livro Portugal - Ecos de um Passado Árabe, Biblioteca Digital Camões, 1999, http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/cat_view/57-historia.html?start=10. E por 2 razões tenho um especial interesse em as citar aqui: por um lado, para reforçar a ideia de que no parág. 2.1.a de O Nó do Problema Ocidental não pretendi estigmatizar os muçulmanos (v. Prólogo e Agradecimentos de "O Nó do Problema Ocid...); por outro lado e principalmente (pois o cuidado anterior foi logo expresso), para introduzir a questão da ocidentalidade portuguesa - incontornável num blogue, escrito em português, sobre a civilização ocidental no suposto de que os falantes dessa língua participarão desta última - ainda que diferentemente na Europa, América do Sul, África, Índia ou Oceânia.
O último estudo do livro - "O legado cultural árabe em Portugal " (pp. 52-57) - elenca heranças pontuais na música, literatura, Direito, alimentação, etc. Mas para a intenção radical deste blogue mais interessante me parece a asserção, feita no capítulo "Al-Mu'tamid e o destino": "a única realidade do existente é a de não ter qualquer realidade específica" (p. 12).
Desta posição metafísica decorre, como disse (aproximadamente) António Variações, que se está sempre onde se não está... Que as metas de quaisquer projectos estão para além dos resultados deles, donde os primeiros restam inacabados porque desde o princípio não eram esses resultados o que se visava... Ou como põe Adalberto Alves, em alternativa ao dito hamletiano "ser... ou não ser", há que "ser... e não ser".
Creio que este autor se precipita quando invoca a física quântica, ou a lógica contemporânea em defesa desta última fórmula. Afinal se esses físicos, na interpretação ortodoxa de Copenhaga, consideram que a entidade quântica se move como onda, todavia chega a qualquer alvo como partículas, e é assim que se relaciona a esta outra entidade (o alvo). Também a oportunidade do dualismo verdade-falso não foi dissolvida na lógica de 1ª ordem, que respeita o princípio de bivalência. Apenas se discute uma outra oportunidade para lógicas que, em algumas situações, não devam respeitar este princípio. A generalização daquela metafísica continua, creio, a ser julgada abusiva pela ciência contemporânea. Mas culturalmente o que aqui mais me interessa é a adequação dessa asserção aos comportamentos comuns dos participantes da cultura portuguesa, e precisamente em contraposição a esse princípio lógico, ao dito de Hamlet, etc.
Somos ou não, nas nossas relações sociais, nos nossos trabalhos,... aqueles que se concebem como sendo e não sendo? Até que ponto, pois, somos ocidentais, ou árabes e islâmicos? - Mas esta formulação, sendo dualista, diria talvez A. Alves que é eminentemente aristotélica, cartesiana... a recusar na óptica de Al-Mu'tamid que pretenderia antes que fôssemos um e o outro!
É logo nessa questão da formulação anterior que se joga a nossa identidade. Mas entretanto pergunto-me: fará sentido eu (português) lançar este blogue, escrito nesta língua?...

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