Termino esta trilogia de posts sobre um sentido para a vida com uma referência que ando para aqui trazer creio que desde Da escolha ética. Do sentido da vida .
Com efeito, no 1º destes 3 posts ficou a questão do sentido das nossas vidas (nomeadamente para ser cumprido em mais este ano) será ou o da mera replicação do código genético que herdámos - i.e. cada pessoa é um instrumento do ADN que a constitui para que ela exerça o comportamento de reprodução desse código - ou o de cumprir o que for apropriado a níveis que se desenvolvam a partir dessa matéria prima molecular, como o da consciência e o social. Essa foi uma abordagem indirecta - via concepção da vida em geral, a nossa ou a dos plátanos... - à questão do sentido. No 2º post referi a abordagem directa ao modo como vivemos esta questão tal como esse modo é expresso na linguagem. No espectro desde a tese de que não podemos experimentar qualquer sentido até à de que experimentamos um que ultrapassa quaisquer inclinações subjectivas, destaquei 2 filósofos neste último extremo, sugerindo que a vida humana tem sentido quando é dedicada, com trabalho, a projectos de um valor além do interesse privado do indivíduo. Neste 3º post quero deixar uma sugestão de aplicação dessa questão não só à vida íntima de cada um de nós, mas também à dimensão colectiva ou política:
"Crise du sens, crise du lien social, crise de l'emploi: trois symptômes d'un mal unique" - título do cap. 7 de Jean-Baptiste de Foucauld e Denis Piveteau, Une Société en Quête de Sens, Paris: Odile Jacob, 2000. Ou como os autores introduzem o cap. anterior, "La crise de l'emploi ne prend sa vraie dimension que rapportée à la fragilité croissante des liens sociaux. Mais celle-ci ne se comprend, à son tour, que si on la relie à une autre crise, celle d'une société qui ne parvient plus à se donner des objectifs individuels et collectifs mobilisateurs. Ce que nous appellerons la crise du sens" (p. 105).
A ideia é que, com a pós-modernidade, os grandes sistemas proponentes de sentido - religião, etc. - perderam peso, restando a cada pessoa construir o sentido da sua vida, quando muito utilizando propostas pontuais que recolhe no que lhe chega daqueles sistemas. Desafio a que se acresce o de conciliar esses sentidos individuais com uma actividade económica colectiva que faculte o progresso sócio-económico. Diga-se de passagem que parte do incómodo de Neil Levy (no post anterior) com a opção da autodespromoção que troca o trabalho tout court pela convivência familiar, etc., releva deste 2º desafio - se há trabalho alienante, e que é necessário à sobrevivência da maioria de nós, é porém ainda no trabalho que em alguma medida poderemos desenvolver no tempo de lazer que construiremos um sentido para as nossas vidas; e dificilmente nesse trabalho não haverá alguma dimensão pública ou colectiva.
Para ilustrar a relação entre sentido de vida e emprego acrescento um exemplo dado por aqueles sociólogos: os empregos de proximidade, ou dos serviços de atendimento. Queremos ser atendidos nestes serviços por pessoas ou por máquinas, gravações de voz, etc.? Frequentemente preferimos as pessoas, e não só para agilizar a comunicação mas também para quebrar a solidão individual nas grandes metrópoles. Bom, mas neste caso como é que se paga o maior custo do serviço pessoalizado? Isto é, em que é que vai faltar o capital acumulado que, assim, se dedicará à formação e salários desses trabalhadores?... Se o sentido que a maioria de nós conferirmos às nossas vidas nos encerrar nas nossas individualidades, preferiremos a economia de custos que nos libertará recursos nossos para outras funções (férias, etc.)... Enfim, enquanto não nos calhar a nós a fava do desemprego ou do subemprego! Mas então, na sequência daquele sentido, muito pouco apoio poderemos esperar dos outros. Este sentido ameaça assim virar-se contra a sua própria sustentabilidade.
Paradoxo semelhante é por exemplo o que atravessa os posts que aqui dediquei à "Hopenhagen". Bastante trabalho nos espera, pois, nesta questão do sentido, no ano que agora iniciamos!
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O problema é que a fava sai sempre entre os mesmos e enquanto assim é, a busca dosentido das nossas escolhas éticas para o sentido da vida vão sempre ser condicionadas pelo brinde que queremos.
ResponderEliminarContinuando a analogia do bolo-rei, só mudamos o sentido das nossas escolhas éticas quando o bolo-rei tiver 10 favas e um só brinde. Aí, o risco de nos sair a fava é maior, então deixamos de pensar no brinde que nos vai sair mas em como escolher a fatia que não tem fava.
Aos mesmos... e cada vez a mais!
ResponderEliminar