quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Cérebro (e mente): da quantidade à qualidade!...

Estamos ambos, eu e o leitor (cada um no seu tempo e sítio), a ver um monitor. Isto é, vivemos a percepção deste rectângulo, iluminado, com cores diferentes e riscos que nos lembramos constituírem signos (letras), etc. Todavia a pista que a biologia seguiu para explicar essa vivência tem sido a de a reduzir a elementos do cérebro - os neurónios - e aos processos  - electroquímicos - que se verificam nas suas ligações - as sinapses. Ou seja, tenta-se explicar a vivência destas nossas percepções mediante uma correspondência de cada 1 dos seus momentos - a visão destes riscos pretos agora aqui, a memória da sua função significante... - a um processo electroquímico num conjunto daquelas células nervosas.
Neste contexto poderá parecer definitivo o projecto de replicação total das funções cerebrais, obtendo assim um modelo de todos os processos a que as nossas vivências corresponderão - v. http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=34707&op=all#cont. Se bem percebo a notícia, porém, o próprio Henry Markram terá assinalado que "o grande desafio será compreender como é que padrões eléctrico, magnético ou químicos convertem a nossa percepção da realidade". Ou seja, como escrevi em O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, é "necessário explicar o modo como os processos electroquímicos são experimentados qualitativamente – ex. como se passa de uma certa quantidade eléctrica ao sabor de um morango" (p. 56).
E esta explicação penso que remeterá para a questão de fundo: a relação entre o órgão físico, o cérebro, empiricamente tratável, e o postulado órgão lógico das nossas vivências qualitativas, a mente, ou como antes se dizia, o espírito. Isto é, que correspondência é essa que se estabelece entre cérebro e mente? Que há alguma, isso é reconhecido desde que se constatou a consequência mental de certas lesões cerebrais - ex. a destruição duma certa zona do cérebro torna as vítimas capazes de interpretar o que lhes dizem mas incapazes de articularem os sons duma resposta. Isto não significa porém que a correspondência seja bionívoca - que a cada vivência (visão destes riscos, etc.) corresponda um e só um processo electroquímico (num e só nesse conjunto de neurónios). Com efeito, por um lado os sabores resultantes de 2 dentadas consecutivas num mesmo morango - praticamente idênticos - eventualmente serão cerebralmente desenvolvidos em zonas diferentes; por outro lado, eventualmente 2 processos consecutivos quantitativamente idênticos, nas mesmas sinapses, darão azo a vivências mentais diferentes. Parecendo muitíssimo pouco provável a inexistência duma correspondência cérebro-mente, abrem-se assim 3 hipóteses: a correspondência i) é bionívoca, ii) orienta-se do cérebro para a mente (mas não o contrário), iii) orienta-se da mente para o cérebro (mas não o contrário). E depois para que isto seja praticamente relevante (v. a referida notícia na CiênciaHoje) não basta determinar o sentido da correspondência, é preciso traçar o modo como esta ocorrerá.
Muito faltará pois para além duma eventual mera replicação das funções cerebrais.

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