quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ciência - justificação... e beleza!

No post http://dererummundi.blogspot.com/2009/09/budistas-e-filosofias-avant-gard.html, do blogue De Rerum Natura, Helena Damião dá conta da conferência de Alexandre Quintanilha na qual este cientista apontou como valores orientadores (e constitutivos) da ciência i) a exactidão preditiva, ii) a coerência interna da teoria proposta, iii) a consistência desta última com os princípios que estruturam o horizonte em que ela se integra, iv) a sua capacidade de esclarecer simultaneamente dados distintos, e v) a sua fecundidade na abertura de novos domínios de pensamento. Valores aos quais adiciona vi) o da beleza da teoria.
Reconhecendo a problematicidade epistemológica deste último valor, Damião refere uma diferença na atitude de investigadores ocidentais e do Extremo Oriente. Penso que a seguinte passagem do Nobel de física Steven Weinberg avança uma sugestiva proposta de compreensão do que possa ser isso de "beleza teórica":

"It may seem wacky that a physicist looking at a theory says, 'That's a beautiful theory,' and therefore takes it seriously as a possible theory of nature. (...). The kind of beauty we look for is a kind of rigidity, a sense that the theory is the way it is because if you change anything in it, it would make no sense.
(...) You don't want a theory that accounts for any conceivable set of data; you want a theory that predicts that the data must be just so, because then you will have explained why the world is the way it is. That's a kind of beauty that you also see in works of art, perhaps in a sonata of Chopin, for example. You have the sense that a note has been struck wrong even if you've never heard the piece before." (in: http://www.pbs.org/wgbh/nova/elegant/view-weinberg.html).

Ou seja, enquanto a coerência interna é estritamente negativa - recusa que um elemento teórico contradiga outro - a beleza será positiva - decorre do contributo, ou indução de cada elemento em relação aos demais (nenhum dos quais é apenas postulado por exigência empírica), a que se acrescentará ainda a completude: a rede assim tecida apresentar-se-á como suficiente, acabada, na explicação do respectivo campo de referências. Por exemplo, uma fórmula matemática cujos valores sejam fixados pela experiência, e não deduzidos da teoria que gera tal fórmula, não será bela, por mais funcional que se revele.
O juízo estético, porém, além da emocionalidade subjectiva, é culturalmente condicionado - ex. a "beleza" clássica, ordenada, é distinta da "beleza" contemporânea, que integra desarmonias. Mais, o próprio sentido da produção de beleza, desde pelos vistos a ciência à arte em geral (e aquela, ao versar o belo, participa desta!), é culturalmente contingente: Veja-se como, no lugar da definição perfeita, da proporcionalidade clássicas, se pode colocar a indeterminação (ex. pintura impressionista), ou mesmo a ambiguidade poética - cf. Da arte às ciências: a ambiguidade como paradigma .... A concretização última daqueles valores epistemológicos, pois, tornar-se-á culturalmente condicionada. O que nos coloca nos antípodas da concepção de ciência na cultura clássica, que afirmava um universo matematicamente ordenado (sem rasto de subjectividade), e à qual com Weinberg fomos buscar aquela pista de compreensão de "beleza teórica".
Enfim, se a reflexão epistemológica sobre as ciências ainda é ela própria científica (e se não o é, que credibilidade têm as afirmações de Quintanilha?...), em última análise decidir-se-á esteticamente. Ou melhor, cultural e historicamente, dado o condicionamento do juízo estético. De passo fundamentador em passo fundamentador... parece que avançámos para o completo relativismo!
A questão é que os valores anteriores continuam a ser diferenciadores: umas teorias facultam previsões que se verificam, outras não; umas formulações satisfazem o princípio da não-contradição, outras não, etc. Ou seja, o relativismo será apenas residual.
Ficamos pois com a pergunta: como se articula, num mesmo percurso de pensamento, a objectividade das previsões e coerência... com a subjectividade estética?   

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