quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Consumo, e cultura

O filósofo e sociólogo Gilles Lipovetsky veio agora a Aveiro participar do colóquio "Consumo - que futuro?", onde voltou a apresentar a sua tese sobre a Era do hiperconsumo - como caracteriza o actual momento civilizacional, e cuja síntese remeto para Alexandra Silva em http://ppresente.wordpress.com/textos/a-sociedade-do-hiperconsumo/. Em geral, enfim, considera que desde as décadas de 1980/90 "felicidade" foi reduzida a "soma de prazeres" (cf. Crise económico-financeira, transhumanismo... e a ...), e que o critério se tornou em absoluto o consumo, que se quer sempre mais e diferente, ao ponto de até os pobres de hoje se constituírem como consumidores, ainda que apenas potenciais! 2 Observações:

A) Em plena globalização também cultural, o projecto de vida aí denunciado é a razão da minha cautela (para não dizer pessimismo...) esta semana em Para a conferência de Copenhaga... ou há 20 anos em "Da esperança na salvaguarda da Natureza" (14/04/1.... Pois, ainda para mais em democracias, não será possível implementar políticas sociais e económicas que não satisfaçam o homo consumericus de que fala Lipovetsky. E a absolutização - que já não apenas prioridade - do valor do consumo anula na prática qualquer limitação da oferta, e portanto da produção que recorre à delapidação de quaisquer recursos naturais como a água potável, o ar não poluído, etc. A actual civilização global, que assumiu o valor do consumo a que o Ocidente chegou depois de na Modernidade ter valorizado o fazer, assemelha-se pois a um gigantesco Titanic... cuja única esperança é que todos os cientistas que há décadas apontam o iceberg do equilíbrio ecológico global estejam enganados. Esperança que o homo consumericus herdou e desenvolveu do seu pai homo faber, pois se para o fazer o saber já pouco importava, então para o consumir, e num consumo em função do prazer imediato, isso (o saber) já nem se compreenderá o que seja!
1ª Consequência resolutiva: se o problema é cultural, não é dos políticos (tanto menos quanto mais dependerem das respectivas populações) que se poderá esperar uma solução consistente. Apenas os agentes culturais a poderão lançar... para depois se enredarem na questão retórica que aqui apontei em Da influência cultural e da retórica... mas também...!

B) Para a terapia cultural atrás apelada, valerá a pena voltar a pensadores das primeiras décadas do séc. XX como Martin Heidegger, Ortega y Gasset, etc., que nessa altura denunciaram o lançamento deste homo consumericus - Veja-se o modo inautêntico de existir, segundo aquele filósofo alemão, e a característica que este logo lhe reconheceu de sede da novidade pela novidade - qualquer coisa como o primo de Harry Potter perante não a qualidade dos presentes, nem sequer a sua quantidade, mas tão só a progressão numérica desta quantidade em relação à do ano anterior (!). Há muito, pois, que as elites culturais vinham percebendo e alertando para o que hoje vivemos... ou seja, para as suas consequências amanhã ("amanhã" não significa para os nossos trisnetos, significa nesta próxima década, mais ainda na seguinte...). Nem por isso no entanto a civilização ocidental, e depois o mundo, deixou de evoluir nesta direcção. Uma pois de 2, senão ambas: ou, tendo essas elites acertado no movimento em curso, não lhe perceberam a raiz, pelo que não atacaram a cabeça da serpente mas tão só uma outra parcela do seu corpo; ou até se aperceberam do que estaria causando esse movimento em curso, mas faltou-lhes a capacidade retórica de se fazerem ouvir - lembremos-nos aliás da "rebelião das massas" de que se queixou Ortega... Num nosso regresso ao estudo dessas obras de há quase 1 séc., julgo que devemos atender a estas 2 pistas.

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