sábado, 3 de outubro de 2009

"La fin du déterminisme en biologie"

O título deste post é também o do 1º artigo do Dossier "Le hasard au coeur de la vie", ed. S. Coisne, C. Klingler, in: La Recherche, Nº 434 (Octobre 2009): 38-53. Resumindo: nesse artigo A. Pàldi e S. Coisne recordam como a biologia se desenvolveu desde o séc. XVII sob o postulado do filósofo, matemático, e fisiólogo Renée Descartes de que cada processo num organismo vivo (qual máquina) decorre das partes que o compõem, e da organização destas. Todavia nem as recentes sequências do genoma ou catálogos de enzimas e proteínas têm facultado a explicação cabal do funcionamento mesmo dos organismos mais simples. Por outro lado, os instrumentos para observação dos componentes celulares em células individuais, a partir da década de 1990, permitiram reconhecer que as proteínas reguladoras da cópia e transmissão dos genes que lhes são correlativos são (aquelas proteínas) escassas, e deslocam-se aleatoriamente. Logo a probabilidade de que proteína e gene se encontrem é mínima. Logo a causalidade determinista é teoricamente substituída pelo acaso, e por algum critério de selecção das situações verificadas - segundo este critério a maioria dos casos será semelhante, daí a impressão macroscópica, ou colectiva em vez de individual, duma uniformidade determinista (afinal dum ovo de galinha costuma resultar... uma galinha).
No 2º artigo as organizadoras apontam o facto das células sãs precisarem de menos glucose do que as cancerígenas, pelo que, num ambiente de escassez, serão naturalmente seleccionadas em detrimento das 2ªs, como exemplo da vantagem evolutiva da diversidade celular (razão para o estabelecimento desta).
À pergunta "Les gènes jouent-ils aux dés?" (3º artigo), C. Klingler responde que nem isso nem o oposto, antes os processos deterministas constituem-se como casos particulares dos probabilistas, aqueles cuja probabilidade é próxima de 1 (da necessidade). E exemplifica com um circuito de 3 genes idênticos que produz intermitentemente uma proteína fluorescente, a qual, ao contrário da previsão determinista, não surge sempre numa mesma frequência (v. o filme "The repressilator" em http://www.elowitz.caltech.edu/movies.html). Aponta também os exemplos da competência apenas duma pequena percentagem de células numa população destas para absorverem fragmentos de ADN no meio ambiente, e da composição do olho da mosca, para sustentar uma influência fisiológica do acaso em organismos uni ou pluricelulares.
Klingler apresenta assim a biologia sistémica, que visa as redes de interacção ao nível celular e orgânico. Mas termina assinalando "que le concept probabiliste l'emporte ou pas, il restera à comprendre comment une même cellule peut contrôler la variabilité d'expression de certains gènes, tout en laissant libre champ à cette variabilité pour d'autres gènes" (p.50).
Desenvolvendo a questão do critério de selecção atrás referido, na entrevista a Jean-Jacques Kupiec este biólogo molecular sustenta enfim que "Nos cellules sont soumises à la sélection naturelle", até porque o princípio de que cada molécula, na sua estrutura tridimensional, apenas se pode relacionar com aquela com que se encaixe (como 2 peças de um puzzle), é falso: podem relacionar-se com muitas, e a escolha é aleatória. Importa pois considerar já não os processos individuais, mas os populacionais (moleculares ou celulares), os quais se equilibram entre uma estabilidade determinada pela selecção natural ao nível dessas populações, e variabilidade que permite a evolução.
A favor desta abordagem probabilista, Kupiec refere ainda que esta explica por exemplo que 95% do ADN não codifique qualquer gene, o que não é explicado pela abordagem determinista (a que propósito a selecção natural, ao nível dos organismos, manteria tamanha inutilidade?...).

Constatações e perguntas como esta última são induções para um outro paradigma que não o cartesiano-determinista. Mas assim, na perplexidade e nos embaraços que assumem, tornam-se também apelos a um movimento teórico inverso: o da formulação do ente (aquilo que há enquanto tal), nomeadamente na sua organização todo-partes, que se proporcione como modelo formal a aplicar pela bioquímica como por qualquer outra ciência, numa orientação destas últimas que procurariam então como que preencher os espaços, ou dar valores às variáveis prescritas por tal modelo, nos respectivos (de cada ciência) campos.
Ou seja, em alternativa à hipótese corpuscular da matéria, que os cientistas Modernos repescaram aos atomistas gregos com tão bons resultados, estes cientistas contemporâneos parecem apelar à formulação eficaz da matéria constituída holística e processualmente.
A formulação desses modelos ou hipóteses básicas é tarefa da metafísica. E assim voltamos ao exemplo de Descartes, que trazia a matemática à filosofia e a filosofia à matemática - Ou como está gravado no átrio do Instituto Abel Salazar, "Quem só sabe de medicina, nem medicina sabe".

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