Neste último post em resultado do almoço com o João Paulo, assinalarei uma ideia que nos surgiu na conversa: num recente colóquio sobre Darwin um cientista açoriano terá repisado, pela enésima vez (!), a não intercessão entre razão e fé. Desse modo a explicação da evolução pela i) contingência de novidades pontuais, ii) selecção das mais adequadas ao meio, e iii) transmissão genética destas características, em nada beliscaria uma criação intencional dos entes por um Outro transcendente.
Não é assim.
Nos casos em que o que a fé postula é precisamente o que é negado pela razão esta intersecta aquela, ou seja, a fé enfrenta um problema que urge resolver. Foi por isto que S. Tomás de Aquino escreveu uma série de provas, não propriamente da existência de um Criador, mas da plausibilidade racional dessa existência, depois postulável pela fé - ressalvando porém que a essência, ou os traços de identidade desse Criador escapam a tal abordagem racional. (Falta hoje uma inteligência superior como a desse dominicano para enfrentar, seriamente, o desafio colocado pelo darwinismo...)
Apontarei porém que este desafio não se coloca exactamente à existência de um Criador, nem sequer a uma sua semelhança com as criaturas humanas, mas sim à sua intencionalidade para com estas. Isto é, o darwinismo é compatível com uma origem (e sustentação ontológica) de todo o processo evolutivo pela acção criadora de um ente não dependente desse processo; é compatível ainda com o reconhecimento, por parte destes espécimes humanos que terão surgido pelo acaso e pelas contingências do meio, de que alguma semelhança poderá haver dada a capacidade destes espécimes para criar artística, cientificamente... ou desenvolver criativamente também na ciência, técnica... O acaso da evolução desta espécie no seu todo implica porém que o Criador não intervenha nela. Por outras palavras: ou bem que rezar por exemplo pela recuperação de um filho não tem outro sentido que um autoconforto de alguém que sucumbe ao desespero, ou bem que, contra o darwinismo, há que justificar o inteligent design (teoria criacionista que aceita a evolução, mas orientada para uma meta destinada à partida).
[Analisei e avaliei logicamente a reacção do darwinista Richard Dawkins aos argumentos pela existência de um Criador em http://www.lusosofia.net/textos/albergaria_miguel_soares_de_desilus_o_de_dawkins.pdf. Nesse artigo (para que aliás tenho ideia que já remeti neste blogue), sugeri ainda que, na porta aberta por S. Tomás, na tradição cristã haverá 2 sentidos, e não 1, do termo "Deus". Questões que vão muito, muito para além da ligeireza destes posts em blogues, redes sociais...]
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