Tinha ideia que tinha arquivado alguns textos sobre o tema do meu último post, já depois de o colocar fui procurá-los e encontrei este artigo de E. Sander que me sugere 2 desenvolvimentos de Uma civilização 2.0?.... O 1º é que a virtualização da nossa experiência sensível pode ir (e já leva!) mais longe do que eu sugeri ao referir a redução das 3 para as 2 dimensões (no écran), a redução do olfacto... à visão, etc. Vejam-se os hologramas, ou qualquer ligação das zonas cerebrais psico-auditivas... a um computador que emita os sinais eléctricos que o cérebro percebe como, por exemplo, som do restolhar de folhas cujo cheiro é induzido por outros sinais eléctricos... - trata-se, como o autor assinala, da muito discutida hipótese metafísico-epistemológica dos cérebros numa cuba (dramatizada pelo filme The Matrix).
Mas a também conhecida crítica a essa hipótese introduz o 2º apontamento: a própria concepção da situação de cérebros mantidos vivos artificialmente fora do organismo, recebendo sinais eléctricos como os acima mencionados, remete para além dela (situação) ao pressupor precisamente a exterioridade ao cérebro dumas cubas, computador, gerador eléctrico, etc. Ou seja, para se hipostasiar uma virtualidade de toda a percepção requerem-se outras entidades não virtuais.
Voltando às reflexões de Sander, com efeito perspectiva-se uma revolução se, depois e no sentido inverso da extensão metafórica da sensibilidade à internet na vivência de expressões como "visitar um site", "guardar um ficheiro numa pasta", "conversar no Messenger", etc., vier a internet invadir a nossa vivência sensível mediante técnicas como as acima apontadas. Referi-me a isto no último momento do post anterior. Penso porém que faltou um pormenor àquele autor:
A seguir a assinalar, e bem, como a internet anula mesmo as nossas tradicionais determinações do espaço e tempo (ex. o arquivo da Amazon é-nos mais próximo do que as estantes da livraria "mais próxima"), diz que "Internet conduit également à dissocier matérialité et possibilité d'action, qui semblaient consubstantielles jusqu'à peu" (op.cit.: 44). Mas apenas exemplifica com acções cuja iniciativa cabem ao utente, real, da internet sobre tudo o que nesta se disponha virtualmente. Ao menos um traço, pois, mantém uma diferença entre realidade e virtualidade: a capacidade de iniciativa - i.e. de originar uma novidade.
Uma alteridade que, em caso de tal revolução civilizacional, deixa em maus lençóis a civilização que a implemente. Em O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências lembro a lei de Murphy a todos quantos perspectivem um esquecimento da realidade numa redução deste termo a "virtualidade" - imagine-se o que aconteceria ao mundo virtual se o operador do gerador de electricidade se convencesse de que este seu estatuto era apenas mais um seu avatar entre outros no Second Life, e que a páginas tantas o resolvesse abandonar por não ser suficientemente emocionante...
Post Scriptum - não usarei um blogue para tais comunicações, mas neste caso apontarei que a metafísica tomista faculta os conceitos que enformam o que há numa irredutibilidade de realidade a virtualidade. A saber, o que pode haver (homens, avatares...) não se constitui simplesmente como uma possibilidade lógica (ausência de obstáculos a uma sua efectivação), antes é em potência - algo em acto tem em si o poder de se desenvolver num tal sentido. Este poder falta à virtualidade (ex.: os avatares não podem ter a iniciativa de tomar como virtualidade o gerador que a sua constituição como "avatares" pressupõe). Só a metafísica Moderna, que identificou "potência" a "possibilidade", se deixa envolver numa tal redução. Mas sobre isto veja-se o artigo de José Enes, "Dois universos ontológicos", in: Noeticidade e Ontologia, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1999: 165-189. Daí naquele meu ensaio eu ter remetido a resolução do problema ocidental para a discussão metafísica do séc. XIII para o séc. XIV.
Olá Miguel
ResponderEliminarBem dito , sim senhor. Gosta de Chick Coreia?
Abraço
Ant
PS Quando regressar a casa , ainda esta semana , espero ,vou ler mais no seu blogue.
Obrigado pelas suas palavras (e fico à espera de comentários mais desenvolvidos que lhe ocorram!). Conheço pouquíssimo de C.C., mas o que lhe ouvi foram óptimas performances do tipo de jazz de que gosto, com alguma melodia. Não aprecio por exemplo C. Parker (apesar do filme sobre ele de C. Eastwood, que achei belíssimo). Normalmente o que mais me toca, emocional e intelectualmente, são as fronteiras entre ordem e caos, daí o meu interesse pela sua sugestão de G. Mahler, pela justaposição das Igrejas dos Carmelitas e do Carmo que incluí no slideshow do post "Porto: Uma viagem pelo Ocidente", pela análise infinitesimal...
ResponderEliminarLembrou bem C.C., vou colocar aqui alguma sua peça na etiqueta Heterodoxias.