sábado, 19 de setembro de 2009

Uma civilização 2.0?...

O exponencialíssimo crescimento na última década do número de blogues, redes sociais como o Facebook, arquivos de textos e outros recursos em PDF,... torna difícil, à primeira vista, aceitar que a Web 2.0 (internet que permite a todos que sejam tanto receptores quanto emissores de informação) não tenha impacto civilizacional. Isto porém remete para a questão do que se constitui como factor civilizacional...
Em O Nó do Problema Civilizacional - A dimensão das ciências - e-book que origina este blogue [v. sinopse na coluna ao lado, e Prólogo e Agradecimentos de "O Nó do Problema Ocid... - discriminei 3 níveis de factores: o mais imediato, e derivado, das acções privadas e públicas (como as políticas) que vão gerando e determinando os acontecimentos concretos, além de interpelarem o nível seguinte em busca de pistas resolutivas para os problemas que ali se colocam. O 2º nível tem um impacto civilizacional mediado pelo anterior, é o das ciências e das artes, de um lado, que propõem concepções do que há e do que pode haver, e, do outro lado, da ética, religião (às vezes das artes)... que propõem quais daquelas possibilidades se devem realizar, mobilizando-nos ainda para tal realização. E enfim o nível originário da proposta de como se há ou se pode haver enquanto tal, do que seja dever-ser, etc. - que na tradição que o Ocidente herdou dos Greco-latinos em boa parte é objecto da metafísica - facultando os modelos gerais ou abstractos, a determinar particularmente no 2º nível, em ordem à aplicação concreta no 3º.
A alteração pela internet mais evidente neste nível mais imediato mas menos determinante (apesar da interpelação problematizadora) deve ser a da enorme facilitação e aumento do alcance da comunicação. Um meu exemplo foi o da troca de mensagens, na minha recente e fugassíssima passagem pelo Facebook, com o pianista António Teves (com quem, como ele disse, conversara 1 só vez há largos anos), precisamente sobre a experiência de participação nestas redes sociais, e um eventual impacto cultural-civilizacional desta generalização do estatuto de emissor. Por certo nunca teríamos conversado sobre isso sem a mediação desta técnica. Mas esta mediação exponencia qualitativamente - i.e. no conteúdo - tais conversas, ou apenas desmultiplica o número destas? É certo que, se este número aumentar, poderá aumentar a probabilidade da irrupção de novidades qualitativas. Mas a ocorrência histórica destas em períodos curtos e populações reduzidas (v. Grécia, séc. V, IV a.C.), contra a estagnação em períodos longos e populações alargadas (v. fases da civilização Egípcia), mostra que não há uma correlação directa entre número de comunicações e propostas novas - pode-se ficar apenas com mais do mesmo.
O mesmo direi do impacto da Web 2.0 no 2º nível. Esse meu e-book e o presente blogue são 1 exemplo: com o fim da minha bolsa da FCT não pude concluir o projecto de Doutoramento que tinha em curso, abandonei assim o meio académico que, com o da comunicação social, constituíam os 2 meios tradicionais de emissão de informação/reflexão nesse 2º nível. A Web 2.0, porém, abriu à generalidade das pessoas um 3º meio de emissão. E um meio particularmente livre, pois, não se sujeitando as mensagens ao juízo prévio dos pares, a publicação não se reduz às ideias estabelecidas em cada momento. No entanto, por outro lado, quem é que lê e dá atenção ao quê nestas andanças? Os números de visitas aos blogues da meia dúzia de opinion makers socialmente reconhecidos, de visitas aos sítios das academias e jornais de referência, etc., são abissalmente diferentes dos números de visitas aos milhões de blogues de anónimos (como eu). Se calhar não estamos muito longe do universo comunicacional em que, de qualquer modo, apenas aqueles poucos tinham acesso à emissão...
É o impacto no 3º nível que mais me interpela - não na forma reflexiva, consciente, da metafísica tradicional, mas na forma vivida ingénua e quotidianamente: no Facebook, ou no Messenger, a acompanhar um nome vem uma fotografia, mas descartam-se as 3 dimensões do corpo físico, assim como outras sensações do outro além da visão que se tem dele; fica diferente a constituição deste interlocutor virtual. E muito para além diso, os avatares no Second Life constituem-se mesmo como outros-eu... Enfim, em geral a virtualização do que há (durante a utilização da Web) intervém em parte da resposta à questão originária pelo que há enquanto tal.
E o que creio ser uma novidade histórica: essa parte da resposta, a uma questão que sempre foi exclusiva de elites intelectuais, é agora dada pela população nas suas vivências quotidianas (naturalmente sem a referida capacidade para a reflexão crítica).
Mais ainda que as implicações económicas, democratizantes, de e-learning, etc. que a Web 2.0 possa ter no 1º nível - os resultados nem estão a confirmar as entusiásticas expectativas de há uns 10 anos... - me palpita que é essa virtualização, num 3º nível decidido no 1º, que mais deverá marcar a civilização ocidental, e com esta o mundo, para as próximas décadas.

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