quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Breve exercício de ética aplicada

A ética é a disciplina que aborda a destrinça entre uns comportamentos "bons" e outros "maus", em ordem a que a vida nos corra o melhor possível.
Na cultura anglo-saxónica, hoje dominante também na filosofia, divide-se frequentemente a ética em meta-ética e ética normativa - a 1ª versa as condições de qualquer discurso que distinga um bem dum mal, como os conceitos de "bem", de "valor", etc.; a 2ª versa o modo de orientar aqueles discursos uma vez antes possibilitados. E depois, na ética normativa, distinguem-se 2 grandes posições, o consequencialismo e o não consequencialismo, cada uma com uma versão forte e outra fraca.
Neste post vou ensaiar um exerciciozinho de ética aplicada às iniciativas dos boys (que se o não são tudo fizeram para parecê-lo) que o Partido Socialista pôs na PT, em ordem a um controlo da comunicação social. E a aplicar naturalmente a um Primeiro-Ministro que, sendo o responsável último pela nomeação de quaisquer boys, se co-responsabiliza ao não os demitir quando porventura usam o nome dele em vão.
- Consequencialismo forte, Utilitarismo clássico: os boys deveriam fazer na PT tudo o que optimizasse a relação entre prazer e sofrimento para quem fosse afectado pela sua acção. Ou seja, não importa quais estas fossem, mas apenas aquela sua consequência. Mas, que se perceba, limitaram-se a optimizar as suas carreiras profissionais e naturalmente as contas bancárias, tendo tentado - mas numa estratégia que facilmente lhes trouxe más consequências, logo utilitaristamente má - estender o prazer à nomenklatura do PS no Estado. Muito aquém da maioria dos cidadãos contribuintes afectados... Não é pois por aqui que as suas iniciativas poderão ser julgadas boas.
- Consequencialismo fraco, Rule utilitarianism (talvez se possa traduzir por utilitarismo de regras): os boys deveriam cumprir na PT as regras que teriam as melhores consequências para a generalidade das pessoas na sociedade em que essa empresa se insere, a portuguesa. Repete-se a denúncia anterior.
- Não consequencialismo forte, uma deontologia universal: cada boy deveria fazer na PT o que fosse prescrito por regras que pudessem ser universais, independentemente das consequências de cada acto. Se porém a regra de desrespeitar a opinião alheia, segundo a qual estes nossos boys se comportaram, fosse proposta universalmente, outros desrespeitariam aquela deles, pelo que esta se contradiz a si própria. As escolhas, que eles tão bem apresentaram nas conversas telefónicas escutadas, não exemplificam pois uma deontologia universal.
- Não consequencialismo fraco, uma deontologia prima facie (sendo o resto igual): repete-se o anterior respeito por regras, mas agora apenas em situações normais, que o espírito da lei, em situações excepcionais, pode até justificar a violação da letra da lei. Imagino que neste âmbito se arrebitará a orelha dos boys do PS na PT, pondo-se as engrenagens das suas mentes a trabalhar na justificação de alguma excepcionalidade na TVI, (tenho ideia que) na TSF... Bom, mas uma vez que o espírito desta lei será a defesa da democracia, caber-lhes-á demonstrar que o controlo privado desses órgãos de comunicação social atentaria contra aquele regime. Do qual (refiro-me à democracia representativa em que vivemos, não à democracia popular das dezenas de milhão de assassinados nos Gulag e nas Revoluções Culturais) um dos traços é uma comunicação social independente do Estado. Ou seja, a liberdade de opinião faz parte da normalidade democrática. Apenas alterável em situações excepcionais - guerras, etc. - que de resto a lei democrática prevê... mas às quais, apesar de ameaças como a de bancarrota para daqui a uns 3 ou 4 anos, (ainda) não chegamos.
Conclusão: para mal dos pecados destes boys e de quem os segura, e, principalissimamente, para mal dos pecados de nós outros que não só os sustentamos como ainda temos de lhes sofrer os resultados, não parece que essa gente saiba muito da ética contemporânea.

1 comentário:

  1. Acabei de saber da candidatura de Fernando Nobre (Presidente da AMI) às próximas eleições Presidenciais. Não sei nada sobre a sua sensibilidade político-institucional - necessária a quem desempenhará a função de garante das instituições democráticas - nem sobre o conceito de Portugal que ele se proponha implementar - no aconselhamento ou sugestão que compete ao Presidente da República. E isso é fundamental num PR. Mas, sobre a sua eticidade como cidadão, por certo não haverá em Portugal quem mais do que ele esteja nos antípodas dos boys socratentos, ou outros boys e mais todos os Sócrates, Santanas, Barrosos... que deles se têm servido para manterem os respectivos poderes.

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