É no mínimo incomodativo ver como é logo o partido político ao qual a democracia portuguesa mais deverá - desde a sua (do PS) fundação por pessoas que assumiram os custos pessoais do enfrentamento directo ao Estado Novo, passando por se firmar como pivot da resistência à deriva autoritária comunista, até aceitar o custo político do saneamento financeiro do país para a adesão à CEE - que hoje se encontra enredado numa teia de indícios de tentativa sistemática de controlo da opinião pública crítica, em especial na televisão. E ao contra-ataque do líder socialista, saltando sobre o conteúdo das notícias para se concentrar na forma da sua obtenção - o tal "jornalismo de buraco de fechadura" com a divulgação de escutas telefónicas - já qualquer romano retorquiria que à mulher de César não basta ser séria... Mais deprimentes do que os erros, Sr. Primeiro-Ministro, são quaisquer justificações suas ulteriores - especialmente se se esfarrapam na ignorância de máximas políticas milenares!
Mas compreende-se que a tentação é grande.
E a prová-lo vem hoje este desenvolvimento daquela que terá sido a mais célebre experiência da história da psicologia social: na década de 1960 Stanley Milgram investigou a percentagem das pessoas que, sob indicação de alguém vestido como cientista ou técnico, se dispunham a penalizar com choques eléctricos de crescente intensidade quem não fosse capaz de aprender alguns dados. A hipótese testada por Michel Eltchaninoff e Christophe Nick em 2009 foi a de que, mais do que a autoridade e legitimação científica, vale hoje a autoridade e legitimação televisiva - se acontece na TV, então é verdade e é bom! Aplicando o protocolo daquela outra experiência, convidaram 80 voluntários a participarem num (fictício) concurso televisivo, cujas regras eram as de penalizar com choques eléctricos os concorrentes que falhassem um questionário; estes voluntários julgavam que quem estaria em jogo seriam esses concorrentes, todavia estes últimos eram representados por um actor que simularia o sofrimento após falhar (intencionalmente) a resposta, bem como participantes activos eram as pessoas do público que gritavam "Cas-ti-go!" para estimular o voluntário na consola de comandos, além da apresentadora que garantia que as eventuais responsabilidades cabiam integralmente aos produtores do programa, e não aos voluntários. O resultado é o que se vê neste videoclip:
Alguns voluntários colocaram-se rapidamente objecções éticas. Outros não tanto. Mas a maioria deles desempenhou as funções que lhes cabiam com naturalidade. Isto é, não mostraram uma ferocidade enfim liberta pela ausência de responsabilidades, apenas (julgaram que) torturaram e mataram uma pessoa na simplicidade de mais um jogo televisivo! E mais: na experiência de Milgram, 60% dos voluntários chegaram a aplicar a descarga que lhes era dito ser mortal. Na experiência televisiva actual, esta parcela foi de 82%...
A realidade hoje só é virtual, e a televisão o seu profeta.
(Por amor de Deus, que nunca ninguém convide José Sócrates - ou qualquer dos socratentos que logo lhe emergiram na peugada - para os comandos duma consola como essa!...)
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