O recente Nº 1 (Janeiro/Fevereiro, 2010) do Vol. 305 da revista The Atlantic traz um artigo do historiador David Kennedy que sugere uma articulação (hierarquizada!) entre 2 termos frequentemente contrapostos em política: idealismo e realismo. Em "What would Wilson do?" (pp. 90-94) o autor reporta esse último termo ao clássico dito de Tucídides - os fortes fazem o que querem, os fracos sofrem o que lhes cabe - e ao paradigma internacional estabelecido pelo Tratado de Vestefália - que em 1648 reconheceu a soberania dos diversos Estados. Os realistas procuram assim implementar os respectivos interesses, mas numa rede de reconhecimento mútuo que faculte alguma segurança geral (veja-se a orientação da política externa norte-americana por Kissinger aqui em Sobre a actual retórica política). Em troca, os idealistas assumem os respectivos valores como universais, e dedicam-se à sua realização em qualquer sítio. Kennedy aponta o credo de George W. Bush na democracia e no liberalismo e a sua invasão do Iraque, como exemplos acabados desta posição, de resto própria à visão messiânica que muitos norte-americanos também desde o princípio tiveram do seu país.
A essa contraposição teórico-prática, este historiador contrapõe por sua vez a tradição encetada logo pelo Secretário de Estado John Quincy Adams a 4 de Julho de 1821, quando declarou que a América estaria do lado de quem, em qualquer sítio, lutasse pela liberdade, mas sem se chegar a envolver em conflitos que requereriam recursos morais, humanos e materiais para além dos disponíveis. Nesta linha, Woodrow Wilson lançou as bases da organização mundial que, após a II Guerra Mundial, viria a facultar não só o maior poder de sempre dos EUA como mesmo as melhores 3 décadas de desenvolvimento humano de sempre para o mundo ocidental e Japão. O Presidente Wilson fê-lo sob a máxima de "tornar o mundo seguro para a democracia" - distinta de "tornar o mundo democrático"! - num respeito pelas inter-relações de Vestefália desde que sujeitas a regras, nomeadamente democráticas, que respeitassem os valores norte-americanos.
Com Wilson, pois, mantém-se uma orientação fundamental, que apenas pode ser "idealista", mas cuja implementação é a cada passo "realistamente" condicionada. E os resultados, seja pelo critério realista seja pelo critério idealista, foram os melhores.
Parece-me uma sugestão estimulante para qualquer comunidade ou país, cujas propostas políticas, mesmo que internamente divergentes, se deverão assim constituir como respostas a estas 2 perguntas consecutivas:
1ª) quais são os nossos valores distintivos? - i.e. nas opções que enfrentemos, o que quereremos salvaguardar acima de tudo como indivíduos e na nossa sociedade?
2ª) na presente situação - e esta pergunta repetir-se-á de cada vez que a situação se altere - o que nos condiciona na implementação daqueles valores?
Um país que não responda à 1ª pergunta, será como um cego. Se não responder à 2ª, estará caminhando na berma dum precipício. Não respondendo a ambas, terá a mesma probabilidade de sucesso dum cego caminhando pela berma dum precipício.
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