terça-feira, 16 de março de 2010

Da empregabilidade e dos salários na globalização

"The global economic community, and economic policymakers in governments and global institutions alike, have yet to fully understand the most fundamental economic development in this era of globalization — the doubling of the global labor force."
Com essas palavras abre Richard Freeman o seu artigo em http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=4542. Penso bem que deve ser lido e RELIDO por todos quantos, para os próximos 30 anos (!), de um lado se dispõem a fazer reivindicações salariais, e do outro lado adormecem na linha da participação política em particular quando esta visa relações internacionais.
Como diz o autor, nos últimos 15 anos - com a entrada da China, Índia e países ex-soviéticos no mercado global - a força de trabalho mundial duplicou. Mas sem que o capital (dinheiro + máquinas...) tenha crescido em proporção semelhante. E podemos acrescentar que nem a procura dos produtos pode ter aumentado proporcionalmente, dados os baixos rendimentos desses novos trabalhadores. Freeman diz mesmo que a relação capital/trabalho terá diminuído (contra o trabalho, a favor do capital) 55% a 60%, e que a anterior relação não poderá ser recuperada antes duns 30 anos... Isto é, as expectativas de empregabilidade, e de rendimento do trabalho (salários) com que vivemos até meados da 1ª década do presente século, com que fomos educados e que transmitimos aos actuais jovens, parecem irremediavelmente perdidas para o resto da vida da actual geração de meia idade, e pelo menos para a 1ª metade da vida da actual geração jovem nos países já desenvolvidos na última década do séc. XX.
Mais, Freeman chama ainda a atenção para que, por exemplo na formação de doutorados e engenheiros, a China ultrapassará os EUA ainda este ano. Onde o autor se engana, na minha opinião, é que não é por se ter um diploma superior que se é inovador... Ora, como ele próprio reconhece, pela 1ª vez todas estas economias funcionarão segundo o modelo capitalista. Mas este último, diz-se desde Schumpeter, proporciona o crescimento económico sob 2 condições: a 2ª é a disponibilidade de capital para investir; a 1ª é a da inovação (de produtos, de modos de produzir, de mercados...). E a criatividade que subjaze à inovação creio que depende de 2 atitudes ou faculdades mentais, implementadas por culturas que as valorizem: por um lado o espírito crítico - pois a inovação constitui a face positiva da moeda cuja 1ª face é negativa, a destruição do estado de coisas dado, ou como dizia Schumpeter, trata-se duma "destruição criadora". Por outro lado, o individualismo - pois se o desenvolvimento de projectos é por norma trabalho de equipa, a ideia chave é normalmente lançada por 1 pessoa. E esses são traços culturais estritamente ocidentais, em especial respectivamente desde a Modernidade e a Reforma Protestante. O Ocidente não deverá pois ter ainda perdido esta (se Schumpeter não se enganou: decisiva) vantagem comparativa... desde que consiga resguardar patentes, direitos de autor, etc.
Em suma: o trabalho passou a valer pouquíssimo - ainda para mais com as facilidades de deslocalizações graças aos actuais meios de transporte - o capital passou a valer muito mais - por proporcionalmente haver menos - o que significa que, no mundo desenvolvido, o rendimento pelo trabalho TERÁ que diminuir, enquanto em todo o mundo o rendimento pelo capital (os proveitos da banca, dos donos das fábricas, etc.) TERÁ que aumentar - isto, se a lei da procura e da oferta não for falsa... A desigualdade de rendimentos aumentará assim, de modo que, se não forem falsos os argumentos que mencionei no parágrafo 2.2.3 de O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, consequentemente aumentará a contradição interna na identidade ocidental, e porventura mesmo diminuirão as condições de qualquer crescimento económico (a longo prazo provavelmente mais difícil quando menos agentes têm acesso ao crédito).
Além daquela salvaguarda intransigente de patentes... 2 coisas me parece que haverá assim que fazer no horizonte político ocidental, e portanto em Portugal (!): A) investir a força diplomática, económica... que ainda tenhamos num "new model of globalization and new policies that put upfront the well-being of workers around the world". Assumindo porém que o tempo de vivermos às cavalitas de populações distantes... já lá vai! O nosso único objectivo político realista passou a ser o de mantermos uma autonomia que nos permita implementarmos os valores com que nos identificamos, ou seja, evitar que sejam agora os outros a viver às nossas cavalitas.
B) Em A próxima década portuguesa citei os conceitos de "produtor de coisas" e "produtor de ideias", para distinguir respectivamente os previsíveis loosers e winners da competição globalizada. Segundo o economista citado nesse post, o busílis estará na educação - isto é, não na generalização da frequência escolar e na distribuição de diplomas, mas na eficácia da educação! Mas, nesta ênfase na educação, além de todos os conhecimentos que os chineses, etc., também já têm, além dos valores da perseverança, do trabalho, que esses outros têm... e nós tivemos (!), em particular creio termos ainda que enfatizar a atrás referida identificação cultural dos jovens ocidentais, e as competências (de resolução de problemas, criatividade, iniciativa...) que implementem a inovação.
Esse (o político) é o horizonte imediato, aquele onde se tapam buracos... no referido ensaio argumentei que as causas dos problemas estruturantes se encontram porém num outro horizonte, fundamental. Creio que aí é que se poderão traçar soluções estruturantes (nesse ensaio propus precisamente uma pista nesse sentido).

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