quinta-feira, 18 de março de 2010

Um cumprimento à Igreja Católica

Depois de ter lido o best-seller A Desilusão Deus, do célebre biólogo britânico Richard Dawkins, escrevi uma avaliação lógica do seu argumento, cuja 1ª versão incluía uma nota de rodapé que por qualquer razão retirei da versão a publicar. E da qual nunca mais me lembrei até ao telejornal de há bocado, com a notícia da decisão da Igreja Católica bávara de expulsar os sacerdotes pedófilos, e de os denunciar mesmo quando as vítimas se não atrevam a fazê-lo. Sobre este último pormenor tenho algumas dúvidas, em todo o caso vim ver se ainda teria guardada aquela versão não publicada, e, tendo-a encontrado, aqui deixo a referida nota.

«É provável que quando este texto for publicado se esteja a passar um ano sobre a visita de Bento XVI a Nova Iorque. Não tenho uma visão de conjunto da história da Igreja Católica, em todo o caso arrisco-me a sugerir que essa visita constitui um marco na dimensão moral desta história, marco esse particularmente significativo para qualquer reflexão sobre ética e denominações religiosas – deixo pois esta nota ao cuidado de quem porventura quiser co-mentar também os capítulos posteriores de A Desilusão de Deus. Perante um crime cometido no seio de uma instituição, traindo os princípios desta última como foi o caso dos abusos pedófilos por padres norte-americanos, todos quantos, em qualquer medida, se responsabilizem por essa instituição enfrentam um dilema: a) respeitar imediatamente a generosidade desses princípios, acudir às vítimas, neutralizar quem quer que se reconheça como agressor, e aceitar que a instituição não se confunde com os seus princípios, antes resta bem aquém deles; ou b) precisamente negar qualquer diferença entre os princípios e a instituição que os proclama, tomando-a monoliticamente de modo que, na recusa de qualquer mácula no conceito dela, se silenciam as vítimas, e se neutralizam apenas os agressores cujo estatuto hierárquico não os torne importantes para a instituição (o exemplo mais brutal de que me lembro é o dos comunistas soviéticos e chineses que, em nome da humanidade, assassinaram dezenas de milhão de homens e mulheres). Basta lembrar a virulentíssima crítica de Jesus aos fariseus para se tornar evidente que a opção dele foi sempre a primeira. Ao contrário, a opção dos responsáveis pela Igreja Católica norte-americana, concretamente em Boston, foi a segunda. Que os críticos dessa Igreja não cometam porém o erro, metafísico e emocional, que lhe está na base – a redução das pessoas a conceitos institucionais. Bento XVI, indo a Nova Iorque receber privadamente mas com conhecimento público um grupo das referidas vítimas, e repreendendo em público todos quantos nesse caso haviam implementado ou sequer defendido a segunda opção, mostrou duas coisas: desde logo, que a Igreja é multíplice; depois, que se a mesquinhez, o orgulho e a hipocrisia acontece no seu seio, neste caso em bispos noutros em Papas (lembro-me logo da família Bórgia, mas a suspeita desce até por exemplo Pio XII), também é possível que quem é investido nesta última função faça a primeira escolha, reaproximando toda a instituição ao caminho propriamente de Cristo. E não atiremos nós portugueses, mesmo nós açorianos, a pedra para o outro lado do Atlântico. Foi a todos quantos, até sob a coberta das mais pias palavras, na hora da verdade pactuam com o iceberg cuja ponta foi a Casa Pia ou o caso de Lagoa que Bento XVI condenou em Nova Iorque. Os dois caminhos da conclusão do “Sermão da Montanha” (Mateus 7, 13-23) abrem-se sempre a partir de aqui e agora.»

1 comentário:

  1. As recentes notícias sobre um protelamento da reacção correctiva, mesmo um encobrimento pelo Cardeal Razinger dum pedido do Bispo Moreno de exoneração dum Padre (supostamente) pedófilo, se se confirmarem, só alteram circunstancialmente este post. Não o alteram na substância. A saber (confirmando-se as notícias!), Bento XVI, se se não assumir como tendo estado do lado dos fariseus, apenas será mudado de campo. Mas os 2 campos permanecem distintos conforme o Sermão da Montanha... e católicos há que têm enveredado pelo íngreme.

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