Cole Porter, Every time we say goodbye + John Coltrane
terça-feira, 30 de março de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
Sobre o trabalho, quando o capital volta à velha normalidade
"71. (...) É necessário que aos trabalhadores se dê um salário que lhes proporcione um nível de vida verdadeiramente humano e lhes permita enfrentar com dignidade as responsabilidades familiares. (...)
91. (...) é legítima nos trabalhadores a aspiração a participarem activamente na vida das empresas, em que estão inscritos e trabalham. (...)
92. (...) O que supõe, também, poderem os trabalhadores fazer ouvir a sua voz e contribuir para o bom funcionamento e o progresso da empresa. (...)"
Estas não são frases de algum barbudo revolucionário vestido de caqui e com pistola à cinta... mas sim do Papa João XXIII, na Carta Encíclica Mater et Magistra, de 15 de Maio de 1961 (sobre a posição económica e política dos trabalhadores, v. Parágs. 68-103). Lembrei-me de passagens como essas ao ouvir ontem à noite a notícia da venda da Volvo, pela Ford, à chinesa Geely, dado o simbolismo, ou exemplaridade de que a Volvo se revestiu (creio que) nos anos 1970 em relação à organização técnica do trabalho. A saber, contra o taylorismo, em que cada trabalhador repete indefenidamente uma mesma tarefa que lhe é atribuída (cf. Charles Chaplin, Os Tempos Modernos!...), aquela construtura escandinava - da terra da social-democracia, onde surgiu depois a flexigurança... - terá ensaiado uma organização em que cada automóvel seria montado, ao longo das etapas do processo, por uma mesma equipa. Os custos da formação dos membros desta seriam compensados (esperava-se) pelo cuidado nos pormenores por se aperceberem da função de cada peça, e porventura também pelo empenho que adviria duma maior satisfação (por muito menor alienação) no trabalho. Lembrei-me disto por me ocorrer a ideia de ter lido algures que o Papa Paulo VI, numa deslocação à América latina (em 1968 na Conferência de Bispos em Medellin?) terá mesmo apontado a Volvo como exemplo de uma das formas de dignificação do trabalho - mas não tentei confirmar esta recordação.
Agora, neste início do séc. XXI, quando o capital mundial volta a acumular-se onde, segundo os historiadores da economia, sempre se acumulara até ao início da Revolução Industrial - na China... - e que se sobrevaloriza até em relação ao trabalho contra a relação que mantiveram nesse historicamente estranho e anormal séc. XX (cf. Da empregabilidade e dos salários na globalização), o que vai ser da organização técnica do trabalho?
Quem dá o pão, dá o pau - Preocupar-se-ão os capitalistas chineses com o que o Papa chamou "nível de vida verdadeiramente humano" dos trabalhadores na Volvo?... Se, mesmo no Ocidente actual, a responsabilidade social de quem gere o capital já é o que se viu na escolha pelos altos administradores de objectivos apenas de curto prazo (conferindo-se a si próprios prémios extraordinários pelo cumprimento destes), e que levou à crise aberta em 2008, qual será a responsabilidade social que assumirão os novos donos de antigas empresas ocidentais?...
91. (...) é legítima nos trabalhadores a aspiração a participarem activamente na vida das empresas, em que estão inscritos e trabalham. (...)
92. (...) O que supõe, também, poderem os trabalhadores fazer ouvir a sua voz e contribuir para o bom funcionamento e o progresso da empresa. (...)"
Estas não são frases de algum barbudo revolucionário vestido de caqui e com pistola à cinta... mas sim do Papa João XXIII, na Carta Encíclica Mater et Magistra, de 15 de Maio de 1961 (sobre a posição económica e política dos trabalhadores, v. Parágs. 68-103). Lembrei-me de passagens como essas ao ouvir ontem à noite a notícia da venda da Volvo, pela Ford, à chinesa Geely, dado o simbolismo, ou exemplaridade de que a Volvo se revestiu (creio que) nos anos 1970 em relação à organização técnica do trabalho. A saber, contra o taylorismo, em que cada trabalhador repete indefenidamente uma mesma tarefa que lhe é atribuída (cf. Charles Chaplin, Os Tempos Modernos!...), aquela construtura escandinava - da terra da social-democracia, onde surgiu depois a flexigurança... - terá ensaiado uma organização em que cada automóvel seria montado, ao longo das etapas do processo, por uma mesma equipa. Os custos da formação dos membros desta seriam compensados (esperava-se) pelo cuidado nos pormenores por se aperceberem da função de cada peça, e porventura também pelo empenho que adviria duma maior satisfação (por muito menor alienação) no trabalho. Lembrei-me disto por me ocorrer a ideia de ter lido algures que o Papa Paulo VI, numa deslocação à América latina (em 1968 na Conferência de Bispos em Medellin?) terá mesmo apontado a Volvo como exemplo de uma das formas de dignificação do trabalho - mas não tentei confirmar esta recordação.
Agora, neste início do séc. XXI, quando o capital mundial volta a acumular-se onde, segundo os historiadores da economia, sempre se acumulara até ao início da Revolução Industrial - na China... - e que se sobrevaloriza até em relação ao trabalho contra a relação que mantiveram nesse historicamente estranho e anormal séc. XX (cf. Da empregabilidade e dos salários na globalização), o que vai ser da organização técnica do trabalho?
Quem dá o pão, dá o pau - Preocupar-se-ão os capitalistas chineses com o que o Papa chamou "nível de vida verdadeiramente humano" dos trabalhadores na Volvo?... Se, mesmo no Ocidente actual, a responsabilidade social de quem gere o capital já é o que se viu na escolha pelos altos administradores de objectivos apenas de curto prazo (conferindo-se a si próprios prémios extraordinários pelo cumprimento destes), e que levou à crise aberta em 2008, qual será a responsabilidade social que assumirão os novos donos de antigas empresas ocidentais?...
sábado, 27 de março de 2010
Da Europa nos dias que correm
Depois da notícia de ontem que o Conselho da UE decidiu avalizar o déficite grego, mas remetendo em parte a sua resolução para fora da União (o FMI) - ou seja, assumiu a sua falta de consistência interna e a sua menoridade ou relatividade para com instituições internacionais assim mais fiáveis do que ela - abri a página do Finantial Times para uma vista de olhos sobre as opiniões que vão determinando a resposta internacional. Chamou-me a atenção o artigo "Greece triggers an EU identity crisis" (http://www.ft.com/cms/s/0/c9c4a45c-3776-11df-88c6-00144feabdc0.html), que me parece apontar para um vazio que se abrirá sob uma UE que, com o Tratado de Lisboa - cf. http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2009/10/o-que-e-que-ue-pode-fazer-por-mim-ue.html- terá dado um salto maior do que a perna: a) não nos limitámos a uma zona de comércio livre - como que numa EFTAzisação da UE - nem b) permanecemos na tradição da CEE em que quase só se implementavam as decisões unânimes, nem c) assumimos propriamente um Governo europeu (porventura federal) - ou como se diz naquele artigo do FT, "to avoid a succession of rescues, an intra-European bail-out would need to be accompanied by political, fiscal union. But there is no political will to embark down that avenue: rule from Brussels is a fantasy in this union of sovereign states". Preferimos mantermo-nos em equilíbrio sobre a zona, rarefeita senão vazia, entre tais posições consistentes nos respectivos prós e contras.
É capaz de ser a opção mais ambiciosa de entre as possíveis (pelo menos demagogicamente é por certo a mais bela!). Confesso que também me parece a mais perigosa assim que um dia se abra uma crise um pouco mais custosa do que esta das finanças gregas (ex. se neste caso Portugal, Espanha... se lhe juntarem).
Me parece que o melhor para cada um de nós, enquanto naturalmente gozamos as vantagens de pertencermos à UE qual patinador que goza a bela vista de montanhas a partir do lago gelado onde patina, nos acautelemos também, psicológica (expectativas) e financeiramente (poupanças familiares), para a possibilidade do que poderá subitamente acontecer se, sob os patins em que evoluímos, o gelo se tornar demasiado fino.
Post scriptum: a UE é sólida com as suas instituições, moeda única, Tratados...? A URSS também tinha isso tudo.
É capaz de ser a opção mais ambiciosa de entre as possíveis (pelo menos demagogicamente é por certo a mais bela!). Confesso que também me parece a mais perigosa assim que um dia se abra uma crise um pouco mais custosa do que esta das finanças gregas (ex. se neste caso Portugal, Espanha... se lhe juntarem).
Me parece que o melhor para cada um de nós, enquanto naturalmente gozamos as vantagens de pertencermos à UE qual patinador que goza a bela vista de montanhas a partir do lago gelado onde patina, nos acautelemos também, psicológica (expectativas) e financeiramente (poupanças familiares), para a possibilidade do que poderá subitamente acontecer se, sob os patins em que evoluímos, o gelo se tornar demasiado fino.
Post scriptum: a UE é sólida com as suas instituições, moeda única, Tratados...? A URSS também tinha isso tudo.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Um cumprimento à Igreja Católica
Depois de ter lido o best-seller A Desilusão Deus, do célebre biólogo britânico Richard Dawkins, escrevi uma avaliação lógica do seu argumento, cuja 1ª versão incluía uma nota de rodapé que por qualquer razão retirei da versão a publicar. E da qual nunca mais me lembrei até ao telejornal de há bocado, com a notícia da decisão da Igreja Católica bávara de expulsar os sacerdotes pedófilos, e de os denunciar mesmo quando as vítimas se não atrevam a fazê-lo. Sobre este último pormenor tenho algumas dúvidas, em todo o caso vim ver se ainda teria guardada aquela versão não publicada, e, tendo-a encontrado, aqui deixo a referida nota.
«É provável que quando este texto for publicado se esteja a passar um ano sobre a visita de Bento XVI a Nova Iorque. Não tenho uma visão de conjunto da história da Igreja Católica, em todo o caso arrisco-me a sugerir que essa visita constitui um marco na dimensão moral desta história, marco esse particularmente significativo para qualquer reflexão sobre ética e denominações religiosas – deixo pois esta nota ao cuidado de quem porventura quiser co-mentar também os capítulos posteriores de A Desilusão de Deus. Perante um crime cometido no seio de uma instituição, traindo os princípios desta última como foi o caso dos abusos pedófilos por padres norte-americanos, todos quantos, em qualquer medida, se responsabilizem por essa instituição enfrentam um dilema: a) respeitar imediatamente a generosidade desses princípios, acudir às vítimas, neutralizar quem quer que se reconheça como agressor, e aceitar que a instituição não se confunde com os seus princípios, antes resta bem aquém deles; ou b) precisamente negar qualquer diferença entre os princípios e a instituição que os proclama, tomando-a monoliticamente de modo que, na recusa de qualquer mácula no conceito dela, se silenciam as vítimas, e se neutralizam apenas os agressores cujo estatuto hierárquico não os torne importantes para a instituição (o exemplo mais brutal de que me lembro é o dos comunistas soviéticos e chineses que, em nome da humanidade, assassinaram dezenas de milhão de homens e mulheres). Basta lembrar a virulentíssima crítica de Jesus aos fariseus para se tornar evidente que a opção dele foi sempre a primeira. Ao contrário, a opção dos responsáveis pela Igreja Católica norte-americana, concretamente em Boston, foi a segunda. Que os críticos dessa Igreja não cometam porém o erro, metafísico e emocional, que lhe está na base – a redução das pessoas a conceitos institucionais. Bento XVI, indo a Nova Iorque receber privadamente mas com conhecimento público um grupo das referidas vítimas, e repreendendo em público todos quantos nesse caso haviam implementado ou sequer defendido a segunda opção, mostrou duas coisas: desde logo, que a Igreja é multíplice; depois, que se a mesquinhez, o orgulho e a hipocrisia acontece no seu seio, neste caso em bispos noutros em Papas (lembro-me logo da família Bórgia, mas a suspeita desce até por exemplo Pio XII), também é possível que quem é investido nesta última função faça a primeira escolha, reaproximando toda a instituição ao caminho propriamente de Cristo. E não atiremos nós portugueses, mesmo nós açorianos, a pedra para o outro lado do Atlântico. Foi a todos quantos, até sob a coberta das mais pias palavras, na hora da verdade pactuam com o iceberg cuja ponta foi a Casa Pia ou o caso de Lagoa que Bento XVI condenou em Nova Iorque. Os dois caminhos da conclusão do “Sermão da Montanha” (Mateus 7, 13-23) abrem-se sempre a partir de aqui e agora.»
«É provável que quando este texto for publicado se esteja a passar um ano sobre a visita de Bento XVI a Nova Iorque. Não tenho uma visão de conjunto da história da Igreja Católica, em todo o caso arrisco-me a sugerir que essa visita constitui um marco na dimensão moral desta história, marco esse particularmente significativo para qualquer reflexão sobre ética e denominações religiosas – deixo pois esta nota ao cuidado de quem porventura quiser co-mentar também os capítulos posteriores de A Desilusão de Deus. Perante um crime cometido no seio de uma instituição, traindo os princípios desta última como foi o caso dos abusos pedófilos por padres norte-americanos, todos quantos, em qualquer medida, se responsabilizem por essa instituição enfrentam um dilema: a) respeitar imediatamente a generosidade desses princípios, acudir às vítimas, neutralizar quem quer que se reconheça como agressor, e aceitar que a instituição não se confunde com os seus princípios, antes resta bem aquém deles; ou b) precisamente negar qualquer diferença entre os princípios e a instituição que os proclama, tomando-a monoliticamente de modo que, na recusa de qualquer mácula no conceito dela, se silenciam as vítimas, e se neutralizam apenas os agressores cujo estatuto hierárquico não os torne importantes para a instituição (o exemplo mais brutal de que me lembro é o dos comunistas soviéticos e chineses que, em nome da humanidade, assassinaram dezenas de milhão de homens e mulheres). Basta lembrar a virulentíssima crítica de Jesus aos fariseus para se tornar evidente que a opção dele foi sempre a primeira. Ao contrário, a opção dos responsáveis pela Igreja Católica norte-americana, concretamente em Boston, foi a segunda. Que os críticos dessa Igreja não cometam porém o erro, metafísico e emocional, que lhe está na base – a redução das pessoas a conceitos institucionais. Bento XVI, indo a Nova Iorque receber privadamente mas com conhecimento público um grupo das referidas vítimas, e repreendendo em público todos quantos nesse caso haviam implementado ou sequer defendido a segunda opção, mostrou duas coisas: desde logo, que a Igreja é multíplice; depois, que se a mesquinhez, o orgulho e a hipocrisia acontece no seu seio, neste caso em bispos noutros em Papas (lembro-me logo da família Bórgia, mas a suspeita desce até por exemplo Pio XII), também é possível que quem é investido nesta última função faça a primeira escolha, reaproximando toda a instituição ao caminho propriamente de Cristo. E não atiremos nós portugueses, mesmo nós açorianos, a pedra para o outro lado do Atlântico. Foi a todos quantos, até sob a coberta das mais pias palavras, na hora da verdade pactuam com o iceberg cuja ponta foi a Casa Pia ou o caso de Lagoa que Bento XVI condenou em Nova Iorque. Os dois caminhos da conclusão do “Sermão da Montanha” (Mateus 7, 13-23) abrem-se sempre a partir de aqui e agora.»
terça-feira, 16 de março de 2010
Por falar em criatividade, e em ser-se aguerrido...
...depois do post anterior, aqui fica o exemplo da criatividade em mais 1 música óptima além de tantas que já havia, e da energia que ela induz!
Da empregabilidade e dos salários na globalização
"The global economic community, and economic policymakers in governments and global institutions alike, have yet to fully understand the most fundamental economic development in this era of globalization — the doubling of the global labor force."
Com essas palavras abre Richard Freeman o seu artigo em http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=4542. Penso bem que deve ser lido e RELIDO por todos quantos, para os próximos 30 anos (!), de um lado se dispõem a fazer reivindicações salariais, e do outro lado adormecem na linha da participação política em particular quando esta visa relações internacionais.
Como diz o autor, nos últimos 15 anos - com a entrada da China, Índia e países ex-soviéticos no mercado global - a força de trabalho mundial duplicou. Mas sem que o capital (dinheiro + máquinas...) tenha crescido em proporção semelhante. E podemos acrescentar que nem a procura dos produtos pode ter aumentado proporcionalmente, dados os baixos rendimentos desses novos trabalhadores. Freeman diz mesmo que a relação capital/trabalho terá diminuído (contra o trabalho, a favor do capital) 55% a 60%, e que a anterior relação não poderá ser recuperada antes duns 30 anos... Isto é, as expectativas de empregabilidade, e de rendimento do trabalho (salários) com que vivemos até meados da 1ª década do presente século, com que fomos educados e que transmitimos aos actuais jovens, parecem irremediavelmente perdidas para o resto da vida da actual geração de meia idade, e pelo menos para a 1ª metade da vida da actual geração jovem nos países já desenvolvidos na última década do séc. XX.
Mais, Freeman chama ainda a atenção para que, por exemplo na formação de doutorados e engenheiros, a China ultrapassará os EUA ainda este ano. Onde o autor se engana, na minha opinião, é que não é por se ter um diploma superior que se é inovador... Ora, como ele próprio reconhece, pela 1ª vez todas estas economias funcionarão segundo o modelo capitalista. Mas este último, diz-se desde Schumpeter, proporciona o crescimento económico sob 2 condições: a 2ª é a disponibilidade de capital para investir; a 1ª é a da inovação (de produtos, de modos de produzir, de mercados...). E a criatividade que subjaze à inovação creio que depende de 2 atitudes ou faculdades mentais, implementadas por culturas que as valorizem: por um lado o espírito crítico - pois a inovação constitui a face positiva da moeda cuja 1ª face é negativa, a destruição do estado de coisas dado, ou como dizia Schumpeter, trata-se duma "destruição criadora". Por outro lado, o individualismo - pois se o desenvolvimento de projectos é por norma trabalho de equipa, a ideia chave é normalmente lançada por 1 pessoa. E esses são traços culturais estritamente ocidentais, em especial respectivamente desde a Modernidade e a Reforma Protestante. O Ocidente não deverá pois ter ainda perdido esta (se Schumpeter não se enganou: decisiva) vantagem comparativa... desde que consiga resguardar patentes, direitos de autor, etc.
Em suma: o trabalho passou a valer pouquíssimo - ainda para mais com as facilidades de deslocalizações graças aos actuais meios de transporte - o capital passou a valer muito mais - por proporcionalmente haver menos - o que significa que, no mundo desenvolvido, o rendimento pelo trabalho TERÁ que diminuir, enquanto em todo o mundo o rendimento pelo capital (os proveitos da banca, dos donos das fábricas, etc.) TERÁ que aumentar - isto, se a lei da procura e da oferta não for falsa... A desigualdade de rendimentos aumentará assim, de modo que, se não forem falsos os argumentos que mencionei no parágrafo 2.2.3 de O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, consequentemente aumentará a contradição interna na identidade ocidental, e porventura mesmo diminuirão as condições de qualquer crescimento económico (a longo prazo provavelmente mais difícil quando menos agentes têm acesso ao crédito).
Além daquela salvaguarda intransigente de patentes... 2 coisas me parece que haverá assim que fazer no horizonte político ocidental, e portanto em Portugal (!): A) investir a força diplomática, económica... que ainda tenhamos num "new model of globalization and new policies that put upfront the well-being of workers around the world". Assumindo porém que o tempo de vivermos às cavalitas de populações distantes... já lá vai! O nosso único objectivo político realista passou a ser o de mantermos uma autonomia que nos permita implementarmos os valores com que nos identificamos, ou seja, evitar que sejam agora os outros a viver às nossas cavalitas.
B) Em A próxima década portuguesa citei os conceitos de "produtor de coisas" e "produtor de ideias", para distinguir respectivamente os previsíveis loosers e winners da competição globalizada. Segundo o economista citado nesse post, o busílis estará na educação - isto é, não na generalização da frequência escolar e na distribuição de diplomas, mas na eficácia da educação! Mas, nesta ênfase na educação, além de todos os conhecimentos que os chineses, etc., também já têm, além dos valores da perseverança, do trabalho, que esses outros têm... e nós tivemos (!), em particular creio termos ainda que enfatizar a atrás referida identificação cultural dos jovens ocidentais, e as competências (de resolução de problemas, criatividade, iniciativa...) que implementem a inovação.
Esse (o político) é o horizonte imediato, aquele onde se tapam buracos... no referido ensaio argumentei que as causas dos problemas estruturantes se encontram porém num outro horizonte, fundamental. Creio que aí é que se poderão traçar soluções estruturantes (nesse ensaio propus precisamente uma pista nesse sentido).
Com essas palavras abre Richard Freeman o seu artigo em http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=4542. Penso bem que deve ser lido e RELIDO por todos quantos, para os próximos 30 anos (!), de um lado se dispõem a fazer reivindicações salariais, e do outro lado adormecem na linha da participação política em particular quando esta visa relações internacionais.
Como diz o autor, nos últimos 15 anos - com a entrada da China, Índia e países ex-soviéticos no mercado global - a força de trabalho mundial duplicou. Mas sem que o capital (dinheiro + máquinas...) tenha crescido em proporção semelhante. E podemos acrescentar que nem a procura dos produtos pode ter aumentado proporcionalmente, dados os baixos rendimentos desses novos trabalhadores. Freeman diz mesmo que a relação capital/trabalho terá diminuído (contra o trabalho, a favor do capital) 55% a 60%, e que a anterior relação não poderá ser recuperada antes duns 30 anos... Isto é, as expectativas de empregabilidade, e de rendimento do trabalho (salários) com que vivemos até meados da 1ª década do presente século, com que fomos educados e que transmitimos aos actuais jovens, parecem irremediavelmente perdidas para o resto da vida da actual geração de meia idade, e pelo menos para a 1ª metade da vida da actual geração jovem nos países já desenvolvidos na última década do séc. XX.
Mais, Freeman chama ainda a atenção para que, por exemplo na formação de doutorados e engenheiros, a China ultrapassará os EUA ainda este ano. Onde o autor se engana, na minha opinião, é que não é por se ter um diploma superior que se é inovador... Ora, como ele próprio reconhece, pela 1ª vez todas estas economias funcionarão segundo o modelo capitalista. Mas este último, diz-se desde Schumpeter, proporciona o crescimento económico sob 2 condições: a 2ª é a disponibilidade de capital para investir; a 1ª é a da inovação (de produtos, de modos de produzir, de mercados...). E a criatividade que subjaze à inovação creio que depende de 2 atitudes ou faculdades mentais, implementadas por culturas que as valorizem: por um lado o espírito crítico - pois a inovação constitui a face positiva da moeda cuja 1ª face é negativa, a destruição do estado de coisas dado, ou como dizia Schumpeter, trata-se duma "destruição criadora". Por outro lado, o individualismo - pois se o desenvolvimento de projectos é por norma trabalho de equipa, a ideia chave é normalmente lançada por 1 pessoa. E esses são traços culturais estritamente ocidentais, em especial respectivamente desde a Modernidade e a Reforma Protestante. O Ocidente não deverá pois ter ainda perdido esta (se Schumpeter não se enganou: decisiva) vantagem comparativa... desde que consiga resguardar patentes, direitos de autor, etc.
Em suma: o trabalho passou a valer pouquíssimo - ainda para mais com as facilidades de deslocalizações graças aos actuais meios de transporte - o capital passou a valer muito mais - por proporcionalmente haver menos - o que significa que, no mundo desenvolvido, o rendimento pelo trabalho TERÁ que diminuir, enquanto em todo o mundo o rendimento pelo capital (os proveitos da banca, dos donos das fábricas, etc.) TERÁ que aumentar - isto, se a lei da procura e da oferta não for falsa... A desigualdade de rendimentos aumentará assim, de modo que, se não forem falsos os argumentos que mencionei no parágrafo 2.2.3 de O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, consequentemente aumentará a contradição interna na identidade ocidental, e porventura mesmo diminuirão as condições de qualquer crescimento económico (a longo prazo provavelmente mais difícil quando menos agentes têm acesso ao crédito).
Além daquela salvaguarda intransigente de patentes... 2 coisas me parece que haverá assim que fazer no horizonte político ocidental, e portanto em Portugal (!): A) investir a força diplomática, económica... que ainda tenhamos num "new model of globalization and new policies that put upfront the well-being of workers around the world". Assumindo porém que o tempo de vivermos às cavalitas de populações distantes... já lá vai! O nosso único objectivo político realista passou a ser o de mantermos uma autonomia que nos permita implementarmos os valores com que nos identificamos, ou seja, evitar que sejam agora os outros a viver às nossas cavalitas.
B) Em A próxima década portuguesa citei os conceitos de "produtor de coisas" e "produtor de ideias", para distinguir respectivamente os previsíveis loosers e winners da competição globalizada. Segundo o economista citado nesse post, o busílis estará na educação - isto é, não na generalização da frequência escolar e na distribuição de diplomas, mas na eficácia da educação! Mas, nesta ênfase na educação, além de todos os conhecimentos que os chineses, etc., também já têm, além dos valores da perseverança, do trabalho, que esses outros têm... e nós tivemos (!), em particular creio termos ainda que enfatizar a atrás referida identificação cultural dos jovens ocidentais, e as competências (de resolução de problemas, criatividade, iniciativa...) que implementem a inovação.
Esse (o político) é o horizonte imediato, aquele onde se tapam buracos... no referido ensaio argumentei que as causas dos problemas estruturantes se encontram porém num outro horizonte, fundamental. Creio que aí é que se poderão traçar soluções estruturantes (nesse ensaio propus precisamente uma pista nesse sentido).
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ciências humanas (e economia),
condição do Ocidente
segunda-feira, 15 de março de 2010
Divagações arquitectónicas
Há tempos uma amiga arquitecta, a propósito dum meu post sobre arquitectura, desafiou-me a trazer aqui mais vezes essa área - não sou competente para isso (quer dizer, ainda sou menos do que em outros terrenos que por isso me tenho atrevido a pisar...). Mas a verdade é que a arquitectura distingue-se de outras artes desde logo por, ao contrário destas que podem restar ignoradas em livrarias, museus, salas de concerto... aquela é impositivamente pública. Convivemos com ela diariamente, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente. É pois sempre coisa nossa, por menos que saibamos dar conta disso.
Sabendo da previsão de chuva para o fim de semana, levei assim comigo The condition of Postmodernity, de David Harvey (Oxford: Blackwell, 1990 - creio que já há trad. port.), para ler aleatoriamente nesses 2 dias num hotel de traço vincadamente modernista. Por sinal, acrescentado por um arquitecto tio daquela minha interlocutora. Mas o projecto original é do Eng. Manuel António de Vasconcelos (1907-1960). Como se vê na foto da entrada, nele se destacam as linhas horizontais, curvas que evitam as arestas (v. esquinas arredondadas, corrimão); a elegância cosmopolita duma escadaria teatral, do conforto discreto de madeiras nobres mas combinadas com metais próprios às tecnologias modernas (ex. grandes dobradiças nas portas das áreas comuns, candeeiros, todo o mobiliário da sala de jantar creio que desenhado também por Vasconcelos...); ainda reforçando esse internacionalismo (cosmopolita), v. elementos marítimos ou navais como o óculo ao fundo na foto com um aquário, ou os corrimões e varandas lembrando os convés de navios - que cruzam os mares internacionais entre as terras particulares! O depuramento do traço - despido de enfeites - deixa de fora quase qualquer particularismo cultural (não dei conta de outro além do telhado regional, diferente dos balcões horizontais modernos). E mesmo a natureza é incorporada nessa vivência harmónica, onde tudo tem um lugar (v. foto da sala de jantar).
A questão colocada ao modernismo, como Harvey (Chap. 1) realça, incide precisamente aí: tudo ter um seu lugar. O ideal iluminista de uma ordem universal, muito bem exemplificado pelas ciências modernas, cuja descoberta e assunção prática conduziria a um progresso de todos, enfrenta a questão da legitimação dessa ordem, e concomitantemente de quem terá a legitimidade de a proclamar e implementar... Autores como Adorno e Horkheimer vieram denunciar que aquele projecto de libertação, afinal, na prática constitui mais uma versão da opressão de uns poucos sobre muitos outros. Mesmo autores como Habermas, que mantêm o projecto moderno, adoptam-no em versões fracas.
Daí o regresso a alguma consideração de tradições históricas particulares, nas colagens pós-modernas. Mas, precisamente, que "tradições" são essas ainda? Lembrando-me do exemplo dum outro hotel em S. Miguel, que num seu jardim interior e no mobiliário evoca o Extremo Oriente, o que é que aí se conserva, e se transmite de geração em geração numa tradição particular? A grande disneylandia da arquitectura pós-moderna - em centros comerciais que põem lado a lado colunas gregas e decorações regionais, etc. - me parece propor também, com o modernismo, a desvinculação de alguma tradição cultural, mas já não pela ultrapassagem destas em ordem a um plano universal, antes pela desmultiplicação, em cada sítio, de inúmeras daquelas tradições - creio que é a mais subtil perversão do projecto romântico...
Entretanto a tese geral de D. Harvey é que as grandes concepções sobre o homem, etc., são mediadas para a sua aplicação nomeadamente económica por determinações espaciais e temporais, onde se destacam as arquitectónicas. Por exemplo o uso moderno da perspectiva, terá sugerido a organização vertical das empresas fordistas na II Revolução Industrial, ao passo que a desmultiplicação de perspectivas e de planos irreconciliáveis (Picassso, David Salle...) terá sugerido depois a organização mais horizontal e segmentada no pós-fordismo.
... Mas 1 fim de semana não me chega para mais do que balbuciar a pergunta (e pressupondo provisoriamente aquela tese): por onde andaremos nós hoje? Sem aqueles movimentos contínuos - horizontais, curvos, sem arestas - sem aquela evidenciação confiante dos novos materiais, mas também sem materiais e formas de uma tradição determinada, o que nos propomos, o que sugerimos, com a determinação que fazemos arquitectonicamente do espaço que habitamos?
Sabendo da previsão de chuva para o fim de semana, levei assim comigo The condition of Postmodernity, de David Harvey (Oxford: Blackwell, 1990 - creio que já há trad. port.), para ler aleatoriamente nesses 2 dias num hotel de traço vincadamente modernista. Por sinal, acrescentado por um arquitecto tio daquela minha interlocutora. Mas o projecto original é do Eng. Manuel António de Vasconcelos (1907-1960). Como se vê na foto da entrada, nele se destacam as linhas horizontais, curvas que evitam as arestas (v. esquinas arredondadas, corrimão); a elegância cosmopolita duma escadaria teatral, do conforto discreto de madeiras nobres mas combinadas com metais próprios às tecnologias modernas (ex. grandes dobradiças nas portas das áreas comuns, candeeiros, todo o mobiliário da sala de jantar creio que desenhado também por Vasconcelos...); ainda reforçando esse internacionalismo (cosmopolita), v. elementos marítimos ou navais como o óculo ao fundo na foto com um aquário, ou os corrimões e varandas lembrando os convés de navios - que cruzam os mares internacionais entre as terras particulares! O depuramento do traço - despido de enfeites - deixa de fora quase qualquer particularismo cultural (não dei conta de outro além do telhado regional, diferente dos balcões horizontais modernos). E mesmo a natureza é incorporada nessa vivência harmónica, onde tudo tem um lugar (v. foto da sala de jantar).
A questão colocada ao modernismo, como Harvey (Chap. 1) realça, incide precisamente aí: tudo ter um seu lugar. O ideal iluminista de uma ordem universal, muito bem exemplificado pelas ciências modernas, cuja descoberta e assunção prática conduziria a um progresso de todos, enfrenta a questão da legitimação dessa ordem, e concomitantemente de quem terá a legitimidade de a proclamar e implementar... Autores como Adorno e Horkheimer vieram denunciar que aquele projecto de libertação, afinal, na prática constitui mais uma versão da opressão de uns poucos sobre muitos outros. Mesmo autores como Habermas, que mantêm o projecto moderno, adoptam-no em versões fracas.
Daí o regresso a alguma consideração de tradições históricas particulares, nas colagens pós-modernas. Mas, precisamente, que "tradições" são essas ainda? Lembrando-me do exemplo dum outro hotel em S. Miguel, que num seu jardim interior e no mobiliário evoca o Extremo Oriente, o que é que aí se conserva, e se transmite de geração em geração numa tradição particular? A grande disneylandia da arquitectura pós-moderna - em centros comerciais que põem lado a lado colunas gregas e decorações regionais, etc. - me parece propor também, com o modernismo, a desvinculação de alguma tradição cultural, mas já não pela ultrapassagem destas em ordem a um plano universal, antes pela desmultiplicação, em cada sítio, de inúmeras daquelas tradições - creio que é a mais subtil perversão do projecto romântico...
Entretanto a tese geral de D. Harvey é que as grandes concepções sobre o homem, etc., são mediadas para a sua aplicação nomeadamente económica por determinações espaciais e temporais, onde se destacam as arquitectónicas. Por exemplo o uso moderno da perspectiva, terá sugerido a organização vertical das empresas fordistas na II Revolução Industrial, ao passo que a desmultiplicação de perspectivas e de planos irreconciliáveis (Picassso, David Salle...) terá sugerido depois a organização mais horizontal e segmentada no pós-fordismo.
... Mas 1 fim de semana não me chega para mais do que balbuciar a pergunta (e pressupondo provisoriamente aquela tese): por onde andaremos nós hoje? Sem aqueles movimentos contínuos - horizontais, curvos, sem arestas - sem aquela evidenciação confiante dos novos materiais, mas também sem materiais e formas de uma tradição determinada, o que nos propomos, o que sugerimos, com a determinação que fazemos arquitectonicamente do espaço que habitamos?
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quarta-feira, 10 de março de 2010
Da responsabilidade ética da arte
Diversos artistas - ou talvez mais ainda: comentadores, historiadores da arte... - têm pretendido que a arte é independente da ética. As obras de arte serão assim meras propostas ou aberturas de possibilidades ocultas - mais no caso da arte representativa - ou até meras produções, porventura abstractas, de beleza, senão mesmo de quaisquer impressões emocionais (nojo, etc., etc.). Mas, se se aceita definir a arte pelas consequências das obras que são supostas constituírem-na, a questão será se se deve suspender essa definição nos efeitos emocionais directos, ou se não se deverá considerar os comportamentos que por sua vez decorrerão daquelas emoções (até porque sem a evidência destes é difícil identificar as ditas emoções!).
O documentário - cujo trailer incorporo a seguir - sobre a envolvência de um filme nazi alerta para a possibilidade dumas consequências, eticamente significativas, a larga escala - o estímulo que Goebbels esperava que produzisse nos militares que teriam que o ver. E, principalmente, não para a possibilidade mas para a efectividade doutras consequências, estas privadas: as da evidente incapacidade dos descendentes do realizador não se colocarem, de alguma forma, em relação às opções do seu pai ou avô, isto é, de se lhes referirem com a neutralidade que aparentemente seria devida sobre o que compromete apenas quem as fez.
Ainda que o artista seja apenas co-responsável pelos eventuais efeitos razoavelmente directos das suas obras, porventura será também um artificialismo desligá-lo inteiramente destes.
Lamento, mas não sei como se ajusta o videoclip a este template!
Para seguir a discussão sobre esse documentário e o seu tema v. http://blogs.nybooks.com/post/420372304/himmlers-favorite-jew .
O documentário - cujo trailer incorporo a seguir - sobre a envolvência de um filme nazi alerta para a possibilidade dumas consequências, eticamente significativas, a larga escala - o estímulo que Goebbels esperava que produzisse nos militares que teriam que o ver. E, principalmente, não para a possibilidade mas para a efectividade doutras consequências, estas privadas: as da evidente incapacidade dos descendentes do realizador não se colocarem, de alguma forma, em relação às opções do seu pai ou avô, isto é, de se lhes referirem com a neutralidade que aparentemente seria devida sobre o que compromete apenas quem as fez.
Ainda que o artista seja apenas co-responsável pelos eventuais efeitos razoavelmente directos das suas obras, porventura será também um artificialismo desligá-lo inteiramente destes.
Lamento, mas não sei como se ajusta o videoclip a este template!
Para seguir a discussão sobre esse documentário e o seu tema v. http://blogs.nybooks.com/post/420372304/himmlers-favorite-jew .
segunda-feira, 8 de março de 2010
Sistemas dinâmicos - dos 17 aos 71
No post anterior referi um recente estudo de psicologia que sustenta que os filmes - na edição dos shots que compõem as cenas - vieram ao longo da história a aproximar-se de uma relação matemática que se encontra em diversos fenómenos da natureza, e que também regulará o tempo e o poder da nossa atenção (nomeadamente às cenas cinematográficas). Ou seja, fossem quais fossem os factores iniciais do cinema, e ainda os que se lhes tenham acrescentado, a história do cinema constituir-se-á como um sistema dinâmico ao longo do qual se organiza em ordem à sua subsistência, concretamente por prender a atenção do público que mantém o cinema. E tais sistemas dinâmicos são estruturados matematicamente, seja depois o seu conteúdo ou matéria da ordem da atenção psicológica, ou da ordem da variação de preços nos mercados financeiros, ou da ordem meteorológica, etc.
A propósito daquele estudo - e não estivéssemos nós em época de Óscares e portanto de discussão do cinema! (já agora: em Avatar deixei logo a minha opinião sobre esse filme) - coloco aqui mais uma chamada de atenção ao trabalho em geral do Centro de Análise Matemática, Geometria e Sistemas Dinâmicos a funcionar no IST (Lisboa), e particularmente da sua Acção de divulgação científica "Caos e ordem - controlo de um pêndulo invertido", levada a cabo em 2003 com estudantes do Ensino secundário, e cujo relatório se encontra em http://www.math.ist.utl.pt/~dgomes/projecto.pdf.
A referência, e a utilização, da matemática dos sistemas dinâmicos, das teorias emergentistas, não se estende pois apenas transversalmente da economia à psicologia, etc., estende-se também, longitudinalmente, do ensino secundário aos post-docs. É a isto que se pode chamar "ciência viva"!
A propósito daquele estudo - e não estivéssemos nós em época de Óscares e portanto de discussão do cinema! (já agora: em Avatar deixei logo a minha opinião sobre esse filme) - coloco aqui mais uma chamada de atenção ao trabalho em geral do Centro de Análise Matemática, Geometria e Sistemas Dinâmicos a funcionar no IST (Lisboa), e particularmente da sua Acção de divulgação científica "Caos e ordem - controlo de um pêndulo invertido", levada a cabo em 2003 com estudantes do Ensino secundário, e cujo relatório se encontra em http://www.math.ist.utl.pt/~dgomes/projecto.pdf.
A referência, e a utilização, da matemática dos sistemas dinâmicos, das teorias emergentistas, não se estende pois apenas transversalmente da economia à psicologia, etc., estende-se também, longitudinalmente, do ensino secundário aos post-docs. É a isto que se pode chamar "ciência viva"!
sexta-feira, 5 de março de 2010
Atenção, cinema, e Teoria do caos
Encontrei a relação que o título indica no recente artigo de J. Cutting, J. DeLong e C. Nothelfer, disponível em http://pss.sagepub.com/content/early/2010/02/04/0956797610361679.full.pdf+html. Em síntese, à abordagem (psico-analítica, marxista, feminista...) à história do cinema dividindo-a num período clássico antes de 1960, e noutro daí para cá, os autores contrapõem uma abordagem cognitivista em 3 períodos - antes de c. 1955, daí até c. 1980, e o actual - em função da duração (e pareceu-me que do modo de transição) dos shots que compõem as cenas dos filmes.
Tendo vindo a diminuir essa duração, no 3º período ela aproxima-se duma relação matemática - análise de Fourier, padrão 1/f - que tem sido reconhecida em diversos fenómenos físicos, e que os autores sugerem que estruturará também a mente humana no tempo e no poder de prestarmos atenção. Ou seja, o cinema tem-se aproximado duma regra mental desta nossa capacidade, e essa regra, por sua vez, constitui mais uma aplicação entre tantas outras duma relação puramente formal que é objecto da análise matemática.
Esta disciplina da matemática estuda a estrutura formal dos processos ao longo do tempo. O estudo de casos que estes investigadores levaram a cabo, tendo levantado evidências empíricas da aproximação da duração dos shots àquele padrão de ondas matemáticas, propõe-se assim como um reforço à estratégia - v. Teoria do caos - de conceber os fenómenos (físicos ou mentais) como se estes emerjam ao longo do tempo em função dum qualquer atractor; isto é, como se os seus diversos elementos se vão organizando e sedimentando progressivamente em conformidade a um modelo que todavia resta oculto, e é nessa sedimentação que os fenómenos ganham forma ou se tornam no que são.
Mais, portanto, do que distinguir os elementos básicos seja na física, seja na economia,... seja no cinema, e as respectivas regras de composição, importará determinar o processo formal pelo qual quaisquer daqueles fenómenos se constituem. Da correlação hierárquica entre estas estratégias reducionista e emergentista, aqui lembrada em Emergentismo: unicidade ou complementaridade?, parece voltarmos com este caso do cinema e da atenção à pura e simples substituição da 1ª pela 2ª...
terça-feira, 2 de março de 2010
Sugestão de leitura (outra vez a herança árabe na lusofonia)
"Decía Hegel que el cristianismo o era Trinidad o no era nada. Bueno, si esto es verdad para el cristianismo más si cabe es válido decir para el Islam que o es unitarismo o no es nada. La unidad de Dios (tawḥid), el que nada a Él pueda ser asociado, o sea, a Él parejo es no uno de los pilares del Islam, sino el pilar mismo donde se
asientan los otros cuatro."
"En esta época en que se buscan puntos de unión interculturales también creemos es menester dar cuenta de aquello por lo que en tiempos y, todavía hoy, nos separamos y por lo que nunca podremos ser unos. La polémica que traemos a colación, si bien antiquísima, pone sobre la mesa la más sutil polémica de la que tenemos noticia entre un filósofo árabe musulmán (de hecho al ser el primer auténtico
filósofo en el Islam y por ser de origen árabe es también conocido como “el filósofo de los árabes), ‛Abû Yûsuf Ya‛qûb ibn ‛Ishaq al-Kindī (796-873) y otro filósofo árabe, pero esta vez cristiano y eminentísimo discípulo de al-Fârâbî, Yahya ibn ‛Adiī (m. 974)."
Estas são citações da Introdução, pelos tradutores castelhanos Santiago Escobar Gómez e Juan Carlos González, de La Polémica Trinitária entre os 2 pensadores árabes acima mencionados, que a LusoSofia disponibilizou online em http://www.lusosofia.net/textos/escobar_gomez_gonzalez_lopez_polemica_trinitaria_yaha_ibn_adii_y_al_kindi.pdf . Assinalo este opúsculo como sugestão de leitura teológica, também metafísica - embora não chegue a indicá-lo aqui na respectiva etiqueta porque o interesse aí é bastante indirecto - mas principalmente para voltar à questão da herança árabe e muçulmana na cultura lusófona. Refiro-me à valorização da unidade e unicidade, uma vez estas reconhecidas no ente mais valorizado (Deus).
No rito religioso, não parece que as culturas lusófonas tenham seguido esta orientação. Mais do que a consideração cristã da Santíssima Trindade, e da consideração católica de Maria e de diversos Santos, aquelas culturas integram o culto do Espírito Santo, inicialmente à margem da hierarquia católica, santos populares não reconhecidos por esta última, os brasileiros integraram ainda tradições animistas africanas, etc. A questão é se esta desmultiplicação se constitui como fundamento de um reconhecimento da diferença em geral.
E a resposta sugerida por estatísticas como as aqui referidas em http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2010/01/da-possibilidade-do-liberalismo-no_11.html é negativa. Estas outras sugerem antes a valorização social do colectivo, salientando-se apenas as diferenças hierárquicas entre níveis de sociedades organicistas onde cada indivíduo apenas é reconhecido segundo a respectiva função para o organismo social. O que 1º se valoriza, pois, é a unidade.
Mais: se se valoriza isso ao mesmo tempo em que se proclama uma identidade ocidental, culturalmente cristã, dessas mesmas culturas, desmente-se uma separação fundamental entre estas e aquela identidade. A qual porém, logo na postulação de Deus como trino a despeito de uno na Sua divindade, coloca a diferença a par da unidade. Ou seja, se há 3 pessoas em Deus, há 3 focos de iniciativa, 3 modos de acção,... mesmo que se concertem entre si, no mínimo não é límpido que possam ser reduzidas a órgãos de um organismo. Uma tal redução, em especial se ingénua (não reflectida criticamente), abre caminho àquele desmentido de uma separação entre a tradição efectiva lusófona e a identidade ocidental, na postulação de uma unicidade cultural, isto é, de uma única possibilidade de ser, na subordinação de qualquer diferença à unidade.
Nem que essa unicidade reste como a pura tensão entre ser e não-ser, verdade e falsidade... que também por referência à cultura árabe aqui abordei em Portugal - uma cultura de fronteira!
Fica a questão do significado cultural daquela diversidade no rito religioso lusófono... Não esquecendo porém que o mais significativo num rito não será a sua forma, mas o modo como é vivido pelas sociedades que o implementam, indiciado indirectamente em tudo o que se relacione a tal rito. Por exemplo, se poderá revelar uma fé católica... também poderá expressar um sentimento panteísta bárbaro prévio à cristianização, modulado hierarquicamente pelos valores muçulmanos que apontámos acima, e quase que apenas travestido das formas ou ritos católicos - como alguns suspeitaram no culto popular do Espírito Santo.
(Numa palavra, "Portugal" designará um país efectivo... ou um sonho, um artifício retórico de um Estado que melhor se chamaria qualquer coisa como "Marrocos-do-Norte"?)
asientan los otros cuatro."
"En esta época en que se buscan puntos de unión interculturales también creemos es menester dar cuenta de aquello por lo que en tiempos y, todavía hoy, nos separamos y por lo que nunca podremos ser unos. La polémica que traemos a colación, si bien antiquísima, pone sobre la mesa la más sutil polémica de la que tenemos noticia entre un filósofo árabe musulmán (de hecho al ser el primer auténtico
filósofo en el Islam y por ser de origen árabe es también conocido como “el filósofo de los árabes), ‛Abû Yûsuf Ya‛qûb ibn ‛Ishaq al-Kindī (796-873) y otro filósofo árabe, pero esta vez cristiano y eminentísimo discípulo de al-Fârâbî, Yahya ibn ‛Adiī (m. 974)."
Estas são citações da Introdução, pelos tradutores castelhanos Santiago Escobar Gómez e Juan Carlos González, de La Polémica Trinitária entre os 2 pensadores árabes acima mencionados, que a LusoSofia disponibilizou online em http://www.lusosofia.net/textos/escobar_gomez_gonzalez_lopez_polemica_trinitaria_yaha_ibn_adii_y_al_kindi.pdf . Assinalo este opúsculo como sugestão de leitura teológica, também metafísica - embora não chegue a indicá-lo aqui na respectiva etiqueta porque o interesse aí é bastante indirecto - mas principalmente para voltar à questão da herança árabe e muçulmana na cultura lusófona. Refiro-me à valorização da unidade e unicidade, uma vez estas reconhecidas no ente mais valorizado (Deus).
No rito religioso, não parece que as culturas lusófonas tenham seguido esta orientação. Mais do que a consideração cristã da Santíssima Trindade, e da consideração católica de Maria e de diversos Santos, aquelas culturas integram o culto do Espírito Santo, inicialmente à margem da hierarquia católica, santos populares não reconhecidos por esta última, os brasileiros integraram ainda tradições animistas africanas, etc. A questão é se esta desmultiplicação se constitui como fundamento de um reconhecimento da diferença em geral.
E a resposta sugerida por estatísticas como as aqui referidas em http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2010/01/da-possibilidade-do-liberalismo-no_11.html é negativa. Estas outras sugerem antes a valorização social do colectivo, salientando-se apenas as diferenças hierárquicas entre níveis de sociedades organicistas onde cada indivíduo apenas é reconhecido segundo a respectiva função para o organismo social. O que 1º se valoriza, pois, é a unidade.
Mais: se se valoriza isso ao mesmo tempo em que se proclama uma identidade ocidental, culturalmente cristã, dessas mesmas culturas, desmente-se uma separação fundamental entre estas e aquela identidade. A qual porém, logo na postulação de Deus como trino a despeito de uno na Sua divindade, coloca a diferença a par da unidade. Ou seja, se há 3 pessoas em Deus, há 3 focos de iniciativa, 3 modos de acção,... mesmo que se concertem entre si, no mínimo não é límpido que possam ser reduzidas a órgãos de um organismo. Uma tal redução, em especial se ingénua (não reflectida criticamente), abre caminho àquele desmentido de uma separação entre a tradição efectiva lusófona e a identidade ocidental, na postulação de uma unicidade cultural, isto é, de uma única possibilidade de ser, na subordinação de qualquer diferença à unidade.
Nem que essa unicidade reste como a pura tensão entre ser e não-ser, verdade e falsidade... que também por referência à cultura árabe aqui abordei em Portugal - uma cultura de fronteira!
Fica a questão do significado cultural daquela diversidade no rito religioso lusófono... Não esquecendo porém que o mais significativo num rito não será a sua forma, mas o modo como é vivido pelas sociedades que o implementam, indiciado indirectamente em tudo o que se relacione a tal rito. Por exemplo, se poderá revelar uma fé católica... também poderá expressar um sentimento panteísta bárbaro prévio à cristianização, modulado hierarquicamente pelos valores muçulmanos que apontámos acima, e quase que apenas travestido das formas ou ritos católicos - como alguns suspeitaram no culto popular do Espírito Santo.
(Numa palavra, "Portugal" designará um país efectivo... ou um sonho, um artifício retórico de um Estado que melhor se chamaria qualquer coisa como "Marrocos-do-Norte"?)
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