sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Uma de quatro
Do prestígio (julgo que este é o termo mais vezes usado) que advém para Portugal do presente Presidente da Comissão, cada um julgue como lhe aprouver... mas eu sugeriria que se considerasse as opiniões expressas internacionalmente, e não aquelas que nós gostaríamos, e que queremos acreditar, que a maioria silenciosa dos europeus, ou os seus líderes lá no seu fundo, pensam. Depois também não sei bem o que significa "prestígio", compreendo melhor a palavra "resultados", os quais (da Presidência Barroso), se Portugal entrou há anos em divergência com as médias europeias, ou bem que são insuficientes, ou bem que contribuem mesmo para essa queda.
Mas para a maioria dos portugueses (na qual, neste caso, me incluo), que ao que parece nada esperam da generalidade dos políticos nacionais, isso é o que menos importa. Ameaçadora de facto é a generalização que os autores do artigo estendem hoje à escolha dos dirigentes para a ONU, a NATO, o Banco Mundial... - "a sua selecção assenta no princípio da mediocridade e eles são incapazes de estar à altura das possibilidades que os seus cargos oferecem". Isto significa 1 de 4: Ou bem que toda a minha etiqueta condição do Ocidente está errada, e não há qualquer crise civilizacional (mais funda e grave do que a financeiro-económica); ou bem que o que está errado é a ideia de que em tempo de crise se torna relevante a competência dos líderes (não só políticos) das comunidades, e tanto em tempestade como em bonança são igualmente secundários; ou bem que estes e outros comentadores estão errados, e os actuais líderes políticos europeus e ocidentais são competentes; ou bem que mais um sintoma, e factor, da crise é essa escolha desta gente - isto é, estamos metidos numa camisa de onze varas.
quinta-feira, 27 de agosto de 2009
"Leonardo da Vinci - O Génio"
segunda-feira, 24 de agosto de 2009
Porque é que 2^0 = 1, e não 2^0 = 0?... E a que propósito 1 galáxia mais 1 galáxia são 2 galáxias?!
domingo, 23 de agosto de 2009
Um crepúsculo da América?
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
Aquém do sentido
R. Leão, "Vida tão estranha", in: A Mãe
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Dos demónios ocidentais
A civilização ocidental optimizou a tal ponto as capacidades humanas, e articulou-se a tal ponto com as nossas condições naturais, que desenvolveu o poder que permitiu a uma pequena parcela da humanidade, originalmente habitando essa pequena, não muito rica, e em parte gelada península asiática que é a Europa, unificar e regular o globo desde o séc. XV. Mas também temos os nossos demónios!
Já tenho referido aqui a dimensão ecológica. Mas outras há nas quais nos podemos perder...
A determinação dos valores segundo os quais há que exercer, e porventura limitar, aquele poder, é tão ou mais importante que o desenvolvimento deste último. É que pode haver gente sem grande poder, mas a inversa não funciona.
Tudo isto são frases batidas. Mas a torre da Igreja Memorial está aí para nos lembrar quem não lhes ligou. E possivelmente por isso viveram a I Guerra Mundial, de que não estavam à espera, a II Guerra Mundial, que não julgavam possível, a consequente extensão do império russo até meio da Alemanha, que nunca haviam imaginado...
sexta-feira, 14 de agosto de 2009
"Burkini": uma questão teórica, e uma questão prática
Naturalmente que só se pôs a questão das liberdades quando a Europa ocidental se constituiu como espaço homogéneo, como casa abrigada. Sem uma casa defendida, evidentemente, não há liberdades possíveis. Os dois problemas constituem um só".
Com esses 2 parágrafos abre Fernand Braudel a secção ocidental (III) da sua obra Gramática das Civilizações, trad. T. Costa, Lisboa: Teorema, 1989 (1963), p. 291. Creio que ilustra muito bem as 2 questões que me ocorreram ontem ou ante-ontem após a notícia de uma muçulmana impedida de tomar banho numa piscina pública francesa com o seu burkini - ocorreram-me... depois do espanto, e o pelo nome ainda foi menor que o pela imagem da indumentária com que a mulher, muito cândidamente, se dispôs a tomar banho! (Mas albarda-se o burro à vontade do dono).
A 1ª questão é teórica, e versa a identidade que desenvolvemos nomeadamente ao lidar com os nossos diferentes, cuja mão-de-obra nos tem interessado. Se nos temos identificado pelo exercício da liberdade, então antes ainda de proibições como aquela chegarem ao seu destino, logo no agente estão destruindo essa identidade, precisamente em nome da qual a proibição será feita - Cuidado com os tiros nos pés.
A questão porém é mais complexa: ainda no âmbito da liberdade, como acentua o historiador francês, algumas destas podem excluir-se mutuamente. A liberdade do uso do burkini no Ocidente exclui a liberdade duma ética social universalista que se proponha apontar a todos os costumes aceitáveis. Mas não exclui a liberdade de uma ética política liberal que se limite a postular que a liberdade prática de cada um termina quando começa a do próximo - que uma mulher se cubra da cabeça aos pés para tomar banho (o burkini inclui até uma saia por cima das calças, não fosse alguma forma se adivinhar...) não exclui inclusivamente que, perante esse espectáculo, pensemos que quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga!
É portanto da nossa filiação na tradição moderna iluminista, eminentemente francesa, versus uma nossa filiação na variante anglo-saxónica da Modernidade, que trataremos ao tratar dessas questões de burkas, etc.
Mas há ainda uma 2ª questão, esta prática: Números como os apontados em O peso da demografia indicam que, a bem ou a mal, teremos que lidar com não ocidentais no centro mesmo do espaço tradicional desta civilização. Os demógrafos costumam traçar as suas previsões em intervalos entre cenários mais optimistas, e outros mais pessimistas, em qualquer caso creio que deveremos escolher lidar a bem... no nosso, nem sequer no interesse deles!
Com efeito, as curvas demográficas dos ocidentais e dos muçulmanos são de tal ordem que a nossa opção prática parece ser entre uma integração da diferença (que não poderá ser a da sua dissolução!), que nos obrigue a cedências, e uma tensão de desfechos imprevisíveis... mas que muito provavelmente nos destruirão mais do que aquelas cedências.
As 2 questões talvez se relacionem: porventura a prática determina a teórica como uma escolha entre a ultrapassagem da herança iluminista, de um lado, e do outro a desvalorização de qualquer liberdade, no abandono da identidade ocidental.
quinta-feira, 13 de agosto de 2009
3 Notas sobre isso de "consciência"
Foi esta a metodologia assumida - ainda que talvez não sistematicamente desenvolvida - por Jeffrey Gray em Consciousness - Creeping Up on the Hard Problem, Oxford: Oxford University Press, 2004. Tendo lido mais algumas passagens suas depois de escrever Livre arbítrio, mente... e "robopatas", apontarei aqui 3 notas: a 1ª e a 2ª com o balanço e a projecção que fez em 2004 (ou 2003, pois morreu em Abril de 2004) da abordagem neurocientífica à consciência, a 3ª com uma cogitação minha sobre o assunto.
1ª - No parágrafo 8.1 o autor aponta 9 assunções (A) que julga deverem ser feitas, ou escolhidas entre elas, por qualquer futura (!) teoria completa da consciência:
A1: As neurociências vieram confirmar, com a metodologia científica, o que a filosofia do conhecimento afirmara (pelo menos desde Kant) mediante a análise lógica do acto de conhecer - o mundo percebido é uma construção do cérebro, ou da mente, na base de sensações (inconscientes). Mas haverá alguma correspondência entre esse mundo mentalmente construído e aquilo a que ele se refira (o mundo real), pois só se assim se explica que acções que se orientam segundo o 1º tenham sucesso ao se desenvolverem no 2º. Tal como haverá alguma correspondência entre as construções de diversas pessoas, ou não poderíamos agir em complementaridade, como fazemos.
A2: Um bom exemplo desse processo construtivo é a visão - por sinal, o sentido que muitas vezes serve de analogia ao conhecimento.
A3: Essas 2 correspondências dever-se-ão a algum valor para a sobrevivência individual, ou reprodução da espécie, que a consciência - que as implementa - logrará.
A4: Essa consciência terá sido a forma mais fácil do cérebro, na sua evolução filogenética, alcançar esse poder de sobrevivência para a espécie humana.
A5: Isso de "consciência" poderá não ser exclusivo dos mamíferos humanos; embora só nestes ela tenha facultado funções como a linguagem estruturada sintáctica e semanticamente.
A6: Os conteúdos da experiência consciente ("qualia": verdes, salgados...) são inteiramente perceptuais, e em geral (mas não constitutivamente) estão marcados pela intencionalidade das respectivas percepções.
A7: Os qualia são construídos pela mente (cérebro) inconsciente, advindo automática e involuntariamente à consciência.
A8: A experiência consciente selecciona apenas uma pequena parte dos processos mentais, e, daqueles, apenas uma pequena parte de cada um.
A9: Tal como na percepção, também na tomada de decisão a consciência é posterior - isto é, as nossas opções práticas já estavam inconscientemente feitas quando delas tomamos consciência.
2ª - Nos parág. 8.2-8.4 esse neuropsicólogo esboça uma teoria parcial da consciência na base anterior. Em síntese, chamar-se-á "consciência" à faculdade de conceber um mundo externo razoavelmente estável a partir dos qualia, mundo esse no qual depois ela detecta erros pela comparação das expectativas aos resultados obtidos (v. V. Burgin, UK76!), e gera a correcção desses erros.
Gray enjeita o funcionalismo (Livre arbítrio, mente... e "robopatas" (2)) dado o facto de nem sempre uma função mental corresponder a um único quale (ex. sinestesia). E enjeita o epifenomenalismo - tese de que a consciência não é mais do que uma expressão vivencial de fenómenos electro-químicos, de modo que ela não terá quaisquer intervenções causais - precisamente por lhe reconhecer eficácia causal (ex. correcção de erros).
Dada esta eficácia, a consciência não se limita a um mero sentimento de si, isto é, ao reconhecimento de que há alguém fazendo isto que me encontro a fazer, e que é quem me lembro de fazer outras coisas antes e me preparo para outras depois. Mais do que disso, a consciência será espontânea, geradora de efeitos.
3ª - "...Science looks to 'reduction' (...) to show that phenomena encountered at one level, or better still the scientific laws used to explain them, can be eliminated ('reduced') in favour of phenomena or laws encountered at a more general level. (...) reduction of conscious experience might take the form of showing that this can be explained by the laws of physics, or by the principles of cybernetics. (...) - assuming, that is, that reduction is possible at all" (op.cit.: 304). O itálico é meu, visa enfatizar uma frase que talvez se constitua como a melhor pista que o autor deixa para a incompletude que ele, do princípio ao fim do livro, atribui á actual teoria neurocientífica da consciência.
Porventura a nova e completa teoria para que ele apela simplesmente deverá desistir de tentar reduzir os fenómenos ditos "conscientes" seja a funções (segundo os princípios cibernéticos), seja às leis físico-químicas, seja a outro ainda.
Pergunto-me se uma pista não será a da inversão desse movimento: o que se chamará "consciência" é que estará na base conceptual do que se chamará "funções", "átomos" e "moléculas", etc. Afinal, a que se atribui uma reflexão sobre processos mentais como precisamente esta das neurociências? As teses destas últimas ultrapassam em muito as meras expectativas consideradas pelo detector de erros, com o qual o autor parece identificá-la. A reflexão, não passiva ou epifenoménica, mas geradora destes conceitos com os quais, depois, se dirá que o mundo é uma construção mental, etc., talvez seja a 1ª nota do que se chamará "consciência", antes de quaisquer sentimentos de si ou de qualquer eficácia causal.
Mas neste caso - contra Gray - não vejo como possam os métodos científicos tomar a dianteira na investigação sobre a consciência. Trarão desenvolvimentos, confirmações e correcções pontuais, mas o busílis continuará apenas visado, não direi "ao alcance de" mas "visado" (!), pela tradicional análise lógica filosófica.
sábado, 8 de agosto de 2009
Livre arbítrio, mente... e "robopatas" (2)
Antes de avançar mais 1 passo em alguma dessas questões, deixo aqui a referência a um recente estudo que elucida melhor a sociopatia humana à qual a inteligência artificial está assim a ser eventualmente reportada. É o artigo de J. Decety et. al., "Atypical empathic responses in adolescents with aggressive conduct disorder: A functional MRI investigation", Biological Psyhology, 80 (2) 2009: 203-211 (http://ccsn.uchicago.edu/events/Decety_BiologicalPsy2008.pdf).
A hipótese a testar foi a de que os adolescentes violentos se revelariam emocionalmente indiferentes ao sofrimento das respectivas vítimas. A metodologia empregue foi a da visualização do cérebro em actividade, aplicada a tais jovens que assistiam a imagens de violência. A MRI, porém, infirmou aquela hipótese, revelando antes que, nos delinquentes, as emoções são solicitadas... mas mediante os centros cerebrais do prazer! Ou seja, invertendo a empatia pela qual se sofre perante o sofrimento de um semelhante a nós, aparentemente a sociopatia associa prazer no próprio ao sofrimento alheio - sofrimento de algo que assim deixará de ser semelhante ao sujeito do prazer. Daí a opção por comportamentos destrutivos ao invés de construtivos ou pelo menos liberais.
Voltando aos robots, e à questão da escolha ética, desde logo me parece que essa experiência coloca mais um problema à tese funcionalista segundo a qual a mente se explica pelas funções exercidas, nomeadamente desde um input a um output passando pelo tratamento lógico, formal da informação; sendo indiferente que o que implementa tais funções sejam células nervosas (neurónios), ou semicondutores num sistema de hardware, etc. - daí a ideia de que a inteligência artificial será equivalente à humana - e derivando o output (comportamentos resultantes) do input + regras de tratamento da informação.
Diferentemente, no momento intermédio do tratamento da informação pelos vistos ocorrem qualidades emocionais (sofrimento, prazer...) que não derivam do input, nem decorrem estritamente do sistema de tratamento da informação, mas que determinam o sentido desta última, condicionando assim o output comportamental - ex. ou o sofrimento que gera solidariedade, ou o prazer que gera destruição gratuita.
A questão de uma eventual "robopatia" dependerá então 1) da inteligência artificial poder gerar tais qualidades, não se restringindo ao tratamento formal da informação; e 2) dessa geração ser livre, escapando à programação prévia do robot, de tal modo que nestes possam passar a ocorrer qualidades emocionais pervertidas. Note-se que isto porventura se conjuga com toda uma teoria da mente, nomeadamente com os processos perceptivos pelos quais se reconhece o outro como semelhante, ou como objecto de exercício do poder; ou com os processos éticos e mesmo existenciais pelos quais se opta pelo poder-destruir em detrimento do poder-construir...
sexta-feira, 7 de agosto de 2009
Civilização e o valor da hipocrisia
Refiro-me à ilusão de que essa hipocrisia seja algo a combater, nomeadamente numa sua denúncia militante.
Com efeito, parece-me bem plausível que tal hipocrisia seja antes um mal menor. Tenho estado a reler alguns parágrafos soltos de Dietrich Schwanitz, Cultura - Tudo o que é preciso saber, 2ª ed., trad. L. Nahodil, Lisboa: Dom Quixote, 2004. Por mais de uma vez o autor salienta a importância que, na sua interpretação, teve para a história (nomeadamente o desvario nazi) a falta de uma corte nos Estados alemães, por contraposição às cortes francesa e inglesa. Nestes outros países a constituição de Estados-Nação, dotados de administração e exército que respondiam perante o rei e/ou os ministros que dele dependiam (na Inglaterra crescentemente do Parlamento), é concomitante da substituição dos comportamentos de poder discricionário dos senhores nos respectivos feudos, por comportamentos corteses, mediante os quais os senhores disputavam as boas graças do soberano. A cortesia - parafraseando uma frase sobre política - surgiu como a continuação da violência directa e física (da guerra) por outros meios. Sendo uma guerra que se não assume como tal, é constitutivamente hipócrita.
É desagradável? É. Destrói mais, e gera um maior sofrimento do que a violência medieval? Sinceramente, não me parece. Logo, é um mal menor.
Um mal que poderá ser ultrapassado numa condição: a de se ultrapassar o magistério de Jesus Cristo - que dizia "muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos" - e conseguir-se uma tal retórica que detone na generalidade dos interlocutores a coragem para enfrentarem as suas limitações, e a generosidade para as ultrapassarem. Enquanto estes optimistas se ficarem pelo nível do tonto do Platão, que acreditou que ia convencer um tirano e acabou feito escravo por este - para já nem dizer pelo nível dos aldrabões que nas faculdades de ciências da educação promovem as novas pedagogias e praticamente insultam quem não centra a escola nos alunos... para ganharem os salários que lhes permitem pagar os colégios particulares tradicionalistas onde põem os filhos a estudar - a opção geral que resta é apenas entre a violência dos senhores feudais e a hipocrisia desenvolvida pelos cortesãos.
Isto não significa que íntima, ou privadamente, não sejam possíveis aquelas coragem e generosidade. Mas estes serão desafios para cada pessoa, vencidos por uns (poucos?), perdidos por outros (muitos?), provavelmente até mais fáceis de vencer se o meio onde se jogam - povoado pelos que os perderam - for o da menor destruição apenas pela hipocrisia.
Os pretensos méritos da classe social mais representativa da ordem geral da sociedade deverão assim ser denunciados num convite a cada um para a coragem e a generosidade. Mas essas denúncias deverão restar contidas aquém do limite para além do qual a hipocrisia cortês, civilizada, é substituída pela barbárie. Pois esta destrói a civilização que melhor potencia, apesar de tudo, a existência humana.
quarta-feira, 5 de agosto de 2009
"Da esperança na salvaguarda da Natureza" (14/04/1989)
Se assim for, isto é, se tivermos "que viver no nosso quotidiano o que daqui decorrer" - portanto, se esse amanhã vier mesmo a ser hoje para nós - então valerá a pena apontar, de um lado, os instrumentos teórico-práticos mediante os quais uns (muitos!) fizeram a previsão de que a Natureza se auto-regenera indefinidamente; em paralelo aos instrumentos teórico-práticos mediante os quais alguns (poucos) previram antes que 1) a auto-regeneração da Natureza seria limitada, e 2) que nos estávamos a aproximar a uma velocidade crescente desse limite.
Por outro lado, relativamente apenas a esta 2ª previsão, valerá a pena apontar os instrumentos teórico-práticos mediante os quais alguns destes previram que uma retórica apropriada poderia levar a uma reorientação política, económica e social que evitasse consequências ecológicas graves; em paralelo aos instrumentos teórico-práticos mediantes os quais outros, creio que menos ainda, previmos que essa reorientação só seria possível quando as populações mais implicadas na poluição começassem a partir os dentes na parede por elas criadas. Esperando depois "que ainda vão a tempo"...
Por certo que instrumentos que tenham uma vez facultado previsões que se verificam não ficam por isso garantidos para todo o sempre. Mas, no mínimo, merecerão agora um pouco mais de atenção do que aqueles outros cujo uso tiver falhado redondamente.
"Chegam notícias de problemas ecológicos, e de conferências internacionais sobre as medidas a tomar, de missões científicas que os estudam, de confrontos entre populações e polícia, ou até mesmo de tensões entre países a propósito desta questão. Tudo isso sem resultados animadores à vista. A partir daí, e fazendo fé nos alertas que se têm lançado, mesmo que nestes se desconte algum exagero, que esperança pode ter o cidadão comum na manutenção do actual estado da Natureza, ou do seu melhoramento em casos que já o imponham?
Em primeiro lugar tomemos consciência que este problema poderá mesmo ser nosso, isto é, é bem possível que tenhamos que viver no nosso quotidiano o que daqui decorrer. Por um lado, quanto às medidas que se tomarem: porque se pensa hoje que o que acontece num ponto do planeta terá consequências no ponto oposto, e zonas como a Amazónia podem ter mesmo uma importância vital; e porque o princípio da nossa atitude quanto às questões globais, para as quais não somos tidos nem achados a não ser para a partilha das consequências (embora aqui, para compensar a ausência nas decisões, poderá caber-nos a parte do leão, que é o que nestas coisas costuma acontecer aos mais pobres, como já se vai vendo, se bem que por enquanto só com os mais pobres dos pobres), é o mesmo princípio que nos norteará nos assuntos da nossa jurisdição. Por outro lado, quanto à perspectiva do momento das consequências eventuais: porque o tempo histórico é relativo, uma década contemporânea faz a história avançar mais do que um século de ainda há pouco tempo atrás - não se pode perspectivar o futuro a partir do ritmo histórico do passado; e porque não é por uma coisa nunca ter acontecido que se pode concluir que não acontecerá - o avanço tecnológico pôs o planeta nas nossas mãos, e quer para o presente quer, segundo se julga quanto à radioactividade, para a determinação dos próximos milénios - talvez fosse de pensar nisto nas pausas para o café, se é que de facto é em nome dos nossos filhos, e dos seus cinco automóveis, três moradias, e férias no Hawai, que a actual febre progressista encontra o seu fundamento...
A estrutura política que condicionará as decisões que se tomarem será, maioritariamente, democrática, pois este é o regime da maioria dos países altamente industrializados - os mais poderosos e os mais poluentes. Que esperar então da resposta democrática a este problema? Pouco. A política, em democracia, está bastante condicionada pelo eleitorado; ora este geralmente é estúpido. Não nos referimos à incapacidade de raciocinar, ou seja, de encadear juízos segundo regras lógicas. Referimo-nos antes à incapacidade de constituir propriamente aquilo que, seguidamente, poderá ser objecto de raciocínios; trata-se de clareza e profundidade. Os políticos, para além de estarem bastante condicionados pelos seus eleitores, não costumam dar provas de ficarem muito atrás destes últimos quanto à incapacidade referida - como sinal disto, veja-se como são tão raros quanto honrosos os exemplos de líderes com uma consciência do processo histórico que lhes tenha permitido uma actuação que, mesmo sem grandes méritos imediatos, optimizasse o médio e longo prazo. Habitualmente as atenções incidem sobre o mais imediato - o que não levantou dificuldades de maior enquanto as consequências nem eram planetárias nem milenárias; mas, agora, e pela alteração destas características, não importa repetir que o horizonte do problema estará a mudar.
Por outro lado, aquilo que se vê é visto "por de dentro" dum modelo cultural, que determina a consideração de problemas e objectos. O nosso modelo privilegia a produção de riqueza, sua posse, e seu usufruto ao nível de bens e comodidades materiais. Se os telespectadores assistem às notícias inicialmente referidas é porque podem fazê-lo (!) - é porque têm disponibilidade económica para tanto, ou seja, é porque há riqueza. E, com os meios de produção conhecidos, essa riqueza supõe poluição.
Pois bem, tendo em conta a referida estupidez habitual das massas populares e respectivos representantes políticos (não pretendendo esquecer as excepções, mas tendo em conta que, neste caso, dificilmente algum governo isolado poderá ter sucesso), e ainda o modelo cultural que os determina no Ocidente, será previsível uma troca de riqueza pelo equilíbrio ecológico? Por outras palavras: estará o telespectador, açoriano, japonês, russo ou americano - não serão muito diferentes - disposto a abdicar da poltrona, do assado bem regado, ou da própria televisão, em nome duma distante Amazónia, ou duma Natureza que, para muitos, já pouco mais será que puramente televisiva?! Certamente que não. Pelo menos enquanto o uso da riqueza possível não depender precisamente do equilíbrio ecológico.
Ora é disto mesmo que alguns afirmam estarmo-nos a aproximar. A tolerância da Natureza não será infinita e, uma vez ultrapassada, poderá ocorrer um desequilíbrio com consequências muito variadas e muito graves. Desviando-nos um pouco da ecologia, um outro alerta se coloca, talvez mais grave: é discutível se esse modelo cultural que se tem referido satisfaz o "destino" do homem.
Quanto a este último alerta, e para os social e culturalmente bem inseridos, restará esperar que não tenha sentido, para que se não diga que morrerão antes de nascerem (paráfrase a Erich Fromm, em Psicanálise da Sociedade Contemporânea, faltando-me a referência bibliográfica completa). Ainda neste tema, diga-se que um modelo alternativo ao actual, para onde esse alerta apontaria, se concretizado colectivamente - o que de qualquer outro modo não será possível - conduziria a uma revolução de tal monta que a de 1917, se comparada, não passaria dum mero golpe palaciano!
Quanto à salvaguarda da Natureza, que foi o que directamente aqui nos trouxe, tendo em conta as condicionantes políticas, económicas e culturais, resta esperar que se enganem os que anunciam desastres ecológicos e médio prazo. Se assim não for, então que quando se multiplicarem os índices de cancro, atribuindo os especialistas tal fenómeno à rarefacção do ozono, ou as falhas nos depósitos de lixos radioactivos, e "marchando" a esposa do nosso telespectador por este meio; e que quando se usarem máscaras de oxigénio no funeral da senhora (tal seja a catástrofe!), falando-se aí, em vez das anedotas habituais, duma certa mata sul-americana chamada Amazoniasinha, que ao menos as medidas político-económicas que, nessa altura, e por mais altares que se tenham erguido à produtividade, ou por mais fundo que os cifrões estejam marcados nas testas do telespectador e seu representante político, certamente saltarão para o topo das prioridades, resta-nos esperar, como dizíamos, que ainda vão a tempo."
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Livre arbítrio, mente... e "robopatas"
(Desde logo o nome é engraçado! - "robot-pata", não o membro dos animais, mas do gr. pathos, de onde decorreu "patologia", e daí "sociopatia"). A questão, mais uma vez (!), é a do livre arbítrio: a vontade humana é livre e criadora, de modo que a sua obra pode ser irredutível a qualquer causa eficiente a montante dela, ou a nossa actividade mental deve ser reduzida a processos logicamente anteriores, como reacções electro-químicas em sistemas neuronais que se determinam ao arrepio do que chamamos "consciência"? Neste último caso o programa de um robot será equivalente à nossa estrutura mental, logo, se nós podemos ser sociopatas, também aqueles o podem.
Ao fazer o breve périplo das ciências sociais e humanas contemporâneas para as ciências naturais nos parág. 4.1.1 e 4.1.2 de O Nó do Problema Ocidental, e nas notas finais 13 e 16, encontrei nessas reflexões actuais (1ª metade desta década) uma hesitação perante tal questão, mas com tendência (argumentada... apenas emocional?...) para o reconhecimento ao menos da possibilidade de alguma liberdade individual.
Fica apontada a questão. (Com licença de alguma voluntariosa inteligência artificial que se tenham lembrado de incluir neste computador.)
domingo, 2 de agosto de 2009
Da arte às ciências: a ambiguidade como paradigma representacional
Introduzindo a tese de Emily R. Grosholz em Representation and Productive Ambiguity in Mathematics and the Sciences (Oxford: Oxford University Press, 2007), diria que essa potenciação se deverá à forma da obra: dada a heterogeneidade dos seus elementos, esta tanto pode ser interpretada a partir da imagem quanto do discurso verbal, do preto-e-branco e do adormecimento dos subúrbios quanto das promessas feéricas do anúncio publicitário... na reunião porém do critério que o título propõe. A sua manutenção na ambiguidade, a sua reserva contra qualquer elucidação desta última, é precisamente o que nos projecta para além duma sua interpretação directa... e pré-delimitada.
Por isso a referência a essa obra plástica me parece por sua vez uma boa introdução ao 1º cap., que acabei de ler, do livro onde Grosholz estende a produtividade da ambiguidade à representação científica em geral, e matemática em particular (música para o ouvido diletante e cábula para onde tantos de nós tendemos a derrapar!...). Isto é, a autora pretende que a ambiguidade, afinal própria às linguagens científicas, não só faculta mas mesmo estimula o desenvolvimento de cada ciência. Nesse cap. introdutório, invocando a diferença estabelecida por C.S. Peirce entre ícones (assemelháveis às respectivas referências) e símbolos (cuja referência é apenas convencional), começa pela representação nas ciências naturais, com os exemplos da argumentação de Galileu (in: Discorsi...), e do uso da notação química de Berzelius:
O grande físico italiano combina linguagem natural com números e diagramas. Sendo o uso das proporções nestes últimos, sobre a queda dos graves, plurívoco: se os seus (das proporções) termos forem tomados como finitos, a interpretação dos diagramas implementa a geometria euclideana, de cujas figuras aquelas configurações serão ícones. Já se os termos das proporções forem tomados como infinitos, projecta-se a interpretação da teoria dinâmica do movimento depois desenvolvida por Torricelli e Newton, e as configurações representam simbolicamente o processo temporal dessa queda. Também sobre o movimento de projécteis, a curva da semi-parábola que o representa, lida iconicamente, vale para o rasto do movimento (como o fumo largado por aviões de acrobacia), enquanto lida simbolicamente vale para um polígono de infinitos lados que articula relações duma infinidade de instâncias de movimento uniforme que compõem o movimento acelerado do projéctil. O mesmo elemento linguístico, portanto, pode valer de mais de 1 maneira, e cabe ao intérprete escolher de cada vez, consoante o contexto.
De forma semelhante, as letras em fórmulas como H2O podem assumir um sentido macroscópico, referindo compostos químicos, tanto quanto relações quantitativas, tanto quanto um sentido microscópico, referindo pesos atómicos ou partículas elementares. Depende do contexto - a identificar pelo intérprete (de facto quando a esmola é grande o cego deve desconfiar... esta interpretação contextual ainda nos deverá trazer mais trabalho do que os cálculos lineares quebrados pela ambiguidade!).
Fico agora com especial curiosidade pelo 2º cap., também introdutório, onde E.R. Grosholz sustenta que essa ambiguidade se estende mesmo à notação matemática. (A propósito, lembro-me de ouvir que a Dra. Conceição Garcia - de quem também fui um preguiçoso aluno de matemática na E.S. Antero de Quental - costumaria dizer que os testes desta disciplina têm que ser interpretados quase como os de Português ou Filosofia).
Mas ainda no 1º cap., a autora assume-se numa abordagem eminentemente pragmática à representação científica. Contrapondo-se assim ao projecto de Carnap e do Círculo de Viena de uma redução progressiva das ciências naturais à física atómica, e da matemática à lógica, com a pretensão de reconstruir cognitivamente o mundo a partir duma linguagem unívoca (nomeadamente da lógica formal, até pela matematização do discurso físico). Este livro de filosofia e história das ciências fará assim peso no prato da balança do parágrafo 4.1.2 de O Nó do Problema Ocidental, onde apresentei um paradigma científico que enjeita a redução dos fenómenos a elementos simples e respectivas regras de associação. Além disso, servem aqui frases como "the concatenation of (...) components in a simple and perspicuous way" (Representation and Productive Ambiguity..., p. 26), que propõe a simplicidade e a clareza para o desenvolvimento às minhas reticências finais em Ciência: método vs. dialéctica e retórica (embora eu continue com reticências para além destas propostas).
Uma última questão: se as teses científicas em geral, e matemáticas em particular, são apenas o que as comunidades dos reconhecidos como competentes em física, química,... dão o assentimento enquanto resoluções de problemas contextualmente condicionados - como pretendem os ditos pragmáticos - então impiorta determinar um critério mediante o qual se possa identificar alguma formulação precisamente como resolução do problema por ela (formulação) visado.
Ou voltando a Burgin, em cada processo há que reconhecer qual é o "hoje" que se constitui como o "amanhã" ontem prometido. Como é que esse estatuto se reconhece?...
sábado, 1 de agosto de 2009
Uma cultivação em "T"
Hoje, na sociedade de comunicação, na economia do conhecimento, quando ainda por cima o desenvolvimento do saber tem obrigado a sucessivas especializações dentro das especializações anteriores (pergunte-se a um algebrista pelo estado da arte em análise ou em geometria...), esta especialização deixou precisamente de ser funcional. É o caso quando os factores que se embaraçam num dado problema não podem todos ser formulados algebricamente, ou matematicamente, ou mesmo cientificamente, e requerem outras formulações (ex. artísticas) que têm que ser combinadas com as anteriores para uma resolução do problema.
Todavia, só poderemos regressar ao enciclopedismo diletante se tivermos quem tome conta de nós... (A nós, portugueses, que de tão habituados à mama europeia de 1986 para cá adormecemos no esquecimento de que o oiro do Brasil também acabou um dia, é altura de lembrar que o QREN acaba já em 2013).
Neste contexto, para se garantir alguma funcionalidade, penso que às pessoas cultas contemporâneas cabe evoluírem em "T": no segmento horizontal, devemos desenvolver uma cultura geral que, por um lado, nos permita (a) reconhecer quaisquer problemas que se não deixem formular imediatamente pelos instrumentos especializados que dominemos (algébricos, psicanalíticos,...); bem como (c) avaliar eventualmente a sua resolução para além do estrito contributo mediante estes instrumentos; passando por (b) comunicar com quem domine os instrumentos de outras especialidades também necessárias à formulação e resolução do problema dado. Estes são 3 contributos da cultura geral para a resolução de problemas ou o cumprimento de projectos.
Mas, por outro lado, para se resolver uma equação de 2º grau ficará em maus lençóis quem tiver uma ideia do significado de "álgebra"... mas não conhecer a respectiva fórmula resolvente. Assim se requer o segmento vertical do T.
As competências e conhecimentos especializadíssimos que compõem este último segmento são como que o artesão que, fechado na sua oficina, molda e pinta figurinhas de barro. Para poder pagar porém o material e a oficina é necessário perceber que no mercado há procura por algo - ex. presépios - que possa ser satisfeito por tais figurinhas, é necessário cooperar com quem as transporte e venda, etc., etc. Todo este enquadramento ilustra o que cabe ao segmento horizontal. Cada um de nós, hoje, tem que ser quem percebe, coopera... e ser também o artesão.
A questão que se coloca a cada pessoa é qual o ponto, do segmento horizontal, onde irá encetar o segmento vertical - ou qual o ponto deste a partir do qual abrirá o anterior.