quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A 1ª função efectiva (!) da universidade portuguesa

Cristina Civale destacou no seu post http://weblogs.clarin.com/itinerarte/archives/2009/11/pensar_la_contemporaneidad_los_intelectuales.html o que o linguista e ensaísta político Noam Chomsky assumiu como 1º princípio geral na política internacional contemporânea: que os apologetas da actual ordem política, justificando os interesses dos fortes perante os fracos, são os intelectuais - salvo honrosas excepções, a isso se terão estes reduzido (o link para a conferência completa encontra-se naquele post). Não tenho dados para ajuizar sobre o juízo de Chomsky, mas serve-me de impulso para um outro que há tempos ando para aqui deixar sobre o núcleo identitário da universidade portuguesa - e portanto de qualquer outra que aquela tenha inspirado (África lusófona?...):

Em geral, creio que as funções que identificam a instituição universitária são, por um lado, a formação de quadros superiores - ou seja, profissionais com conhecimentos actualizados sobre uma área de trabalho, com as capacidades de, nesta, reconhecer problemas, equacioná-los, implementar as respectivas resoluções, e avaliar os resultados. Por outro lado, cabe às universidades a reflexão sobre o conhecimento herdado em vista ao seu desenvolvimento, ou mesmo à produção de novos conhecimentos (a transmitir aos quadros anteriores). Como se posiciona a universidade portuguesa sob estes 2 parâmetros?
Segundo as estatísticas vulgarmente publicadas, durante o Estado Novo os quadros superiores portugueses seriam normalmente competentes, mas em pequena percentagem por comparação às restantes populações europeias. A universidade não terá pois cumprido esta função numa época em que se passava da II para a III Revolução Industrial e para a economia do conhecimento desta última. Em troca, depois da revolução democrática de 1974/75 aumentaram muito os diplomados superiores. Mas a produtividade portuguesa não aumentou numa mesma proporção! Apetece dizer que - talvez para que alguma velha tendência se mantivesse... - para compensar a subida quantitativa, baixou a qualidade.
Por outro lado, basta consultar os índices remissivos de qualquer obra de história das ideias para saltar à evidência que Portugal simplesmente não existe nesse processo histórico. Isto é, se por exemplo não é possível traçar, comprovadamente e sem saltos, a 1ª Globalização sem referir o séc. XV português, todos os passos da história da filosofia, da história da matemática, etc. podem ser reconstituídos sem referência a qualquer autor português.
De fraquinho a praticamente nulo, estes serão os valores da universidade portuguesa não só de agora, provavelmente de sempre, à luz daqueles 2 parâmetros. O que é que esta instituição tem então levado a cabo, que a mantém ao ponto de se manter a despeito da compressão demográfica, orçamental...?
Desde logo pelo menos 1 coisa a universidade portuguesa tem feito primorosamente durante o séc. XX e XXI (não sei se antes também): de Salazar a Cavaco Silva, passando por Marcelo Caetano e toda uma série de Ministros e Secretários de Estado, até António Guterres que não foi professor universitário mas logo os seus colaboradores se apressaram a informar que fora um dos melhores alunos do I.S.T., e José Sócrates que não dispensou um diploma nem que fosse em resposta a provas de avaliação enviadas por fax a partir do Governo (!),a universidade portuguesa tem-se revelado imbatível na conquista dos cargos de poder político. Nesta função sim, o valor da universidade portuguesa dificilmente encontrará par no mundo civilizado... se calhar por isso, que mal tem sido o nosso!
O que o célebre linguista norte-americano parece sugerir é que este último fosso se estará a esvair (na medida em que se ligue a universidade à intelectualidade portuguesa - se esta existe, o que disse acima é que pouco ela se encontrará naquela instituição anterior). Mas não por subirem uns, antes por descerem os outros.

1 comentário:

  1. Relendo este post salta-me à vista o excesso de considerar a pequena melhoria da produtividade como significativa de fraca qualidade da formação universitária - outros factores daquela a podem entravar além desta. Muitos vão sendo porém os testemunhos de que estes recém-licenciados frequentemente são, como ouvi a um eng. gestor, "imprestáveis"!

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