quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Até a não contradição entra em relativizações?!...

Quando Aristóteles sistematizou a lógica grega estabeleceu 3 princípios a que qualquer raciocínio deveria obedecer: cada coisa coincidirá com ela própria (identidade); não se pode afirmar de 1 coisa algo e o seu contrário ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto (não contradição); e que se isso que se afirma não é verdadeiro então é falso, e vice-versa (3º excluído). Este último princípio - o de que só há 2 valores de verdade (verdadeiro e falso) - ficou logo sob suspeita, e hoje há lógicos que defendem que eles constituem apenas os extremos de um espectro infinito de graus de probabilidade (pelo que recusar 1 verdade abre tanto à falsidade dessa afirmação quanto a qualquer seu grau de probabilidade que não o da necessidade). Em termos operatórios resta assim o 2º princípio (o 1º não adianta grande coisa na orientação dos raciocínios). De modo que se poderia interpretar o post Ciência: método vs. dialéctica e retórica
em correlação a uma comunicação de Anna Carolina Regner, como o estabelecimento do princípio de não contradição como pedra básica de qualquer discurso racional. Ou seja, aí teríamos que estar todos de acordo - sob pena de perdermos a validade racional - e só depois é que começariam quaisquer divergências teóricas. Mas ao menos esse denominador comum seria seguro... e precisamente seria "comum", permitindo assim alguma "comunicação" (estarmos em comum).
Boris Saulnier e Giuseppe Longo, em "O jogo do discreto e do contínuo em modelização: Relatividade dinâmica das estruturas conceptuais" (in: E. Morin & J.-L. Le Moigne (ed.), Inteligência da Complexidade - Epistemologia e Pragmática, trad. J. Duarte, Lisboa: Instituto Piaget, 2009, pp. 79-101), até esse descanso, e aconchego, nos tiram!
Considerando 1 "modelo" como uma definição de "objectos, operações, propriedades, conceitos, [para] representá-los e manipulá-los matematicamente" (p. 79), afirmam na página seguinte que "cada tipo de modelo propõe um olhar, uma organização do mundo" - os itálicos, penso, significam precisamente que não há uma acepção única de "objecto", etc., de modo que por ex. perceberemos o computador que temos à frente de uma maneira, se estivermos usando uma acepção de "objecto", mas de outra maneira se usarmos outra acepção. Para depois na página 87 estenderem esta relativização teórica até àquele solo firme que nos restava, o do princípio lógico da não contradição: não que algo não seja formulado sob este título; mas o modo como se opera com ele, isto é, o seu uso ao longo dos raciocínios, não é único. Nomeadamente, varia com a concepção de lógica que se implementa, de forma que esse princípio emergirá ou no âmbito das relações entre princípios de demonstração... ou no âmbito das relações entre modelos de axiomas propostos. Mas nem estes autores desenvolvem nesse texto esta questão (remetem-na para J.-Y. Girard), nem menos ainda faria aqui sentido tentá-lo.
Para memória futura, digamos assim, importa apenas que nos lembremos que mesmo a réstea de base segura, de denominador comum... mesmo isso nos está hoje em jogo!

1 comentário:

  1. Acrescento a referência ao texto de Jean-Yves Girard (disponível online): "Linear Logic", in: Theoretical Computer Science, Vol.50 (1987) Nº1: 1-102.

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