sábado, 28 de novembro de 2009

"There's somebody coming and there's nothing you can do about it..."

Da destruição - criadora? - até à referência edipiana... na actual indefinição civilizacional mais ainda do que há 50 anos:

Sobre uma ocidentalização esquizofrénica

Continuando a pista do post anterior, parece-me interessante a reflexão de W. Reed Smith no seu post http://civilitasblog.blogspot.com/2009/11/schizophrenia-issue.html .
Reportando-se a Spengler e a Toynbee, nos primórdios da história comparada contemporânea, o autor distingue as perspectivas, respectivamente, de um aproveitamento da tecnologia ocidental pelos não ocidentais, mas usando-a em conformidade a princípios e valores que restarão não ocidentais, de uma ocidentalização que, ao ser técnico-económica, será simultaneamente cultural. Daí a referência a uma eventual esquizofrenia civilizacional: estará em curso um duplo desenvolvimento dessas outras civilizações, ocidentalizando-se numa dimensão mas não nas outras? Com os seus exemplos sobre a Rússia, a China, especialmente sobre a imigração,... Smith sugere bem como esta questão afectará crescentemente o nosso dia-a-dia, e portanto como lhe temos que responder politicamente - em democracia, mediante a participação de cada cidadão.
A essa questão já antiga acrescenta-se hoje este pormenor: têm os optimistas, defensores duma ocidentalização universal como pretenderam os Iluministas do séc. XVIII, sinais de que o Ocidente ainda tem a vitalidade, a atractividade, a capacidade de oferta... necessárias para integrar os imigrantes, etc.? Ou todos esses outros simplesmente já não encontrarão aqui nada que os mobilize a uma sua aculturação integral?

Penso que a metafísica analítica do séc. XX faculta aqui um desvio que poderá ser produtivo: enquanto temporais, os entes - aquilo que há, desde eu, você, os nossos 2 computadores, até se calhar o conceito de "homem", de "4", etc. - podem ser concebidos endurantista ou perdurantistamente. Pela 1ª concepção, o que há é o que dura inalterável ao longo do tempo. Pela 2ª, o que há é o processo de alterações. A 1ª estrutura a tese essencialista sobre as civilizações - cada uma destas caracteriza-se por um núcleo que permanece ao longa da história, sem se misturar com os de outras civilizações. Conduz à percepção do "choque entre civilizações". A 2ª concepção metafísica estrutura a tese construtivista sobre as civilizações - cada uma destas caracteriza-se por um processo evolutivo, não determinado por qualquer núcleo.
Se o recurso à formulação metafísica facultar um maior esclarecimento, ou até desenvolvimento, de uma dessas teses históricas em detrimento da outra, esse desvio teórico já valerá a pena. Mais, se se apresentar algum critério de decisão em questões metafísicas, então tal desvio poderá ser mesmo decisivo.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

De Damasco - em 1ª mão

O meu primo João Luís S. Albergaria enviou-me há dias um mail que me parece muito sugestivo sobre o mundo árabe, e as nossas relações com este. Aliás talvez não apenas árabe, mas muçulmano... como a Turquia, o Irão e o Afeganistão, a Indonésia, etc. Lembrando, como ele diz, que "uma coisa é ler livros e ver noticiários, outra é ver com os nossos olhos, ouvir em 1ª mão, olhar olhos nos olhos esta gente, toda ela", aqui fica esta experiência, limitada como todas as de 1ª mão (que não alcançam a visão global da que decorre de leituras), mas tão imediata ou directa quanto é possível. Aqui fica em especial à atenção de todos os progressistas que à fórmula, tendencialmente essencialista, duma "guerra entre civilizações" opõem a fórmula "guerra nas civilizações" (v. O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, parág. 1.1)


"(...) Estou em Damasco (...) Como há muito tempo não aprendia uma língua, estou muito enferrujado... e fui logo começar pelo árabe! Não por gosto, mas por obrigação, tornava-se incompatível viver aqui sem falar alguma coisa, frases básicas, mas mesmo para isso está sendo um enorme desafio. Era e é frustrante o dia a dia sem entender nada do que dizem e com uma resistência visceral ao inglês, estes sírios recebem-nos como se fossemos todos invasores, versão moderna das cruzadas e pensam que todos os europeus falam inglês como 1ª língua,... até para aqueles que sabem que existem muitos idiomas, emocionalmente somos uma espécie de representantes do império do mal. A América é inimiga declarada! E por isso o inglês é um mau começo para qualquer aproximação, a não ser para consumir ou no mundo do jet-set. Na Jordânia, onde já estive uns 10 dias, não é tanto assim.
(...) O Árabe Standard - nas ruas falam uma versão simplificada (que estou a aprender agora) e que difere de país para país... chamam-no "amia", o do Egipto é distinto do da Síria, da Argélia, etc., mas Arabe standard é o que dá estrutura a essas variantes (...).
Arranjei um apartamento pequeno só para mim, pois já estava farto de partilhar espaços com outros. Privacidade é um conceito distinto para estes tipos... o choque cultural é tão grande ou maior do que para a Índia, mas com a diferença que os indianos são tolerantes e estes tipos - os árabes em geral (...) são dogmáticos até dizer basta (...).
A Índia - a Índia que eu vivi - a sua filosofia, religião e carácter deu-me muito mas também deixou-me uma grande dose de "self-indulgement"... e a comunidade de yoga, um discurso demasiado mole e soft. Bom, isto aqui - Médio Oriente, não é para homens "softs"... esta é uma realidade dura, a guerra e a ameaça à sua integridade física e territorial estão sempre presentes e é também por isso que o homem tem um papel totalmente superior ao da mulher, na sociedade.
Sair daqui para o pais vizinho e voltar aqui é uma deslocação legalmente proibida pela Síria. (...) Do ponto de vista intelectual e humano, é fascinante lidar, sentir de perto esta luta civilizacional que se trava por e naquele território (...). Uma coisa é ler livros e ver noticiários, outra é ver com os nossos olhos, ouvir em 1ª mão, olhar olhos nos olhos esta gente, toda ela. É uma "guerra mundial" que é canalizada para este território, não se trata apenas da luta entre palestinianos e judeus, é muito mais do que isso... mas disso falarei no texto que tenciono fazer, exactamente para arrumar as minhas ideias e partilhar com outros.
(...) É tabu mencionar o nome de Israel, Jerusalém ou judeus e entrar nessa discussão com locais, por isso não tenho podido trocar opiniões sobre um assunto que me "fascina" o que também é frustrante!

Petra foi bonito, mas pura diversão. Todavia, e mais uma vez, é daqueles sítios que por mais fotos que se tenha visto, estar lá é outra coisa... a prova do engenho humano e da sua necessidade e capacidade de se ultrapassar... num cenário natural incrível.
(...)"

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ciência, ética, e embaraços

Ao pesquisar no Google "XIII Conferência do Equinócio" encontrei várias entradas na comunicação social sobre a recente argumentação de Lewis Wolpert, no IPATIMUP, a favor da autonomia da ciência em relação à ética. Ainda bem, pois se já havia mais vida para além do anterior deficit orçamental, também a há para além do actual, e da dívida pública, das escutas, da crise do Sporting!...
Numa palavra, esse biólogo britânico, apesar de trabalhar em função da aplicação médica, terá pressuposto (ou porventura mesmo sustentado explicitamente) a distinção entre as chamadas investigação fundamental, ou pura, e a aplicada, para em seguida defender que a 1ª deve decorrer à revelia das consequências da 2ª.
Sobre aquela distinção, veio a propósito o post Na base estão as ideias - o caso Anaximandro , assinalando que mais depressa são as nossas percepções orientadas e enquadradas por ideias, do que são estas a meramente expressarem aquelas. Mas a tese central da conferência é mais problemática do que, segundo as notícias, aquele biólogo talvez tenha dado conta, ou mesmo do que a qualquer um, creio, seria possível resolver em 45 minutos.
Eu nem em 10 vezes mais tempo a saberia resolver hoje... em todo o caso dediquei-lhe toda a longa nota 19 de O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, para ao menos balizar em alguma medida a problemática ética actual de que tenho conhecimento. Da qual, naquela conferência, terá sido novamente discutida a oposição entre consequencialismo e não consequencialismo. A 1ª posição sustenta, argumentadamente (!), que o valor ético das nossas escolhas e correlativos comportamentos se  afere em função de princípios (ex. mentir é mau, ponto final parágrafo). A 2ª posição argumenta (!) pelo contrário que aquele valor é uma função do valor que se atribua aos resultados de tais comportamentos (ex. as mentiras piedosas são boas (... quando é que uma mentira é "piedosa"?)).
O sentido dos meus pontos de exclamação anteriores é que, (já agora) se há mais investigação para além da aplicada, há também mais investigação para além da fundamental biológica, química, bem como sociológica, etc. O simples facto de se apresentarem mais do que uma posição ética obriga a 1 de 2 coisas: ou bem que se escolhe por moeda ao ar, e não vale a pena ir ao respeitável IPATIMUP gastar tempo com tais questões, anuncia-se de vez as investigações científicas que se está a desenvolver em conformidade à cara ou coroa que tenha saído, e segue-se para o almoço de convívio. Ou bem que se pretende discutir a questão, mas neste caso, depois do salto da investigação aplicada à fundamental, é necessário dar o salto desta à filosofia (neste caso à ética). E tal como os conceitos, mais ainda os procedimentos argumentativos do 2º patamar, não são exactamente os mesmos do 1º, requerendo-se uma adaptação àqueles que derem esse salto, outra adaptação se requer a quem der o 2º salto. Não tenho informação sobre se Wolpert a implementou, mas a capacidade de comunicar e de adiantar alguma coisa, por pequena que seja, em todas essas investigações depende de tais ajustes.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

"Século chinês"? Talvez ainda não

Em contraponto às expectativas em À atenção, no "século chinês" , não devemos deixar de atender a outras como a de Wendy Dobson na sua recente obra Gravity Shift: How Asia's New Economic Powerhouses Will Shape the Twenty-first Century, Toronto: University of Toronto Press, 2009.
Segundo a recensão que me chegou, apesar de reconhecer que os PIB's chinês e indiano deverão alcançar o dos EUA entre 2020 e 2040, respectivamente, a autora nem por isso prevê uma substituição da liderança americana pela chinesa, mais tarde a par da indiana. Pois a aposta chinesa na evolução para o crescimento baseado na produtividade, e não no capital intensivo, implicará desregulamentações - desde a liberalização dos juros à actividade de pequenas e médias empresas não controláveis pelo poder central - muito difíceis de fazer dados os interesses instalados. Por seu lado, o calcanhar de Aquiles indiano será a alteração na legislação laboral - facilitando a contratação, e portanto o despedimento - de modo a permitir aproveitar, num desenvolvimento que (pelo menos em parte) deverá ser de capital e trabalho intensivo, a força de trabalho potencial de 900 milhões de pessoas para 2020, com 250 milhões entre os 15 e os 24 anos (compare-se com as previsões demográficas europeias!...). Além de que a Índia continua por fazer a modernização sócio-económica que desvie para os serviços e indústria a maioria dos 60% da população ainda ligada à agricultura - números dum país nos primórdios de uma revolução industrial, todavia muito avançado nas industrias de telecomunicações, espacial, etc.... imaginem-se as tensões.
Dobson prevê que, à conta desses desafios internos, ambos os países continuarão a constitui-se como contra-balanças do poder no G20, mais do que como super-potências, assumindo-se tão só como potências regionais.
Não sei avaliar até que ponto obstáculos como esses poderão efectivamente tolher o passo de chineses e indianos. Mas apontarei a tensão entre duas observações: uma (li-a não me lembro onde) é a de que a influência cultural tende a decorrer dum mesmo pólo que influencie economicamente - ainda que não estritamente do mesmo país, veja-se desde por exemplo a influência austríaca além da alemã, até à Grécia Helenística (já em decadência) no seio do Império Romano. A outra é a duma provável maior dificuldade chinesa na aceitação da diferença (v. post acima referido), o que não facilitará uma comunicação mais profunda com outras comunidades - embora isso também possa facilitar contactos estritamente económicos e comerciais, como se diz que são os dos chineses em África. Se se verifica esta dificuldade, de origem cultural, e também a 1ª observação, não será fácil aos chineses ascenderem a uma posição semelhante à dos ocidentais nos últimos 500 anos. A novidade deste século, depois do último meio milénio, é capaz de ser antes a multi-polaridade, e o exercício de influências diversificadas por parte de cada potência. A influência cultural, porventura mais do que nunca, será o trunfo ocidental.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Notícia

Estão começando hoje de manhã (até 4ª feira, 24/11/09) as 5as. Conferências de Filosofia e Epistemologia do Instituto Piaget, em Viseu. Trago aqui a notícia, não só por eventualmente ainda poder interessar a alguém que as possa assistir, mas mais pela relevância dos temas - alertando para possíveis notícias destas comunicações - e, mais ainda, pela recusa do provincianismo:
"Provinciano" é aquele que se constitui por referência a um outro, que deste modo o 1º coloca num centro de atenção - a "capital" (pela minha parte, confesso que em Portugal nunca vi mentes tão provincianas quanto em Lisboa!...). Reconhecer, em troca, que temas como os seguintes valem em qualquer sítio, para quaisquer pessoas, pelo que importa sempre abordá-los, sabendo embora que se irá mais ou menos longe conforme os recursos disponíveis, é a atitude de quem põe os pés no chão, e faz deste chão a terra que habita.

Fica a Apresentação destas Conferências em http://30anos.ipiaget.org/conferencias-internacionais-epistemologia-filosofia/apresentacao/ :
Reunindo especialistas de diferentes áreas e convidando-os a produzir as suas próprias reflexões acerca da temática da condição humana a partir das obras do neurocientista António Damásio, do filósofo Espinosa, do pensador multifacetado George Steiner e de um dos mais importantes escritores portugueses do Século XX, Miguel Torga, as 5as Conferências de Filosofia e Epistemologia do Instituto Piaget procuram contribuir para a abertura de novas perspectivas de reflexão e investigação interdicisciplinar e nos campos específicos da neurologia, da filosofia e dos estudos literários e culturais.
Temas como:
a relação corpo/mente;
a relação homem/natureza (ou liberdade/necessidade);
a relação finitude/transcendência;
a relação entre a razão e os sentimentos e emoções;
são hoje reequacionados pelo progresso das neurociências, que avançam hipóteses e respostas que modificam concepções tradicionais do humano, com evidentes consequências existenciais, epistemológicas , éticas, culturais e civilizacionais.
Esses mesmos temas, e as incertezas, questões e angústias com que são vividos pelo homem contemporâneo atravessam as análises literária, cultural e civilizacional de Steiner e a obra literária de Torga.
E talvez, como António Damásio procurou mostrar, seja na obra de Espinosa, mais do que na de qualquer outro dos grandes filósofos, que podemos encontrar hoje os conceitos e as intuições que nos permitem enquadrar essas transformações da visão do humano e as perguntas e incertezas por elas geradas.

domingo, 22 de novembro de 2009

Mais do que a voz, a alma!

Desde a minha resposta ao comentário em E já agora: Madeleine Peiroux!... que ando para aqui trazer este videoclip. Mas havia de chegar o dia!

À atenção, no "século chinês"

É precisamente na sua aparência de concordância, de abrangência, que o artigo do ex-Embaixador chinês na ONU, Wu Jianmin, "A Chinese perspective on a changing world" (in: http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=8035) me parece sugestivo sobre a discordância radical entre a civilização sínica e a ocidental.
O autor começa por apontar os PIB's asiático e ocidental antes do séc. XVIII, daí até ao fim do séc. XX, e as suas evoluções nas últimas décadas - é sabido: a China terá acumulado a maior riqueza mundial até à Revolução Industrial, depois a Europa e América do Norte ultrapassaram-na, para agora se perspectivar o regresso à antiga correlação. Juntando-lhe a habitual desproporção demográfica, depois do séc. inglês e do séc. americano o séc. actual será, senão o séc. asiático, pelo menos o do Pacífico. Wu aponta porém uma diferença abissal entre essas dominações: "When Europe and America rose, they did it at the expense of others — there were many conflicts and wars. But today, Asia is rising with the rest of the world rather than against it". Como acentua noutra passagem, a cultura ocidental - nomeadamente americana - constitui-se e define-se por oposição a algum inimigo, é essencialmente competitiva... para não dizer belicosa; já a cultura sínica será essencialmente cooperativa, e portanto pacífica.
Parece-me ser verdade que a cultura moderna do homo faber colocou o Ocidente em contraposição a uma Natureza cujos recursos poderiam ser ilimitadamente exauridos, que essa contraposição também se verificou na 1ª Globalização em relação às populações africanas escravizadas nas plantações americanas,... ou nos impérios coloniais durante a 2ª Globalização. Todavia, por outro lado, essa cultura de concorrência é também o resultado da simples aceitação da diferença, nomeadamente de interesses, crenças, etc., que se respeitam na democracia liberal representativa, e que origina a criatividade, que resulta na inovação, que impulsionará o crescimento económico.
Já a harmonia chinesa foi conseguida, por exemplo, primeiro com os blindados em Tiananmen, e depois continua sendo feita com o silenciamento pelo regime desse massacre. O continuado culto a Mao Tse Tung, independentemente das dezenas de milhão que morreram em resultado das suas opções, é outro exemplo, etc. Qualquer harmonização padece aliás deste pormaior: quem é que estabelece o rumo a que todos passam a ter que se harmonizar?... E, economicamente, a China é dita ser "a fábrica do mundo", não o seu "laboratório", veremos o que saberá fazer quando, como super-potência, não lhe restar apenas desenvolver pistas abertas por outrem.
Sob essas denúncias de parte a parte, abre-se pois uma clivagem conceptual: harmonia holística, organicista... esmagadora das diferenças, versus respeito por estas últimas... criando-se conflitos. É na própria perspectivação preconceituada, unilateral desta divergência nas concepções do mundo que se abre a discordância civilizacional de base, entre um chinês para quem a concorrência é obviamente a destruição, e os ocidentais para quem esta se encontra obviamente na harmonia imposta. Por outras palavras, a diferença não está entre a paz e o conflito, como pretende aquele académico chinês, mas no próprio sentido que se dá a esses termos.
Os resultados sugerem que asiáticos e ocidentais têm virtualidades, uns e outros têm debilidades - cada civilização poderá pois rever-se no espelho das outras para se melhorar. Mas seja politicamente no momento de optar pelo regime político, seja científico-economicamente no momento de valorizar (+ ou -) o espírito crítico - do conflito na criatividade... - haverá que escolher entre uma tendência e a outra. Entre a primazia da harmonia, tolerando a diferença apenas enquanto se não questione a ordem global, ou a aceitação da diferença, no esforço para se construírem caminhos comuns na base daquelas, que assim nunca se renegam.
De qualquer modo o tempo da unicidade cultural ocidental - pelo menos para as opções das pessoas e populações do Atlântico, do Brasil à Europa (os africanos têm reivindicado uma cultura independente pelo que escolherão à parte) - terá acabado. Na próxima década e seguintes, nós que herdamos a pista ocidental provavelmente teremos que escolher entre um simples (e mais fácil) unilateralismo cultural puro e duro, na valorização ingénua das diferenças,... de duvidosos resultados, e uma mais complexa, e mais custosa (!), articulação destas com a harmonia holística possível.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Complexidade e futebol

Manuel Sérgio acabou de lançar o seu último livro Filosofia do Futebol, desporto de competição em cujo treino defende a integração das dimensões física, técnica, táctica, psicológica e até social, segundo as categorias teóricas propostas por Edgar Morin e outros autores da teoria da complexidade.
Ou por outras palavras, o sucesso de tal treino integrado será mais um contra-caso que a epistemologia reducionista, então aplicada à concepção deste jogo e correspondentes metodologias de treino, deverá enfrentar...
Confesso porém que este post não é para mim! Como ainda há poucos dias dizia a uma amiga, o futebol é a minha telenovela: quando me sento a vê-lo na televisão adormecem-me as faculdades analíticas e reflexivas, e fica apenas o gosto, ou não (!), pelos movimentos colectivos e o seu efeito na bola (em direcção ou não da baliza adversária). Mas acredito bem que esse livro interesse a quem pensa o futebol. Entretanto, tanto para eles como para nós outros, a sugerir a complexidade não tanto no treino mas ao menos no seu resultado (que provavelmente implicará o anterior, como pretende Sérgio), temos exemplos como aqui na minha heterodoxia Mais um concerto do Barça Quartet!.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Da sinceridade das escolhas

A propósito de escolhas políticas - como as sobre economia e ecologia que estão em discussão para Copenhaga em Dezembro - mas não só: creio que o grande sinal de que quem se dispõe a fazer uma escolha efectivamente a faz é a assumpção dos custos da possibilidade apontada (depois, naturalmente, faltará saber se consegue mesmo pagá-los!). Pois, se havia uma alternativa, seria porque se reconheceriam prós e contras em cada uma das possibilidades abertas; sendo assim, o desenvolvimento de uma implica o sofrimento dos seus inconvenientes mais o da falta dos benefícios das outras possibilidades. Enquanto se não assumem estes custos é possível que se esteja a adiar a escolha até que, pura e simplesmente, todas as possibilidades se dissolvam, ficando-se portanto com os inconvenientes todos e sem qualquer benefício - Como uma pessoa que entre numa pastelaria para comer 1 bolo, ou 2 dos mais baratos, sem dinheiro para mais, mas que não assuma que, comendo este, não saboreará aquele... e assim fique até à hora do fecho da pastelaria.
Uma retórica manipuladora evitará a consciencialização dos custos - como Alcibíades face ao pathos dos atenienses, em O nó do problema ocidental: Da influência cultural e da retórica  . Mas, se for verdadeira a velha frase pode-se enganar muita gente durante pouco tempo, ou pouca gente durante muito tempo, mas não muita gente durante muito tempo, então essa retórica só funcionará nas 2 primeiras situações, não na 3ª, e queimando a credibilidade do proponente ou para depois do "pouco tempo", ou para "muita gente". Se valer a pena salvar a credibilidade desta pessoa, então parece que essa será uma estratégia apenas para casos desesperados.

sábado, 14 de novembro de 2009

Mas... há um problema civilizacional?!

Sob esta etiqueta tenho colocado uma série de posts preocupados, senão pessimistas sobre o futuro próximo ou a médio prazo. Não podemos porém deixar de nos lembrarmos que outras expectativas serão possíveis - visto o futuro ser o que está em aberto. Tenho a impressão que é geralmente o caso dos promotores do "transhumanismo" - v. http://transhumanismo.blogs.sapo.pt/ . Por sinal já me referi aqui a uma obra sobre essa expectativa de um tempo em que o homem natural dominará tecnicamente esta sua natureza, e a transformará segundo um interesse que escapa a esta última (Crise económico-financeira, transhumanismo... e a ... ), e o juízo do autor será negro. Mas além do link para aquele blogue (no qual sei que Rui Barbosa acolhe bem qualquer participante), aponto aqui a recensão de outro livro recente que ilustra esse optimismo: Aldo Schiavone, Histoire et Destin, Paris: Belin, 2009.
O autor - por sinal um conhecido estudioso da evolução das civilizações - reconhece 2 grandes revoluções que facultaram o sucesso da espécie humana na Terra, e perspectiva uma 3ª. A 1ª (se bem entendi) terá sido a passagem do nomadismo recolector ao sedentarismo agrícola - em O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências (p. 49) refiro de passagem a datação de vestígios dessa época que sugerem a anterioridade de símbolos religiosos aos instrumentos daquele organização sócio-económica, pelo que tal revolução terá começado por ser cultural. A 2ª grande revolução foi a industrial. Uma e outra terão sido provocadas por uma inteligência (a que se desenvolveu com o homo sapiens sapiens) capaz de determinar um projecto, e desenvolver uma técnica para usar o mundo dito natural em ordem ao cumprimento daquele. Segundo o autor, aliás, "natureza" (como entidade transcendente ao homem, etc.) expressa apenas a resistência que os 1ºs homens encontravam no mundo externo, não podemos porém reconhecer-lhe hoje qualquer imutabilidade, ou essência eterna e assim sagrada que houvesse que respeitar, dada a historicidade que lhe descobrimos desde muito antes de aparecer o homo erectus.
E agora a mesma inteligência preparar-se-á para uma 3ª revolução: a da aplicação da genética, biónica, robótica, etc., ao ser humano, o qual se transformará assim em ordem à erradicação de doenças, envelhecimento e mortalidade (!)... Além disto tudo, talvez assim se adapte o ser "pós-humano" à escassez de água potável, de diversos nutrientes, etc. que as previstas alterações climáticas deverão acarretar - no ensaio acima referido tive o cuidado de mencionar autores como B. Lomborg, que sustentam que, mais fácil do que inverter essas alterações, será adaptarmos-nos a elas.
Intuitivamente, me parece difícil que, se estas alterações ocorrerem nas próximas 2 ou 3 décadas, tais alterações tecnológicas de toda uma espécie até aqui apenas natural ainda venham a tempo de resguardar a maioria dos indivíduos dessa (nova) espécie. Todavia a velocidade da expansão da transformação comunicacional desde os primeiros telemóveis e o começo da aplicação da internet à comunicação aberta (não apenas militar nos EUA) foi de tal ordem que deixo um ponto de interrogação sobre aquela intuição.
Mas como Schiavone bem apontará (convergindo aqui com o autor que referi naquele post de Julho), a questão não é apenas técnica. Antes disso, é esse o nosso projecto?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Para ouvir uma e outra vez

Antes que a beleza (com Sharon Stone) saia desta página, aqui entra a beleza do canto de Elis.

(Bem, e que ideia terá sido essa de a convidarem para um momento do Festival (português) da Canção?!... Sinto bem a situação em que ficaram os nossos cantadores e cantadeiras que nesse dia tinham a oportunidade de mostrarem as suas habilidades às famílias e amigos em plena televisão (!) - se quando eu fazia desenhos para as minhas filhas alguém tivesse escolhido esse momento para lhes mostrar os estudos de Leonardo da Vinci, teria sentido o mesmo.)

2 Conceitos de liberdade, 2 liberalismos

Neste período de redefinição da ordem política internacional, e com isso de reorientação das modas ideológicas que influenciam opções nacionais, autárquicas... e até nos valores e costumes sociais, parece estar a tornar-se uma "verdade" - daquelas que o são por tanto serem repetidas - que o liberalismo está errado. Que a actual crise é a prova provada de que regulamentações minimalistas, individualismos, etc., são catastróficos a médio prazo. Não me parece que o argumento seja válido nem verdadeiro:
Não é válido - se formulado apenas como esbocei acima - porque faltará mostrar que nenhuma outra aplicação do dito "liberalismo" evitaria tal crise - quer dizer, porventura alguns já terão proposto tais demonstrações, mas só na base da consideração destas é que se poderá chegar àquela rejeição, elas não são dispensáveis à argumentação.
E não é verdadeiro porque a premissa (talvez implícita) que caracterize o "liberalismo" por traços como aqueles é falsa: não existe 1 mas 2 liberalismos. Em geral diz-se que esta família política se distingue por privilegiar o valor da liberdade - na tríade socialismo-igualdade, conservadorismo-segurança. Mas por sua vez distinguem-se, na teoria mas possivelmente mais ainda na prática, 2 conceitos de "liberdade": a negativa e a positiva (creio que foi Tagore quem lhes chamou "liberdade-de" e "liberdade-para"). A 1ª é a mera ausência de cadeias, de constrangimentos de qualquer espécie. Portanto também de alguma orientação a cumprir, que é aceite pela 2ª, constituída assim pela ausência de obstáculos a este cumprimento. Da 1ª posição em filosofia política, decorre a ideologia prática do liberalismo clássico (a que se reporta hoje o neo-liberalismo). Da 2ª posição, decorre o chamado "liberalismo novo", ou "social"... Se o 1º tenderá para a menor regulamentação possível (mas não necessariamente a dos anos 80/90...), o 2º procura regulamentações que evitem a exclusão social, de modo que só uma vez garantido um nível de sobrevivência que permita a cada cidadão escolher (económica, politicamente...) é que o Estado deixará de intervir - note-se que mesmo esta pequena intervenção pode ser contratualizada com privados, não precisa de ser pública como o socialismo estatizante tenderá na senda da máxima igualdade possível. Um filósofo que se destacou neste 2º liberalismo foi por exemplo J. Rawls.

O que estalou com esta crise não foi o liberalismo, mas um positivismo tecnocrático que presumia um pacote de leis absolutas, mais a faculdade de alguns iluminados lhes acederem - só a mão invisível seria deus, e Reagan e Thatcher os seus profetas. No regresso à terra, onde as opções de filosofia política e ideológicas nunca deixaram de acontecer, devemos porém ter a paciência de não nos precipitarmos em generalizações e em rejeições sem argumentação.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ainda a ecologia

Não tenho mais tempo para aqui ficar (aliás, já estou em procrastinação... como se me tornou hábito neste blogue!), pelo que - pedindo desculpa alheia pelo sorriso idiota da pequena que apresenta este trailer - daqui remeto de imediato para ele.

Se você entretanto estiver com tempo, sugiro-lhe que siga para a leitura de http://www.nybooks.com/articles/23387?utm_medium=email&utm_source=Emailmarketingsoftware&utm_content=725200950&utm_campaign=November192009issue+_+uylutu&utm_term=AGreatJumptoDisaster.

Até a não contradição entra em relativizações?!...

Quando Aristóteles sistematizou a lógica grega estabeleceu 3 princípios a que qualquer raciocínio deveria obedecer: cada coisa coincidirá com ela própria (identidade); não se pode afirmar de 1 coisa algo e o seu contrário ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto (não contradição); e que se isso que se afirma não é verdadeiro então é falso, e vice-versa (3º excluído). Este último princípio - o de que só há 2 valores de verdade (verdadeiro e falso) - ficou logo sob suspeita, e hoje há lógicos que defendem que eles constituem apenas os extremos de um espectro infinito de graus de probabilidade (pelo que recusar 1 verdade abre tanto à falsidade dessa afirmação quanto a qualquer seu grau de probabilidade que não o da necessidade). Em termos operatórios resta assim o 2º princípio (o 1º não adianta grande coisa na orientação dos raciocínios). De modo que se poderia interpretar o post Ciência: método vs. dialéctica e retórica
em correlação a uma comunicação de Anna Carolina Regner, como o estabelecimento do princípio de não contradição como pedra básica de qualquer discurso racional. Ou seja, aí teríamos que estar todos de acordo - sob pena de perdermos a validade racional - e só depois é que começariam quaisquer divergências teóricas. Mas ao menos esse denominador comum seria seguro... e precisamente seria "comum", permitindo assim alguma "comunicação" (estarmos em comum).
Boris Saulnier e Giuseppe Longo, em "O jogo do discreto e do contínuo em modelização: Relatividade dinâmica das estruturas conceptuais" (in: E. Morin & J.-L. Le Moigne (ed.), Inteligência da Complexidade - Epistemologia e Pragmática, trad. J. Duarte, Lisboa: Instituto Piaget, 2009, pp. 79-101), até esse descanso, e aconchego, nos tiram!
Considerando 1 "modelo" como uma definição de "objectos, operações, propriedades, conceitos, [para] representá-los e manipulá-los matematicamente" (p. 79), afirmam na página seguinte que "cada tipo de modelo propõe um olhar, uma organização do mundo" - os itálicos, penso, significam precisamente que não há uma acepção única de "objecto", etc., de modo que por ex. perceberemos o computador que temos à frente de uma maneira, se estivermos usando uma acepção de "objecto", mas de outra maneira se usarmos outra acepção. Para depois na página 87 estenderem esta relativização teórica até àquele solo firme que nos restava, o do princípio lógico da não contradição: não que algo não seja formulado sob este título; mas o modo como se opera com ele, isto é, o seu uso ao longo dos raciocínios, não é único. Nomeadamente, varia com a concepção de lógica que se implementa, de forma que esse princípio emergirá ou no âmbito das relações entre princípios de demonstração... ou no âmbito das relações entre modelos de axiomas propostos. Mas nem estes autores desenvolvem nesse texto esta questão (remetem-na para J.-Y. Girard), nem menos ainda faria aqui sentido tentá-lo.
Para memória futura, digamos assim, importa apenas que nos lembremos que mesmo a réstea de base segura, de denominador comum... mesmo isso nos está hoje em jogo!

sábado, 7 de novembro de 2009

De St. Andrews para Copenhaga

Custa, depois da beleza no post em baixo, vir empurrá-la assim... ou poluir (no contexto, esta deve ser a palavra) esta página com estas linhas, por curtas que sejam:
Vim ver o comunicado da reunião dos ministros das finanças do G20 que acabou há bocado - http://www.g20.org/Documents/2009_communique_standrews.pdf. Depois de em Para a conferência de Copenhaga ter associado a organização económica internacional à sustentação de uma restrição da poluição, interessava-me particularmente ver se se chegara à assunção dos respectivos custos, ou se, pelo contrário, se se ficava por algumas belas intenções e promessas de muito empenho... para um futuro qualquer, e por alguém... ainda não se sabe bem quem. O parágrafo 7 - o último antes do encerramento... - parece-me ser um bom exemplo desta 2ª possibilidade. Será que é em Copenhaga que regressarão aos custos? (Mesmo que a esperança também porventura tenha que morrer, sempre podemos deixá-la para o fim).

Entre o enigma do belo... e os da matemática


 Porque é que esta mulher (Sharon Stone) "é bela"? - O notável (além da beleza dela, claro!) é que o uso da forma verbal "é" parece estar empiricamente confirmado. A saber, contra a ideia batida - no seio desta nossa já tradicional cultura pós-moderna... - de que o juízo de beleza humana é subjectiva e culturalmente condicionado, verificam-se antes denominadores comuns nesse juízo transversais a quaisquer culturas, como a simetria do rosto, e a minimização do seu desvio padrão (do afastamento às proporções médias).
Como argumentam J.-Y Baudouin e G. Tiberghian, "Female facial attractiveness was investigated by comparing the ratings made by male judges with the metric characteristics of female faces. Three kinds of facial characteristics were considered: facial symmetry, averageness, and size of individual features. The results suggested that female face attractiveness is greater when the face is symmetrical, is close to the average, and has certain features (e.g., large eyes, prominent cheekbones, thick lips, thin eyebrows, and a small nose and chin). Nevertheless, the detrimental effect of asymmetry appears to result solely from the fact that an asymmetrical face is a face that deviates from the norm. In addition, a factor analysis indicated that averageness best accounts for female attractiveness, but certain specific features can also be enhancing. (Resumo do artigo à venda em http://www.sciencedirect.com/science?_ob=MImg&_imagekey=B6V5T-4D9DBD3-1-3&_cdi=5795&_user=10&_orig=search&_coverDate=11/01/2004&_sk=998829996&view=c&wchp=dGLbVlz-zSkzk&md5=996952d13ff46d87d7e8588da4dd1135&ie=/sdarticle.pdf). Ou seja, sob, e envolvendo, pequenos factores culturais e subjectivos, o grande critério do juízo estético, pelo menos no que ao corpo humano diz respeito, é matemático.
Matemática e beleza - aqui voltamos aos enigmas desta ciência. Um biologista simples dirá: estamos geneticamente programados, ao cabo da evolução da espécie em curso, a acharmos belo o que obedece a proporções matemáticas. "Simples"... ou "simplista", porque a questão será então: a que propósito a selecção natural nos obriga ao custo extra de obrigar, ou de tender para tais proporções? O que é que estas têm de tão importante para a sobrevivência da espécie que justifique o custo da sua selecção, ou seja, o não aproveitamento de espécimes funcionais, capazes de reprodução, mas assimétricos...?
Deixa para a entrada em cena dos platónicos: a palavra "é", ou "existe", etc. compete (senão primeira ao menos legitimamente) a ideias, ou conceitos, e também a puras relações como as matemáticas. Depois, tanto tudo o que há as manifesta tão perfeitamente quanto lhe for possível, e funcionará, sobreviverá, será "bom" nessa medida! (o belo é o distintivo disso) - veja-se a alegoria "da linha" em A República de Platão. Quanto um dos tipos de entes que há, o ser humano, revela a capacidade de remontar até essa realidade 1ª - veja-se a alegoria "da caverna" na mesma obra. Projecto teórico porém que logo Aristóteles criticou de forma que até hoje resta difícil ultrapassar - ou seja, resta difícil sustentar aquela ajuda platónica ao simplismo biologista na explicação do juízo estético... E todavia os dados empíricos recolhidos em artigos como o acima citado estão aí...
Lá tenho que usar outra vez a frase "Demasiada areia para a minha camioneta"! Entretanto vem isto a propósito do meu almoço de Outubro (que por acaso teve lugar já neste mês) com o João Paulo Constância. Chamou-me ele a atenção para uma recente conferência de uma investigadora sobre a condição matemática da composição musical de Mozart. Nomeadamente, do modo como este músico clássico aplicava, aos sons no tempo, os paradigmas das transformações de uma figura no espaço - como a rotação e a translação, nas quais a simetria é determinante. Ora a teoria clássica da dedução subsume estas transformações a axiomas puros, aplicáveis também a números, a saber, os axiomas do fecho, da comutatividade, da associatividade, da identidade, e da inversão - v. M.S. Lourenço, Teoria Clássica da Dedução, Cap. 1, Lisboa: Assírio & Alvim, 1991, pp. 23-65.
Música para... já nem diria ouvidos, mas antes pensamentos platónicos! Nessa linha deixo em seguida o link para a notícia da conferência que creio ser aquela que o meu amigo me mencionou. Com os votos de bom fim de semana aos platónicos (mas que se não animem ao ponto de esquecerem aquelas também velhas objecções...). E que aqui fica como pedra no sapato para nós outros, aristotélicos, ou aristotélico-tomistas... e a condenação a mais um fim de semana de trabalho, de perguntas, e de apenas humilde satisfação.
http://www.cvtv.pt/imagens/index.asp?id_tag=3&id_video=70

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

"A Nossa Escolha"

Acabei de saber que no próximo dia 16 sairá a versão portuguesa da última obra de Al Gore, Our Choice. Directamente nenhum de nós poderá fazer seja o que for de significativo nessa matéria - teríamos que comunicar em inglês, e receber a atenção mundial devida a um ex-Vice-Presidente americano e prémio Nobel... que mesmo assim não parece ser muito escutado! Mas como cidadãos eleitores, ínfimos opinion makers que possamos ser, somos responsáveis por contribuir para a aceitação ou recusa do preço, nomeadamente no plano do conforto, que a sustentabilidade ecológica a CURTO prazo parece ter.
A minha incredulidade de há 20 anos (cf."Da esperança na salvaguarda da Natureza" (14/04/1...) mantém-se. Em todo o caso aqui fica a apresentação daquela obra na 1ª pessoa:

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Inovação e educação para a criatividade

Desde Schumpeter que a inovação - de produtos, meios de produção, de comercialização... - foi erigida em chave do crescimento económico (apoiada por alguma acumulação de capital que permita o investimento, e por legislação da propriedade, do trabalho... que o não entravem). No seu recente post http://dererummundi.blogspot.com/2009/11/estrategia-para-o-conhecimento.html Norberto Pires assinala a ligação entre inovação empresarial e educação escolar (e familiar!) para a criatividade. Parece óbvio.
Vem muito a propósito a palestra de Sir Ken Robinson, cujo link a Maria João Cavaco fez o favor de me enviar há tempos. Apesar de talvez um bocadinho longa para o espírito da navegação na net (pelo menos para o meu já é), a quem domina o inglês valerá muito a pena desde logo pelo excelente sentido de humor do conferencista! A sua argumentação, depois, não me parece suficiente: apontar uns quantos casos isolados, ou mesmo teorias parcelares, e depois simplesmente sugerir a sua generalização e relevância para o tema em causa não é uma indução logicamente válida. Mas não deixa de valer como sugestão, como pista a explorar - antes de como cidadão eleitor ou porventura como professor, como pai/mãe. Aqui fica pois esse link:
http://www.ted.com/talks/ken_robinson_says_schools_kill_creativity.html

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A 1ª função efectiva (!) da universidade portuguesa

Cristina Civale destacou no seu post http://weblogs.clarin.com/itinerarte/archives/2009/11/pensar_la_contemporaneidad_los_intelectuales.html o que o linguista e ensaísta político Noam Chomsky assumiu como 1º princípio geral na política internacional contemporânea: que os apologetas da actual ordem política, justificando os interesses dos fortes perante os fracos, são os intelectuais - salvo honrosas excepções, a isso se terão estes reduzido (o link para a conferência completa encontra-se naquele post). Não tenho dados para ajuizar sobre o juízo de Chomsky, mas serve-me de impulso para um outro que há tempos ando para aqui deixar sobre o núcleo identitário da universidade portuguesa - e portanto de qualquer outra que aquela tenha inspirado (África lusófona?...):

Em geral, creio que as funções que identificam a instituição universitária são, por um lado, a formação de quadros superiores - ou seja, profissionais com conhecimentos actualizados sobre uma área de trabalho, com as capacidades de, nesta, reconhecer problemas, equacioná-los, implementar as respectivas resoluções, e avaliar os resultados. Por outro lado, cabe às universidades a reflexão sobre o conhecimento herdado em vista ao seu desenvolvimento, ou mesmo à produção de novos conhecimentos (a transmitir aos quadros anteriores). Como se posiciona a universidade portuguesa sob estes 2 parâmetros?
Segundo as estatísticas vulgarmente publicadas, durante o Estado Novo os quadros superiores portugueses seriam normalmente competentes, mas em pequena percentagem por comparação às restantes populações europeias. A universidade não terá pois cumprido esta função numa época em que se passava da II para a III Revolução Industrial e para a economia do conhecimento desta última. Em troca, depois da revolução democrática de 1974/75 aumentaram muito os diplomados superiores. Mas a produtividade portuguesa não aumentou numa mesma proporção! Apetece dizer que - talvez para que alguma velha tendência se mantivesse... - para compensar a subida quantitativa, baixou a qualidade.
Por outro lado, basta consultar os índices remissivos de qualquer obra de história das ideias para saltar à evidência que Portugal simplesmente não existe nesse processo histórico. Isto é, se por exemplo não é possível traçar, comprovadamente e sem saltos, a 1ª Globalização sem referir o séc. XV português, todos os passos da história da filosofia, da história da matemática, etc. podem ser reconstituídos sem referência a qualquer autor português.
De fraquinho a praticamente nulo, estes serão os valores da universidade portuguesa não só de agora, provavelmente de sempre, à luz daqueles 2 parâmetros. O que é que esta instituição tem então levado a cabo, que a mantém ao ponto de se manter a despeito da compressão demográfica, orçamental...?
Desde logo pelo menos 1 coisa a universidade portuguesa tem feito primorosamente durante o séc. XX e XXI (não sei se antes também): de Salazar a Cavaco Silva, passando por Marcelo Caetano e toda uma série de Ministros e Secretários de Estado, até António Guterres que não foi professor universitário mas logo os seus colaboradores se apressaram a informar que fora um dos melhores alunos do I.S.T., e José Sócrates que não dispensou um diploma nem que fosse em resposta a provas de avaliação enviadas por fax a partir do Governo (!),a universidade portuguesa tem-se revelado imbatível na conquista dos cargos de poder político. Nesta função sim, o valor da universidade portuguesa dificilmente encontrará par no mundo civilizado... se calhar por isso, que mal tem sido o nosso!
O que o célebre linguista norte-americano parece sugerir é que este último fosso se estará a esvair (na medida em que se ligue a universidade à intelectualidade portuguesa - se esta existe, o que disse acima é que pouco ela se encontrará naquela instituição anterior). Mas não por subirem uns, antes por descerem os outros.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Mais um concerto do Barça Quartet!

Messi, Iniesta, Xavi & Henry, e Amigos! O Real também não esteve nada mal, mas as triangulações atacantes deste Barcelona vão ficar na memória de quem gosta, não só de futebol, mas de qualquer dinâmica de ordem criativa.

Da escola semiótica aos manuais de bons (e maus!) costumes

A investigação sobre comunicação distingue-se hoje entre as chamadas "escola processual" e "escola semiótica": a 1ª assume a comunicação como a passagem de uma mensagem do emissor ao receptor, mediante um código, canal, etc. Decompondo estes elementos, pode assim pretender-se que o sentido de uma mensagem é independente do código usado para a exprimir, da interpretação dum dado receptor,... Por exemplo, um político (como Lenine) emite uma mensagem de belas palavras na sequência da qual são mortos milhões de pessoas, argumentarão porém os seus apaniguados que aquela beleza resta aquém deste morticínio. Já para a escola semiótica, como diz António Fidalgo (http://www.scribd.com/doc/2587154/Antonio-Fidalgo-UBI-A-semiotica-e-os-modelos-de-comunicacao), "o significado da mensagem não se encontra instituído na mensagem, (...) é algo que subsiste numa relação estrutural entre o produtor, a mensagem, o referente, o interlocutor e o contexto". Pois falta encontrar o olhar de Deus que faculte o sentido absoluto de quaisquer signos linguísticos, de tal forma que os sentidos acabam por se constituir nos comportamentos a que a comunicação dá azo - uma de duas: ou bem que o sentido da comunicação leninista é o Gulag, ou bem que, não lhe sendo imputável quaisquer comportamentos consequentes (nunca terá sido por escutarem as ordens de Lenine que os funcionários do Partido começaram a matar camponeses...), a comunicação do pai do comunismo simplesmente não tem qualquer sentido. (A não ser, claro, que 1º se renegue o ateísmo, e 2º se institua Lenine, já agora também Estaline e Mao, como os profetas de um Deus que lhes facultou o Seu olhar absoluto!).
Pela minha parte ainda não fui tocado por este espírito santo. Resta-me portanto, humildemente, a interpretação semiótica da comunicação, aproveitando a análise processual apenas nos quadros da anterior abordagem.
E é por isto que no meu perfil indiquei a Bíblia como um dos meus livros favoritos - não que eu seja religioso, mas desde logo porque será o maior manual de bons costumes que a história regista.
Num 2º passo, já derivado, porque foi da sua leitura e ensino que decorreu a prática da igualdade entre os seres humanos (por relação a um Criador comum), e do trabalho e tempo progressivo (da queda à ressurreição) que  têm mobilizado tantos avanços no desenvolvimento humano. É certo que os manuais de maus costumes que são os textos daqueles comunistas se inspiraram nesse sentido da comunicação bíblica para desencadearem o Gulag. Mas afastaram-se dessa comunicação, mormente do Novo Testamento, que proclama a liberdade de consciência de cada pessoa (como S. Paulo na estrada para Damasco), assumindo antes o determinismo historicista de Marx. A antropologia comunista contrapõe-se pois radicalmente à bíblica, de modo que a mancha do holocausto comunista não toca a Bíblia - outros comportamentos a mancham (cruzadas, Inquisição...), mas não o daquele morticínio.
O qual, sendo equiparável ao nazi, semioticamente coloca o sentido da comunicação comunista ao nível do Mein Kampf. Comunicações que aliás se revelam disparatadas num 1º passo prévio ainda à assunção de quaisquer valores em detrimento de outros (portanto prévio à discussão): o facto é que a comunicação nazi assumiu-se como lançando um Reich que duraria 1000 anos... durou 12, tal como a comunista se assumiu como um catalisador (o partido que Lenine acrescentou à teoria de Marx) de uma história irreversível... que reverteu em 1989/91. Ou seja, uma e outra geraram comportamentos que as inviabilizaram. Ao contrário da comunicação bíblica, que, uma vez potenciada pela comunicação filosófica grega, levou a pequena população desta península asiática que é a Europa a um poder nunca antes visto - um poder muitas vezes destrutivo, mas que não só se mantém como os seus comportamentos são cada vez mais copiados. A diferença entre esses manuais tem sido pois da noite para o dia.
Em suma, até que os leitores de Saramago (não digo o próprio escritor porque me parece que os ressentimentos e complexos deste homem lhe não deixam inteligência suficiente) erradiquem, argumentadamente (!), a teoria semiótica da linguagem, e sustentem a sua (deles) elevação ao olhar de Deus que os dispensa de qualquer relativização da comunicação aos comportamentos que se lhe sucedem, resta-nos felicitar o comité do prémio Nobel que destacou a obra deste escritor português pela sua imaginatividade... que de coisas reais ela não versa. É um entretenimento, dedique-se-lhe quem lhe acha graça, pela minha parte, como acho mais graça ao futebol, passo de imediato ao post seguinte:

domingo, 1 de novembro de 2009

Equilíbrio... intenso (3)

Pratiquei artes marciais, com uma intensidade que buscava o equilíbrio, antes da Madalena nascer e dum meu joelho ceder. Depois pratiquei moderadamente - também porque nesse meu equilíbrio esta moderação foi o lugar próprio a essa prática. Até que há uns 2 ou 3 anos o 2º joelho cedeu. Desde aí resta-me admirar, e invejar (!), a perfeição de gestos como estes.
(Que se não engane o leigo com a imagem de bonequinha chinesa - tente agarrá-la algum homem de mais de 100kg., que se ela acelerar um pouco a avançada com a mão direita espalmada no peito dele o projecta a uns bons 4 ou 5 m.!)

Devo acrescentar que me parece que a proposta oriental de vivência do equilíbrio não é idêntica à proposta ocidental - de Aristóteles ao tango e à equitação clássica - mas pelo menos cada uma destas propostas poderá reconhecer na outra algo que também ela visa.

Equilíbrio... intenso (2)

O Mestre Nuno Oliveira é frequentemente julgado o maior equitador em dressage do séc. XX. Não sei julgar tal. Mas o que me lembro da minha iniciação à equitação faz-me tirar o chapéu (se o tivesse) a este equilíbrio entre ele e a sua montada, ao que percebo, a despeito de algumas ajudas com as pernas e sinais com as rédeas, basicamente graças à colocação do peso do cavaleiro - em uníssono ao do cavalo, mas, ao mesmo tempo, um instante à frente em direcção a onde o movimento do animal pode evoluir sem roturas ou sobressaltos!
Um outro equilíbrio, este, que ao contrário de dormente potencia para além do que à partida teria sido possível.

Equilíbrio... intenso (1)

Gosto de pensar que Aristóteles teria ficado fascinado pelo tango!
No penúltimo post referi a sua opção pelo justo, e meio, termo. Os pseudo-alternativos precipitam-se a classificar esse ideal como frouxo, meias-tintas... A ideia grega era precisamente o contrário: cada coisa terá o seu lugar natural, o qual é contornado pelos respectivos limites, para quanto mais perto destes se derrapar (a partir do interior) mais perto do disforme, da degeneração se ficará. E é naquele lugar que se encontra também o poder de sustentação de cada coisa.
Diversidade e harmonia, ordem e paixão... O que o poderá realizar mais do que o tango?! (Além de que esta bailarina...)