séc. XV - 1ª globalização: expansão marítima europeia (Portugal e Espanha); triângulo comercial Europa (artefactos), África (escravos), Américas (matérias primas); emersão dos Estados europeus e secundarização das instituições supranacionais (Sacro-Império e Igreja). O mundo torna-se 1 só... sob a regra europeia.
1850 - 2ª globalização: Revolução Industrial europeia; alianças cruzadas entre os Estados europeus, que partilham a África, Índia, Sudeste Asiático, e forçam a abertura dos mercados japonês e chinês (Tratado de Nanquim, 1842).
1950 - 3ª globalização: o mundo é ordenado segundo dois blocos ocidentais (democracias capitalistas vs. regimes comunistas), num jogo enquadrado por organizações supranacionais (como a CEE e a EFTA na Europa, ou o FMI para auxiliar Estados em crises financeiras); III Revolução Industrial (robotização, informatização, telecomunicações) e supremacia de grandes empresas internacionais, durante a descolonização pelos europeus. O mundo mantém-se 1 só... na tensão entre 2 regras ocidentais.
1989/91 - prolongamento do jogo: colapso do bloco comunista, mantém-se a ordenação mundial segundo a regra do bloco sobrevivente (emersão dos "tigres do Pacífico", China adere ao GATT...).
Novembro de 2010 - 4ª globalização? Perante a crise económico-financeira dos EUA e maioria dos países europeus, o novo maior exportador mundial, e também o Estado com as maiores reservas financeiras do mundo, a China, depois de crescentemente substituir os Estados europeus em África, intervém na Europa comprando dívida pública dos Estados europeus em maiores dificuldades e investindo nas suas economias (ex. compra de parte do BCP). 2 novidades: a) insuficiência das organizações supranacionais de matriz ocidental na resposta à crise, a China intervém directamente sem cuidar de ascender segundo as anteriores regras do jogo mundial; b) a salvação é extra-europeia, extra-ocidental. E "quem dá o pão, dá o pau".
domingo, 7 de novembro de 2010
sexta-feira, 9 de abril de 2010
Globalização e: economia ou teologia?...
Max Stackhouse escreveu que "the kind of faith one has makes a great deal of difference in social, cultural, political and economic life — indeed, to the basic contours of civilization" (v. http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=8381 - na 1ª de 5 partes dum ensaio que deverá continuar a ser publicado nesse sítio. Deixo-o aqui assinalado precisamente numa sugestão de prosseguimento de leitura.
Mas entretanto com esta nota: propõe o autor que a actual conjuntura civilizacional, a globalização do mundo, não seja pensada estritamente em parâmetros económicos - os factores gerais das nossas escolhas (recursos, proveitos...) - mas antes a partir do estabelecimento dos valores em função dos quais se ponderam proveitos, dispêndio de recursos... E a religião estará no centro desse estabelecimento. A ideia é antiga. Mas contrapõe-se-lhe a tese mais recente da ética evolucionista - cf. ex. Altruísmo e evolucionismo (2) - que, na base dum darwinismo que por sua vez se inspirou no economicismo de Adam Smith e de Malthus (demografia), proporá que as religiões é que se constituem como investimentos seleccionados ao longo da evolução da nossa espécie, por se revelarem proveitosos para a sobrevivência humana (visto estimularem a entreajuda, animarem-nos face à morte, etc.).
Ficam pois as questões, respectivamente de 1ª e de 2ª ordem: 1ª) É a economia que deve ser pensada na base da religião, para então se interpretar e intervir no actual mundo globalizado, ou, ao contrário, a religião é que deve ser pensada economicistamente, e depois o mundo pensado em conformidade? 2ª) Qual será o critério para decidir a anterior contenda teórica?
Ficam pois as questões, respectivamente de 1ª e de 2ª ordem: 1ª) É a economia que deve ser pensada na base da religião, para então se interpretar e intervir no actual mundo globalizado, ou, ao contrário, a religião é que deve ser pensada economicistamente, e depois o mundo pensado em conformidade? 2ª) Qual será o critério para decidir a anterior contenda teórica?
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domingo, 4 de abril de 2010
Da influência das minorias sobre as maiorias - o ex. da Seara Nova
A tarefa de organizar uma colecção da Seara Nova - que me sugeriu 4 posts recentes - levou-me a comentar com um amigo quão frustrado terá sido afinal o esforço de tantos que durante décadas mantiveram essa revista! E o que isso sugere sobre actuais projectos de intervenção cultural...
Com efeito, desde a I República (em Portugal) e passando pelo Estado Novo, dezenas de autores com obra nas humanidades, nas ciências sociais, e nas ciências naturais mais a matemática, tendo ainda o cuidado de estabelecer transdisciplinaridades e de destacar interdisciplinaridades, participaram naquela revista, durante muitos anos publicada semanalmente, com o intuito não só de informar, mas ainda de convocar e treinar a leitura crítica das elites portuguesas - "Elite" significa aí os que tinham acesso à informação e à respectiva reflexão, e que também por isso tendiam a ocupar os cargos públicos de maior responsabilidade. Além dessa participação, todos eles mantinham a sua produção e o seu magistério em academias, institutos, outras publicações, etc. Posso referir, noutro exemplo além daqueles 4, o médico e investigador Abel Salazar, expulso do ensino em 1935 pela sua oposição ao regime autoritário, e que a 15/04/1937 correspondeu ao convite de António Sérgio para que colaborasse com a S.N. com o artigo, não de medicina mas de filosofia, "Pensamento lógico, pré-lógico, pseudo-lógico e psicológico. Pensamento emotivo, pensamento lógico e empiro-lógico" (Ano XVII, Nº 505: 3-7), numa contribuição para a divulgação em Portugal das obras do Círculo de Viena! (Tenho que colocar um "!" pois creio que só talvez há uma dúzia e meia de anos essa linha de pensamento se terá começado a enraizar neste país).
Mas esta frustração do esforço de Abel Salazar bem poderá representar a de todos os seareiros. Pois o que, objectivamente, eles conseguiram foi formar a geração que, tendo recebido o poder político (e económico-social) daquele grupo de oficiais de carreira de patente intermédia que em 1974 se recusaram a continuar a combater em África uma vez que lhes foram equiparados os oficiais milicianos, e apesar da CEE e da UE, da ausência de catástrofes e guerras... trouxe o país até este limiar de A próxima década portuguesa - II. Tanto esforço de cultivar uma massa crítica que transformasse o país... e o resultado foi este! Valeu a pena? Não teriam todos eles melhor para fazer, quer intimamente para cada qual quer para os respectivos círculos próximos, do que gastar o seu tempo e energia numa educação cujos frutos afinal foram estes?...
Em Da influência cultural e da retórica... mas também... alinhavei algumas referências mais ou menos soltas sobre a influência das minorias sobre as maiorias. O exemplo dos seareiros parece sugerir que a expectativa sobre uma ocidentalização cultural dos portugueses (e lusófonos?) deva ser reduzidíssima... Só vislumbro 1 saída para esta sugestão: na minha passagem de olhos sobre os índices dos Nºs da referida colecção não dei conta de sinais duma ênfase estratégica na detecção, e resposta ao núcleo da resistência da maioria à influência implementada - como Howard Gardner recomenda. Será essa a pista que lhes faltou, ou, definitivamente, o pathos lusitano não é tocável pela retórica ocidentalizante?...
Com efeito, desde a I República (em Portugal) e passando pelo Estado Novo, dezenas de autores com obra nas humanidades, nas ciências sociais, e nas ciências naturais mais a matemática, tendo ainda o cuidado de estabelecer transdisciplinaridades e de destacar interdisciplinaridades, participaram naquela revista, durante muitos anos publicada semanalmente, com o intuito não só de informar, mas ainda de convocar e treinar a leitura crítica das elites portuguesas - "Elite" significa aí os que tinham acesso à informação e à respectiva reflexão, e que também por isso tendiam a ocupar os cargos públicos de maior responsabilidade. Além dessa participação, todos eles mantinham a sua produção e o seu magistério em academias, institutos, outras publicações, etc. Posso referir, noutro exemplo além daqueles 4, o médico e investigador Abel Salazar, expulso do ensino em 1935 pela sua oposição ao regime autoritário, e que a 15/04/1937 correspondeu ao convite de António Sérgio para que colaborasse com a S.N. com o artigo, não de medicina mas de filosofia, "Pensamento lógico, pré-lógico, pseudo-lógico e psicológico. Pensamento emotivo, pensamento lógico e empiro-lógico" (Ano XVII, Nº 505: 3-7), numa contribuição para a divulgação em Portugal das obras do Círculo de Viena! (Tenho que colocar um "!" pois creio que só talvez há uma dúzia e meia de anos essa linha de pensamento se terá começado a enraizar neste país).
Mas esta frustração do esforço de Abel Salazar bem poderá representar a de todos os seareiros. Pois o que, objectivamente, eles conseguiram foi formar a geração que, tendo recebido o poder político (e económico-social) daquele grupo de oficiais de carreira de patente intermédia que em 1974 se recusaram a continuar a combater em África uma vez que lhes foram equiparados os oficiais milicianos, e apesar da CEE e da UE, da ausência de catástrofes e guerras... trouxe o país até este limiar de A próxima década portuguesa - II. Tanto esforço de cultivar uma massa crítica que transformasse o país... e o resultado foi este! Valeu a pena? Não teriam todos eles melhor para fazer, quer intimamente para cada qual quer para os respectivos círculos próximos, do que gastar o seu tempo e energia numa educação cujos frutos afinal foram estes?...
Em Da influência cultural e da retórica... mas também... alinhavei algumas referências mais ou menos soltas sobre a influência das minorias sobre as maiorias. O exemplo dos seareiros parece sugerir que a expectativa sobre uma ocidentalização cultural dos portugueses (e lusófonos?) deva ser reduzidíssima... Só vislumbro 1 saída para esta sugestão: na minha passagem de olhos sobre os índices dos Nºs da referida colecção não dei conta de sinais duma ênfase estratégica na detecção, e resposta ao núcleo da resistência da maioria à influência implementada - como Howard Gardner recomenda. Será essa a pista que lhes faltou, ou, definitivamente, o pathos lusitano não é tocável pela retórica ocidentalizante?...
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sábado, 3 de abril de 2010
Da guerra e da paz. O Tolstói de José Marinho - Seara Nova, 4/4
O outro Nº da Seara Nova que me ocorreu trazer aqui foi o 802, de 26 de Dezembro de 1942. Mais do que a propósito, saiu precisamente naqueles dias em que o VI exército alemão ficou cercado em Estalinegrado, e se começou a inverter a sorte da guerra. De duas outras guerras trata o artigo do filósofo português José Marinho naquele Nº dessa excelente revista, "Tolstoi e «Guerra e Paz»", pp. 83-85. Por mim (felizmente sem o pretexto doutra grande guerra), até no adjectivo de Marinho à arte do escritor russo é mais uma maneira de voltar a A Grande Arte - tributo a Tolstoi!
Posso já citar: "Como em toda a grande arte, a finalidade aqui não é a de nos ensinar qualquer coisa acerca do que se passou (...), mas simbolizar, num momento particularmente adequado para tal, a existência do homem em todos os seus múltiplos aspectos. Nem falta a este ponto uma subtil ironia quando o autor nos mostra que na paz se trava entre os homens e dentro de cada homem uma guerra não menos dolorosa, embora menos sangrenta, quando nos mostra, por outro lado, que no meio das dores e das atrocidades da guerra podem certos homens, num breve instante, abrir suas almas ao sentido daquela verdadeira e sublime serenidade em que tudo se compreende (...)" (p. 85). Se se logra apresentar o universal no singular, essa será então a "grande arte". Que neste caso nos dá conta de duas guerras: a sangrenta, entre comunidades, que normalmente ostenta esse nome... e que se constitui como um momento particularmente adequado para se apresentar uma outra guerra, esta sem sangue, entre quaisquer homens - mas especificamente no seio da mesma comunidade! - na antecâmara da que se trava no interior de cada homem.
E sobre esta última julga o nosso intérprete (3 parágrafos acima) que "propõe o romancista todo o seu tema. Os humanos vivem mesquinha e contraditoriamente a paz, e a guerra resulta de uma tentativa de escapar a essa mesquinhez e contradição. Mas a guerra, por seu turno, desnuda todo o absurdo, toda a miséria, toda a crueldade do homem. E dessa experiência regressa ele não menos desiludido, ao mesmo que antes fora". "Neste sentido se pode acrescentar que poucas obras existem tão profundamente pessimistas como Guerra e Paz" (p. 84). José Marinho reforça este juízo com a contraposição de Natacha e de Nicolau Rostov aos irmãos príncipes Maria e André, uma vez que os dramas interiores destes últimos não podem aspirar a melhor resultado do que a vida banal a que os 1ºs chegam sem maior esforço... Neste ponto, tanto quanto recordo a minha leitura adolescente - mas quanto ela me marcou! - dessa grande obra, mais o que a minha mulher me foi apontando quando a leu há poucos anos, não concordo com José Marinho. Ao contrário, há uma esperança, mas ela é custosa e, principalmente, diferente da que se visa no início (e durante quase todo o) percurso que a cumpre: tanto Natacha quanto o amigo de sempre com quem acaba por casar, Pedro, terminam pelo menos em parte libertos das fantasias e impulsos que os dominavam. Uma e outro não alcançam a densidade interior de Maria e de André, é certo, mas ao menos ultrapassam a tonteria em que viviam. E esta sua resolução interior faculta-lhes comportamentos mais produtivos, menos facilitadores da destruição, do que os comportamentos para que antes por si mesmos eram arrastados.
Essa processualidade que se constitui por pequenos nadas, mas que em cada passo a podem reorientar, parece-me aliás ficar reforçada com a teorização que Tolstói desenvolve nessa própria obra sobre a história à luz do, ou em analogia ao cálculo infinitesimal matemático (- hei-de lembrar-me de aqui voltar noutro dia).
Por agora termino com 2 apontamentos: 1) Também José Marinho ficou marcado pelo que a mim me impressiona nessa mundividência russa de Guerra e Paz ao Doutor Jivago: "pode comparar-se proveitosamente com o D. Quixote, de que dá, de múltiplas maneiras, visão e forma estética contrapolar. Na mais alta criação do génio ibérico, há uma personagem central simbólica em relação à qual toda a acção decorre e se ordena. Na mais vasta criação do génio eslavo, é impossível encontrar personagem simbólica adunadora, uma dessas figuras plenamente individualizadas das quais todo o essencial provém e a que tudo, em última análise, se refere" (p. 83). Ainda que o mais a que D. Quixote chega, acrescento eu, está mesmo muito próximo do que Marinho reconhece em Natacha...
2) "Ainda hoje muitos homens pensam na Europa e fora dela (...) que o Renascimento e tudo quanto se lhe seguiu significam a definitiva libertação do homem das ilusões místicas, (...). Ora toda a grande arte, e este é o significado da obra de Tolstoi, especialmente de Guerra e Paz, sugere que, concebido nos termos em que o vemos, tal desígnio leva os homens à imbecil satisfação e à certa perda" (p. 84). Na maior parte do ensaio que dá o nome a este blogue - e portanto nas entrelinhas da maioria destes posts - o que tenho andado a procurar sugerir não é mais do que isso... Assim eu o tivesse sabido dizer com a grande arte de José Marinho!
terça-feira, 30 de março de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
Sobre o trabalho, quando o capital volta à velha normalidade
"71. (...) É necessário que aos trabalhadores se dê um salário que lhes proporcione um nível de vida verdadeiramente humano e lhes permita enfrentar com dignidade as responsabilidades familiares. (...)
91. (...) é legítima nos trabalhadores a aspiração a participarem activamente na vida das empresas, em que estão inscritos e trabalham. (...)
92. (...) O que supõe, também, poderem os trabalhadores fazer ouvir a sua voz e contribuir para o bom funcionamento e o progresso da empresa. (...)"
Estas não são frases de algum barbudo revolucionário vestido de caqui e com pistola à cinta... mas sim do Papa João XXIII, na Carta Encíclica Mater et Magistra, de 15 de Maio de 1961 (sobre a posição económica e política dos trabalhadores, v. Parágs. 68-103). Lembrei-me de passagens como essas ao ouvir ontem à noite a notícia da venda da Volvo, pela Ford, à chinesa Geely, dado o simbolismo, ou exemplaridade de que a Volvo se revestiu (creio que) nos anos 1970 em relação à organização técnica do trabalho. A saber, contra o taylorismo, em que cada trabalhador repete indefenidamente uma mesma tarefa que lhe é atribuída (cf. Charles Chaplin, Os Tempos Modernos!...), aquela construtura escandinava - da terra da social-democracia, onde surgiu depois a flexigurança... - terá ensaiado uma organização em que cada automóvel seria montado, ao longo das etapas do processo, por uma mesma equipa. Os custos da formação dos membros desta seriam compensados (esperava-se) pelo cuidado nos pormenores por se aperceberem da função de cada peça, e porventura também pelo empenho que adviria duma maior satisfação (por muito menor alienação) no trabalho. Lembrei-me disto por me ocorrer a ideia de ter lido algures que o Papa Paulo VI, numa deslocação à América latina (em 1968 na Conferência de Bispos em Medellin?) terá mesmo apontado a Volvo como exemplo de uma das formas de dignificação do trabalho - mas não tentei confirmar esta recordação.
Agora, neste início do séc. XXI, quando o capital mundial volta a acumular-se onde, segundo os historiadores da economia, sempre se acumulara até ao início da Revolução Industrial - na China... - e que se sobrevaloriza até em relação ao trabalho contra a relação que mantiveram nesse historicamente estranho e anormal séc. XX (cf. Da empregabilidade e dos salários na globalização), o que vai ser da organização técnica do trabalho?
Quem dá o pão, dá o pau - Preocupar-se-ão os capitalistas chineses com o que o Papa chamou "nível de vida verdadeiramente humano" dos trabalhadores na Volvo?... Se, mesmo no Ocidente actual, a responsabilidade social de quem gere o capital já é o que se viu na escolha pelos altos administradores de objectivos apenas de curto prazo (conferindo-se a si próprios prémios extraordinários pelo cumprimento destes), e que levou à crise aberta em 2008, qual será a responsabilidade social que assumirão os novos donos de antigas empresas ocidentais?...
91. (...) é legítima nos trabalhadores a aspiração a participarem activamente na vida das empresas, em que estão inscritos e trabalham. (...)
92. (...) O que supõe, também, poderem os trabalhadores fazer ouvir a sua voz e contribuir para o bom funcionamento e o progresso da empresa. (...)"
Estas não são frases de algum barbudo revolucionário vestido de caqui e com pistola à cinta... mas sim do Papa João XXIII, na Carta Encíclica Mater et Magistra, de 15 de Maio de 1961 (sobre a posição económica e política dos trabalhadores, v. Parágs. 68-103). Lembrei-me de passagens como essas ao ouvir ontem à noite a notícia da venda da Volvo, pela Ford, à chinesa Geely, dado o simbolismo, ou exemplaridade de que a Volvo se revestiu (creio que) nos anos 1970 em relação à organização técnica do trabalho. A saber, contra o taylorismo, em que cada trabalhador repete indefenidamente uma mesma tarefa que lhe é atribuída (cf. Charles Chaplin, Os Tempos Modernos!...), aquela construtura escandinava - da terra da social-democracia, onde surgiu depois a flexigurança... - terá ensaiado uma organização em que cada automóvel seria montado, ao longo das etapas do processo, por uma mesma equipa. Os custos da formação dos membros desta seriam compensados (esperava-se) pelo cuidado nos pormenores por se aperceberem da função de cada peça, e porventura também pelo empenho que adviria duma maior satisfação (por muito menor alienação) no trabalho. Lembrei-me disto por me ocorrer a ideia de ter lido algures que o Papa Paulo VI, numa deslocação à América latina (em 1968 na Conferência de Bispos em Medellin?) terá mesmo apontado a Volvo como exemplo de uma das formas de dignificação do trabalho - mas não tentei confirmar esta recordação.
Agora, neste início do séc. XXI, quando o capital mundial volta a acumular-se onde, segundo os historiadores da economia, sempre se acumulara até ao início da Revolução Industrial - na China... - e que se sobrevaloriza até em relação ao trabalho contra a relação que mantiveram nesse historicamente estranho e anormal séc. XX (cf. Da empregabilidade e dos salários na globalização), o que vai ser da organização técnica do trabalho?
Quem dá o pão, dá o pau - Preocupar-se-ão os capitalistas chineses com o que o Papa chamou "nível de vida verdadeiramente humano" dos trabalhadores na Volvo?... Se, mesmo no Ocidente actual, a responsabilidade social de quem gere o capital já é o que se viu na escolha pelos altos administradores de objectivos apenas de curto prazo (conferindo-se a si próprios prémios extraordinários pelo cumprimento destes), e que levou à crise aberta em 2008, qual será a responsabilidade social que assumirão os novos donos de antigas empresas ocidentais?...
sábado, 27 de março de 2010
Da Europa nos dias que correm
Depois da notícia de ontem que o Conselho da UE decidiu avalizar o déficite grego, mas remetendo em parte a sua resolução para fora da União (o FMI) - ou seja, assumiu a sua falta de consistência interna e a sua menoridade ou relatividade para com instituições internacionais assim mais fiáveis do que ela - abri a página do Finantial Times para uma vista de olhos sobre as opiniões que vão determinando a resposta internacional. Chamou-me a atenção o artigo "Greece triggers an EU identity crisis" (http://www.ft.com/cms/s/0/c9c4a45c-3776-11df-88c6-00144feabdc0.html), que me parece apontar para um vazio que se abrirá sob uma UE que, com o Tratado de Lisboa - cf. http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2009/10/o-que-e-que-ue-pode-fazer-por-mim-ue.html- terá dado um salto maior do que a perna: a) não nos limitámos a uma zona de comércio livre - como que numa EFTAzisação da UE - nem b) permanecemos na tradição da CEE em que quase só se implementavam as decisões unânimes, nem c) assumimos propriamente um Governo europeu (porventura federal) - ou como se diz naquele artigo do FT, "to avoid a succession of rescues, an intra-European bail-out would need to be accompanied by political, fiscal union. But there is no political will to embark down that avenue: rule from Brussels is a fantasy in this union of sovereign states". Preferimos mantermo-nos em equilíbrio sobre a zona, rarefeita senão vazia, entre tais posições consistentes nos respectivos prós e contras.
É capaz de ser a opção mais ambiciosa de entre as possíveis (pelo menos demagogicamente é por certo a mais bela!). Confesso que também me parece a mais perigosa assim que um dia se abra uma crise um pouco mais custosa do que esta das finanças gregas (ex. se neste caso Portugal, Espanha... se lhe juntarem).
Me parece que o melhor para cada um de nós, enquanto naturalmente gozamos as vantagens de pertencermos à UE qual patinador que goza a bela vista de montanhas a partir do lago gelado onde patina, nos acautelemos também, psicológica (expectativas) e financeiramente (poupanças familiares), para a possibilidade do que poderá subitamente acontecer se, sob os patins em que evoluímos, o gelo se tornar demasiado fino.
Post scriptum: a UE é sólida com as suas instituições, moeda única, Tratados...? A URSS também tinha isso tudo.
É capaz de ser a opção mais ambiciosa de entre as possíveis (pelo menos demagogicamente é por certo a mais bela!). Confesso que também me parece a mais perigosa assim que um dia se abra uma crise um pouco mais custosa do que esta das finanças gregas (ex. se neste caso Portugal, Espanha... se lhe juntarem).
Me parece que o melhor para cada um de nós, enquanto naturalmente gozamos as vantagens de pertencermos à UE qual patinador que goza a bela vista de montanhas a partir do lago gelado onde patina, nos acautelemos também, psicológica (expectativas) e financeiramente (poupanças familiares), para a possibilidade do que poderá subitamente acontecer se, sob os patins em que evoluímos, o gelo se tornar demasiado fino.
Post scriptum: a UE é sólida com as suas instituições, moeda única, Tratados...? A URSS também tinha isso tudo.
quinta-feira, 18 de março de 2010
Um cumprimento à Igreja Católica
Depois de ter lido o best-seller A Desilusão Deus, do célebre biólogo britânico Richard Dawkins, escrevi uma avaliação lógica do seu argumento, cuja 1ª versão incluía uma nota de rodapé que por qualquer razão retirei da versão a publicar. E da qual nunca mais me lembrei até ao telejornal de há bocado, com a notícia da decisão da Igreja Católica bávara de expulsar os sacerdotes pedófilos, e de os denunciar mesmo quando as vítimas se não atrevam a fazê-lo. Sobre este último pormenor tenho algumas dúvidas, em todo o caso vim ver se ainda teria guardada aquela versão não publicada, e, tendo-a encontrado, aqui deixo a referida nota.
«É provável que quando este texto for publicado se esteja a passar um ano sobre a visita de Bento XVI a Nova Iorque. Não tenho uma visão de conjunto da história da Igreja Católica, em todo o caso arrisco-me a sugerir que essa visita constitui um marco na dimensão moral desta história, marco esse particularmente significativo para qualquer reflexão sobre ética e denominações religiosas – deixo pois esta nota ao cuidado de quem porventura quiser co-mentar também os capítulos posteriores de A Desilusão de Deus. Perante um crime cometido no seio de uma instituição, traindo os princípios desta última como foi o caso dos abusos pedófilos por padres norte-americanos, todos quantos, em qualquer medida, se responsabilizem por essa instituição enfrentam um dilema: a) respeitar imediatamente a generosidade desses princípios, acudir às vítimas, neutralizar quem quer que se reconheça como agressor, e aceitar que a instituição não se confunde com os seus princípios, antes resta bem aquém deles; ou b) precisamente negar qualquer diferença entre os princípios e a instituição que os proclama, tomando-a monoliticamente de modo que, na recusa de qualquer mácula no conceito dela, se silenciam as vítimas, e se neutralizam apenas os agressores cujo estatuto hierárquico não os torne importantes para a instituição (o exemplo mais brutal de que me lembro é o dos comunistas soviéticos e chineses que, em nome da humanidade, assassinaram dezenas de milhão de homens e mulheres). Basta lembrar a virulentíssima crítica de Jesus aos fariseus para se tornar evidente que a opção dele foi sempre a primeira. Ao contrário, a opção dos responsáveis pela Igreja Católica norte-americana, concretamente em Boston, foi a segunda. Que os críticos dessa Igreja não cometam porém o erro, metafísico e emocional, que lhe está na base – a redução das pessoas a conceitos institucionais. Bento XVI, indo a Nova Iorque receber privadamente mas com conhecimento público um grupo das referidas vítimas, e repreendendo em público todos quantos nesse caso haviam implementado ou sequer defendido a segunda opção, mostrou duas coisas: desde logo, que a Igreja é multíplice; depois, que se a mesquinhez, o orgulho e a hipocrisia acontece no seu seio, neste caso em bispos noutros em Papas (lembro-me logo da família Bórgia, mas a suspeita desce até por exemplo Pio XII), também é possível que quem é investido nesta última função faça a primeira escolha, reaproximando toda a instituição ao caminho propriamente de Cristo. E não atiremos nós portugueses, mesmo nós açorianos, a pedra para o outro lado do Atlântico. Foi a todos quantos, até sob a coberta das mais pias palavras, na hora da verdade pactuam com o iceberg cuja ponta foi a Casa Pia ou o caso de Lagoa que Bento XVI condenou em Nova Iorque. Os dois caminhos da conclusão do “Sermão da Montanha” (Mateus 7, 13-23) abrem-se sempre a partir de aqui e agora.»
«É provável que quando este texto for publicado se esteja a passar um ano sobre a visita de Bento XVI a Nova Iorque. Não tenho uma visão de conjunto da história da Igreja Católica, em todo o caso arrisco-me a sugerir que essa visita constitui um marco na dimensão moral desta história, marco esse particularmente significativo para qualquer reflexão sobre ética e denominações religiosas – deixo pois esta nota ao cuidado de quem porventura quiser co-mentar também os capítulos posteriores de A Desilusão de Deus. Perante um crime cometido no seio de uma instituição, traindo os princípios desta última como foi o caso dos abusos pedófilos por padres norte-americanos, todos quantos, em qualquer medida, se responsabilizem por essa instituição enfrentam um dilema: a) respeitar imediatamente a generosidade desses princípios, acudir às vítimas, neutralizar quem quer que se reconheça como agressor, e aceitar que a instituição não se confunde com os seus princípios, antes resta bem aquém deles; ou b) precisamente negar qualquer diferença entre os princípios e a instituição que os proclama, tomando-a monoliticamente de modo que, na recusa de qualquer mácula no conceito dela, se silenciam as vítimas, e se neutralizam apenas os agressores cujo estatuto hierárquico não os torne importantes para a instituição (o exemplo mais brutal de que me lembro é o dos comunistas soviéticos e chineses que, em nome da humanidade, assassinaram dezenas de milhão de homens e mulheres). Basta lembrar a virulentíssima crítica de Jesus aos fariseus para se tornar evidente que a opção dele foi sempre a primeira. Ao contrário, a opção dos responsáveis pela Igreja Católica norte-americana, concretamente em Boston, foi a segunda. Que os críticos dessa Igreja não cometam porém o erro, metafísico e emocional, que lhe está na base – a redução das pessoas a conceitos institucionais. Bento XVI, indo a Nova Iorque receber privadamente mas com conhecimento público um grupo das referidas vítimas, e repreendendo em público todos quantos nesse caso haviam implementado ou sequer defendido a segunda opção, mostrou duas coisas: desde logo, que a Igreja é multíplice; depois, que se a mesquinhez, o orgulho e a hipocrisia acontece no seu seio, neste caso em bispos noutros em Papas (lembro-me logo da família Bórgia, mas a suspeita desce até por exemplo Pio XII), também é possível que quem é investido nesta última função faça a primeira escolha, reaproximando toda a instituição ao caminho propriamente de Cristo. E não atiremos nós portugueses, mesmo nós açorianos, a pedra para o outro lado do Atlântico. Foi a todos quantos, até sob a coberta das mais pias palavras, na hora da verdade pactuam com o iceberg cuja ponta foi a Casa Pia ou o caso de Lagoa que Bento XVI condenou em Nova Iorque. Os dois caminhos da conclusão do “Sermão da Montanha” (Mateus 7, 13-23) abrem-se sempre a partir de aqui e agora.»
terça-feira, 16 de março de 2010
Por falar em criatividade, e em ser-se aguerrido...
...depois do post anterior, aqui fica o exemplo da criatividade em mais 1 música óptima além de tantas que já havia, e da energia que ela induz!
Da empregabilidade e dos salários na globalização
"The global economic community, and economic policymakers in governments and global institutions alike, have yet to fully understand the most fundamental economic development in this era of globalization — the doubling of the global labor force."
Com essas palavras abre Richard Freeman o seu artigo em http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=4542. Penso bem que deve ser lido e RELIDO por todos quantos, para os próximos 30 anos (!), de um lado se dispõem a fazer reivindicações salariais, e do outro lado adormecem na linha da participação política em particular quando esta visa relações internacionais.
Como diz o autor, nos últimos 15 anos - com a entrada da China, Índia e países ex-soviéticos no mercado global - a força de trabalho mundial duplicou. Mas sem que o capital (dinheiro + máquinas...) tenha crescido em proporção semelhante. E podemos acrescentar que nem a procura dos produtos pode ter aumentado proporcionalmente, dados os baixos rendimentos desses novos trabalhadores. Freeman diz mesmo que a relação capital/trabalho terá diminuído (contra o trabalho, a favor do capital) 55% a 60%, e que a anterior relação não poderá ser recuperada antes duns 30 anos... Isto é, as expectativas de empregabilidade, e de rendimento do trabalho (salários) com que vivemos até meados da 1ª década do presente século, com que fomos educados e que transmitimos aos actuais jovens, parecem irremediavelmente perdidas para o resto da vida da actual geração de meia idade, e pelo menos para a 1ª metade da vida da actual geração jovem nos países já desenvolvidos na última década do séc. XX.
Mais, Freeman chama ainda a atenção para que, por exemplo na formação de doutorados e engenheiros, a China ultrapassará os EUA ainda este ano. Onde o autor se engana, na minha opinião, é que não é por se ter um diploma superior que se é inovador... Ora, como ele próprio reconhece, pela 1ª vez todas estas economias funcionarão segundo o modelo capitalista. Mas este último, diz-se desde Schumpeter, proporciona o crescimento económico sob 2 condições: a 2ª é a disponibilidade de capital para investir; a 1ª é a da inovação (de produtos, de modos de produzir, de mercados...). E a criatividade que subjaze à inovação creio que depende de 2 atitudes ou faculdades mentais, implementadas por culturas que as valorizem: por um lado o espírito crítico - pois a inovação constitui a face positiva da moeda cuja 1ª face é negativa, a destruição do estado de coisas dado, ou como dizia Schumpeter, trata-se duma "destruição criadora". Por outro lado, o individualismo - pois se o desenvolvimento de projectos é por norma trabalho de equipa, a ideia chave é normalmente lançada por 1 pessoa. E esses são traços culturais estritamente ocidentais, em especial respectivamente desde a Modernidade e a Reforma Protestante. O Ocidente não deverá pois ter ainda perdido esta (se Schumpeter não se enganou: decisiva) vantagem comparativa... desde que consiga resguardar patentes, direitos de autor, etc.
Em suma: o trabalho passou a valer pouquíssimo - ainda para mais com as facilidades de deslocalizações graças aos actuais meios de transporte - o capital passou a valer muito mais - por proporcionalmente haver menos - o que significa que, no mundo desenvolvido, o rendimento pelo trabalho TERÁ que diminuir, enquanto em todo o mundo o rendimento pelo capital (os proveitos da banca, dos donos das fábricas, etc.) TERÁ que aumentar - isto, se a lei da procura e da oferta não for falsa... A desigualdade de rendimentos aumentará assim, de modo que, se não forem falsos os argumentos que mencionei no parágrafo 2.2.3 de O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, consequentemente aumentará a contradição interna na identidade ocidental, e porventura mesmo diminuirão as condições de qualquer crescimento económico (a longo prazo provavelmente mais difícil quando menos agentes têm acesso ao crédito).
Além daquela salvaguarda intransigente de patentes... 2 coisas me parece que haverá assim que fazer no horizonte político ocidental, e portanto em Portugal (!): A) investir a força diplomática, económica... que ainda tenhamos num "new model of globalization and new policies that put upfront the well-being of workers around the world". Assumindo porém que o tempo de vivermos às cavalitas de populações distantes... já lá vai! O nosso único objectivo político realista passou a ser o de mantermos uma autonomia que nos permita implementarmos os valores com que nos identificamos, ou seja, evitar que sejam agora os outros a viver às nossas cavalitas.
B) Em A próxima década portuguesa citei os conceitos de "produtor de coisas" e "produtor de ideias", para distinguir respectivamente os previsíveis loosers e winners da competição globalizada. Segundo o economista citado nesse post, o busílis estará na educação - isto é, não na generalização da frequência escolar e na distribuição de diplomas, mas na eficácia da educação! Mas, nesta ênfase na educação, além de todos os conhecimentos que os chineses, etc., também já têm, além dos valores da perseverança, do trabalho, que esses outros têm... e nós tivemos (!), em particular creio termos ainda que enfatizar a atrás referida identificação cultural dos jovens ocidentais, e as competências (de resolução de problemas, criatividade, iniciativa...) que implementem a inovação.
Esse (o político) é o horizonte imediato, aquele onde se tapam buracos... no referido ensaio argumentei que as causas dos problemas estruturantes se encontram porém num outro horizonte, fundamental. Creio que aí é que se poderão traçar soluções estruturantes (nesse ensaio propus precisamente uma pista nesse sentido).
Com essas palavras abre Richard Freeman o seu artigo em http://www.theglobalist.com/StoryId.aspx?StoryId=4542. Penso bem que deve ser lido e RELIDO por todos quantos, para os próximos 30 anos (!), de um lado se dispõem a fazer reivindicações salariais, e do outro lado adormecem na linha da participação política em particular quando esta visa relações internacionais.
Como diz o autor, nos últimos 15 anos - com a entrada da China, Índia e países ex-soviéticos no mercado global - a força de trabalho mundial duplicou. Mas sem que o capital (dinheiro + máquinas...) tenha crescido em proporção semelhante. E podemos acrescentar que nem a procura dos produtos pode ter aumentado proporcionalmente, dados os baixos rendimentos desses novos trabalhadores. Freeman diz mesmo que a relação capital/trabalho terá diminuído (contra o trabalho, a favor do capital) 55% a 60%, e que a anterior relação não poderá ser recuperada antes duns 30 anos... Isto é, as expectativas de empregabilidade, e de rendimento do trabalho (salários) com que vivemos até meados da 1ª década do presente século, com que fomos educados e que transmitimos aos actuais jovens, parecem irremediavelmente perdidas para o resto da vida da actual geração de meia idade, e pelo menos para a 1ª metade da vida da actual geração jovem nos países já desenvolvidos na última década do séc. XX.
Mais, Freeman chama ainda a atenção para que, por exemplo na formação de doutorados e engenheiros, a China ultrapassará os EUA ainda este ano. Onde o autor se engana, na minha opinião, é que não é por se ter um diploma superior que se é inovador... Ora, como ele próprio reconhece, pela 1ª vez todas estas economias funcionarão segundo o modelo capitalista. Mas este último, diz-se desde Schumpeter, proporciona o crescimento económico sob 2 condições: a 2ª é a disponibilidade de capital para investir; a 1ª é a da inovação (de produtos, de modos de produzir, de mercados...). E a criatividade que subjaze à inovação creio que depende de 2 atitudes ou faculdades mentais, implementadas por culturas que as valorizem: por um lado o espírito crítico - pois a inovação constitui a face positiva da moeda cuja 1ª face é negativa, a destruição do estado de coisas dado, ou como dizia Schumpeter, trata-se duma "destruição criadora". Por outro lado, o individualismo - pois se o desenvolvimento de projectos é por norma trabalho de equipa, a ideia chave é normalmente lançada por 1 pessoa. E esses são traços culturais estritamente ocidentais, em especial respectivamente desde a Modernidade e a Reforma Protestante. O Ocidente não deverá pois ter ainda perdido esta (se Schumpeter não se enganou: decisiva) vantagem comparativa... desde que consiga resguardar patentes, direitos de autor, etc.
Em suma: o trabalho passou a valer pouquíssimo - ainda para mais com as facilidades de deslocalizações graças aos actuais meios de transporte - o capital passou a valer muito mais - por proporcionalmente haver menos - o que significa que, no mundo desenvolvido, o rendimento pelo trabalho TERÁ que diminuir, enquanto em todo o mundo o rendimento pelo capital (os proveitos da banca, dos donos das fábricas, etc.) TERÁ que aumentar - isto, se a lei da procura e da oferta não for falsa... A desigualdade de rendimentos aumentará assim, de modo que, se não forem falsos os argumentos que mencionei no parágrafo 2.2.3 de O Nó do Problema Ocidental - A dimensão das ciências, consequentemente aumentará a contradição interna na identidade ocidental, e porventura mesmo diminuirão as condições de qualquer crescimento económico (a longo prazo provavelmente mais difícil quando menos agentes têm acesso ao crédito).
Além daquela salvaguarda intransigente de patentes... 2 coisas me parece que haverá assim que fazer no horizonte político ocidental, e portanto em Portugal (!): A) investir a força diplomática, económica... que ainda tenhamos num "new model of globalization and new policies that put upfront the well-being of workers around the world". Assumindo porém que o tempo de vivermos às cavalitas de populações distantes... já lá vai! O nosso único objectivo político realista passou a ser o de mantermos uma autonomia que nos permita implementarmos os valores com que nos identificamos, ou seja, evitar que sejam agora os outros a viver às nossas cavalitas.
B) Em A próxima década portuguesa citei os conceitos de "produtor de coisas" e "produtor de ideias", para distinguir respectivamente os previsíveis loosers e winners da competição globalizada. Segundo o economista citado nesse post, o busílis estará na educação - isto é, não na generalização da frequência escolar e na distribuição de diplomas, mas na eficácia da educação! Mas, nesta ênfase na educação, além de todos os conhecimentos que os chineses, etc., também já têm, além dos valores da perseverança, do trabalho, que esses outros têm... e nós tivemos (!), em particular creio termos ainda que enfatizar a atrás referida identificação cultural dos jovens ocidentais, e as competências (de resolução de problemas, criatividade, iniciativa...) que implementem a inovação.
Esse (o político) é o horizonte imediato, aquele onde se tapam buracos... no referido ensaio argumentei que as causas dos problemas estruturantes se encontram porém num outro horizonte, fundamental. Creio que aí é que se poderão traçar soluções estruturantes (nesse ensaio propus precisamente uma pista nesse sentido).
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segunda-feira, 15 de março de 2010
Divagações arquitectónicas
Há tempos uma amiga arquitecta, a propósito dum meu post sobre arquitectura, desafiou-me a trazer aqui mais vezes essa área - não sou competente para isso (quer dizer, ainda sou menos do que em outros terrenos que por isso me tenho atrevido a pisar...). Mas a verdade é que a arquitectura distingue-se de outras artes desde logo por, ao contrário destas que podem restar ignoradas em livrarias, museus, salas de concerto... aquela é impositivamente pública. Convivemos com ela diariamente, queiramos ou não, consciente ou inconscientemente. É pois sempre coisa nossa, por menos que saibamos dar conta disso.
Sabendo da previsão de chuva para o fim de semana, levei assim comigo The condition of Postmodernity, de David Harvey (Oxford: Blackwell, 1990 - creio que já há trad. port.), para ler aleatoriamente nesses 2 dias num hotel de traço vincadamente modernista. Por sinal, acrescentado por um arquitecto tio daquela minha interlocutora. Mas o projecto original é do Eng. Manuel António de Vasconcelos (1907-1960). Como se vê na foto da entrada, nele se destacam as linhas horizontais, curvas que evitam as arestas (v. esquinas arredondadas, corrimão); a elegância cosmopolita duma escadaria teatral, do conforto discreto de madeiras nobres mas combinadas com metais próprios às tecnologias modernas (ex. grandes dobradiças nas portas das áreas comuns, candeeiros, todo o mobiliário da sala de jantar creio que desenhado também por Vasconcelos...); ainda reforçando esse internacionalismo (cosmopolita), v. elementos marítimos ou navais como o óculo ao fundo na foto com um aquário, ou os corrimões e varandas lembrando os convés de navios - que cruzam os mares internacionais entre as terras particulares! O depuramento do traço - despido de enfeites - deixa de fora quase qualquer particularismo cultural (não dei conta de outro além do telhado regional, diferente dos balcões horizontais modernos). E mesmo a natureza é incorporada nessa vivência harmónica, onde tudo tem um lugar (v. foto da sala de jantar).
A questão colocada ao modernismo, como Harvey (Chap. 1) realça, incide precisamente aí: tudo ter um seu lugar. O ideal iluminista de uma ordem universal, muito bem exemplificado pelas ciências modernas, cuja descoberta e assunção prática conduziria a um progresso de todos, enfrenta a questão da legitimação dessa ordem, e concomitantemente de quem terá a legitimidade de a proclamar e implementar... Autores como Adorno e Horkheimer vieram denunciar que aquele projecto de libertação, afinal, na prática constitui mais uma versão da opressão de uns poucos sobre muitos outros. Mesmo autores como Habermas, que mantêm o projecto moderno, adoptam-no em versões fracas.
Daí o regresso a alguma consideração de tradições históricas particulares, nas colagens pós-modernas. Mas, precisamente, que "tradições" são essas ainda? Lembrando-me do exemplo dum outro hotel em S. Miguel, que num seu jardim interior e no mobiliário evoca o Extremo Oriente, o que é que aí se conserva, e se transmite de geração em geração numa tradição particular? A grande disneylandia da arquitectura pós-moderna - em centros comerciais que põem lado a lado colunas gregas e decorações regionais, etc. - me parece propor também, com o modernismo, a desvinculação de alguma tradição cultural, mas já não pela ultrapassagem destas em ordem a um plano universal, antes pela desmultiplicação, em cada sítio, de inúmeras daquelas tradições - creio que é a mais subtil perversão do projecto romântico...
Entretanto a tese geral de D. Harvey é que as grandes concepções sobre o homem, etc., são mediadas para a sua aplicação nomeadamente económica por determinações espaciais e temporais, onde se destacam as arquitectónicas. Por exemplo o uso moderno da perspectiva, terá sugerido a organização vertical das empresas fordistas na II Revolução Industrial, ao passo que a desmultiplicação de perspectivas e de planos irreconciliáveis (Picassso, David Salle...) terá sugerido depois a organização mais horizontal e segmentada no pós-fordismo.
... Mas 1 fim de semana não me chega para mais do que balbuciar a pergunta (e pressupondo provisoriamente aquela tese): por onde andaremos nós hoje? Sem aqueles movimentos contínuos - horizontais, curvos, sem arestas - sem aquela evidenciação confiante dos novos materiais, mas também sem materiais e formas de uma tradição determinada, o que nos propomos, o que sugerimos, com a determinação que fazemos arquitectonicamente do espaço que habitamos?
Sabendo da previsão de chuva para o fim de semana, levei assim comigo The condition of Postmodernity, de David Harvey (Oxford: Blackwell, 1990 - creio que já há trad. port.), para ler aleatoriamente nesses 2 dias num hotel de traço vincadamente modernista. Por sinal, acrescentado por um arquitecto tio daquela minha interlocutora. Mas o projecto original é do Eng. Manuel António de Vasconcelos (1907-1960). Como se vê na foto da entrada, nele se destacam as linhas horizontais, curvas que evitam as arestas (v. esquinas arredondadas, corrimão); a elegância cosmopolita duma escadaria teatral, do conforto discreto de madeiras nobres mas combinadas com metais próprios às tecnologias modernas (ex. grandes dobradiças nas portas das áreas comuns, candeeiros, todo o mobiliário da sala de jantar creio que desenhado também por Vasconcelos...); ainda reforçando esse internacionalismo (cosmopolita), v. elementos marítimos ou navais como o óculo ao fundo na foto com um aquário, ou os corrimões e varandas lembrando os convés de navios - que cruzam os mares internacionais entre as terras particulares! O depuramento do traço - despido de enfeites - deixa de fora quase qualquer particularismo cultural (não dei conta de outro além do telhado regional, diferente dos balcões horizontais modernos). E mesmo a natureza é incorporada nessa vivência harmónica, onde tudo tem um lugar (v. foto da sala de jantar).
A questão colocada ao modernismo, como Harvey (Chap. 1) realça, incide precisamente aí: tudo ter um seu lugar. O ideal iluminista de uma ordem universal, muito bem exemplificado pelas ciências modernas, cuja descoberta e assunção prática conduziria a um progresso de todos, enfrenta a questão da legitimação dessa ordem, e concomitantemente de quem terá a legitimidade de a proclamar e implementar... Autores como Adorno e Horkheimer vieram denunciar que aquele projecto de libertação, afinal, na prática constitui mais uma versão da opressão de uns poucos sobre muitos outros. Mesmo autores como Habermas, que mantêm o projecto moderno, adoptam-no em versões fracas.
Daí o regresso a alguma consideração de tradições históricas particulares, nas colagens pós-modernas. Mas, precisamente, que "tradições" são essas ainda? Lembrando-me do exemplo dum outro hotel em S. Miguel, que num seu jardim interior e no mobiliário evoca o Extremo Oriente, o que é que aí se conserva, e se transmite de geração em geração numa tradição particular? A grande disneylandia da arquitectura pós-moderna - em centros comerciais que põem lado a lado colunas gregas e decorações regionais, etc. - me parece propor também, com o modernismo, a desvinculação de alguma tradição cultural, mas já não pela ultrapassagem destas em ordem a um plano universal, antes pela desmultiplicação, em cada sítio, de inúmeras daquelas tradições - creio que é a mais subtil perversão do projecto romântico...
Entretanto a tese geral de D. Harvey é que as grandes concepções sobre o homem, etc., são mediadas para a sua aplicação nomeadamente económica por determinações espaciais e temporais, onde se destacam as arquitectónicas. Por exemplo o uso moderno da perspectiva, terá sugerido a organização vertical das empresas fordistas na II Revolução Industrial, ao passo que a desmultiplicação de perspectivas e de planos irreconciliáveis (Picassso, David Salle...) terá sugerido depois a organização mais horizontal e segmentada no pós-fordismo.
... Mas 1 fim de semana não me chega para mais do que balbuciar a pergunta (e pressupondo provisoriamente aquela tese): por onde andaremos nós hoje? Sem aqueles movimentos contínuos - horizontais, curvos, sem arestas - sem aquela evidenciação confiante dos novos materiais, mas também sem materiais e formas de uma tradição determinada, o que nos propomos, o que sugerimos, com a determinação que fazemos arquitectonicamente do espaço que habitamos?
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quarta-feira, 10 de março de 2010
Da responsabilidade ética da arte
Diversos artistas - ou talvez mais ainda: comentadores, historiadores da arte... - têm pretendido que a arte é independente da ética. As obras de arte serão assim meras propostas ou aberturas de possibilidades ocultas - mais no caso da arte representativa - ou até meras produções, porventura abstractas, de beleza, senão mesmo de quaisquer impressões emocionais (nojo, etc., etc.). Mas, se se aceita definir a arte pelas consequências das obras que são supostas constituírem-na, a questão será se se deve suspender essa definição nos efeitos emocionais directos, ou se não se deverá considerar os comportamentos que por sua vez decorrerão daquelas emoções (até porque sem a evidência destes é difícil identificar as ditas emoções!).
O documentário - cujo trailer incorporo a seguir - sobre a envolvência de um filme nazi alerta para a possibilidade dumas consequências, eticamente significativas, a larga escala - o estímulo que Goebbels esperava que produzisse nos militares que teriam que o ver. E, principalmente, não para a possibilidade mas para a efectividade doutras consequências, estas privadas: as da evidente incapacidade dos descendentes do realizador não se colocarem, de alguma forma, em relação às opções do seu pai ou avô, isto é, de se lhes referirem com a neutralidade que aparentemente seria devida sobre o que compromete apenas quem as fez.
Ainda que o artista seja apenas co-responsável pelos eventuais efeitos razoavelmente directos das suas obras, porventura será também um artificialismo desligá-lo inteiramente destes.
Lamento, mas não sei como se ajusta o videoclip a este template!
Para seguir a discussão sobre esse documentário e o seu tema v. http://blogs.nybooks.com/post/420372304/himmlers-favorite-jew .
O documentário - cujo trailer incorporo a seguir - sobre a envolvência de um filme nazi alerta para a possibilidade dumas consequências, eticamente significativas, a larga escala - o estímulo que Goebbels esperava que produzisse nos militares que teriam que o ver. E, principalmente, não para a possibilidade mas para a efectividade doutras consequências, estas privadas: as da evidente incapacidade dos descendentes do realizador não se colocarem, de alguma forma, em relação às opções do seu pai ou avô, isto é, de se lhes referirem com a neutralidade que aparentemente seria devida sobre o que compromete apenas quem as fez.
Ainda que o artista seja apenas co-responsável pelos eventuais efeitos razoavelmente directos das suas obras, porventura será também um artificialismo desligá-lo inteiramente destes.
Lamento, mas não sei como se ajusta o videoclip a este template!
Para seguir a discussão sobre esse documentário e o seu tema v. http://blogs.nybooks.com/post/420372304/himmlers-favorite-jew .
segunda-feira, 8 de março de 2010
Sistemas dinâmicos - dos 17 aos 71
No post anterior referi um recente estudo de psicologia que sustenta que os filmes - na edição dos shots que compõem as cenas - vieram ao longo da história a aproximar-se de uma relação matemática que se encontra em diversos fenómenos da natureza, e que também regulará o tempo e o poder da nossa atenção (nomeadamente às cenas cinematográficas). Ou seja, fossem quais fossem os factores iniciais do cinema, e ainda os que se lhes tenham acrescentado, a história do cinema constituir-se-á como um sistema dinâmico ao longo do qual se organiza em ordem à sua subsistência, concretamente por prender a atenção do público que mantém o cinema. E tais sistemas dinâmicos são estruturados matematicamente, seja depois o seu conteúdo ou matéria da ordem da atenção psicológica, ou da ordem da variação de preços nos mercados financeiros, ou da ordem meteorológica, etc.
A propósito daquele estudo - e não estivéssemos nós em época de Óscares e portanto de discussão do cinema! (já agora: em Avatar deixei logo a minha opinião sobre esse filme) - coloco aqui mais uma chamada de atenção ao trabalho em geral do Centro de Análise Matemática, Geometria e Sistemas Dinâmicos a funcionar no IST (Lisboa), e particularmente da sua Acção de divulgação científica "Caos e ordem - controlo de um pêndulo invertido", levada a cabo em 2003 com estudantes do Ensino secundário, e cujo relatório se encontra em http://www.math.ist.utl.pt/~dgomes/projecto.pdf.
A referência, e a utilização, da matemática dos sistemas dinâmicos, das teorias emergentistas, não se estende pois apenas transversalmente da economia à psicologia, etc., estende-se também, longitudinalmente, do ensino secundário aos post-docs. É a isto que se pode chamar "ciência viva"!
A propósito daquele estudo - e não estivéssemos nós em época de Óscares e portanto de discussão do cinema! (já agora: em Avatar deixei logo a minha opinião sobre esse filme) - coloco aqui mais uma chamada de atenção ao trabalho em geral do Centro de Análise Matemática, Geometria e Sistemas Dinâmicos a funcionar no IST (Lisboa), e particularmente da sua Acção de divulgação científica "Caos e ordem - controlo de um pêndulo invertido", levada a cabo em 2003 com estudantes do Ensino secundário, e cujo relatório se encontra em http://www.math.ist.utl.pt/~dgomes/projecto.pdf.
A referência, e a utilização, da matemática dos sistemas dinâmicos, das teorias emergentistas, não se estende pois apenas transversalmente da economia à psicologia, etc., estende-se também, longitudinalmente, do ensino secundário aos post-docs. É a isto que se pode chamar "ciência viva"!
sexta-feira, 5 de março de 2010
Atenção, cinema, e Teoria do caos
Encontrei a relação que o título indica no recente artigo de J. Cutting, J. DeLong e C. Nothelfer, disponível em http://pss.sagepub.com/content/early/2010/02/04/0956797610361679.full.pdf+html. Em síntese, à abordagem (psico-analítica, marxista, feminista...) à história do cinema dividindo-a num período clássico antes de 1960, e noutro daí para cá, os autores contrapõem uma abordagem cognitivista em 3 períodos - antes de c. 1955, daí até c. 1980, e o actual - em função da duração (e pareceu-me que do modo de transição) dos shots que compõem as cenas dos filmes.
Tendo vindo a diminuir essa duração, no 3º período ela aproxima-se duma relação matemática - análise de Fourier, padrão 1/f - que tem sido reconhecida em diversos fenómenos físicos, e que os autores sugerem que estruturará também a mente humana no tempo e no poder de prestarmos atenção. Ou seja, o cinema tem-se aproximado duma regra mental desta nossa capacidade, e essa regra, por sua vez, constitui mais uma aplicação entre tantas outras duma relação puramente formal que é objecto da análise matemática.
Esta disciplina da matemática estuda a estrutura formal dos processos ao longo do tempo. O estudo de casos que estes investigadores levaram a cabo, tendo levantado evidências empíricas da aproximação da duração dos shots àquele padrão de ondas matemáticas, propõe-se assim como um reforço à estratégia - v. Teoria do caos - de conceber os fenómenos (físicos ou mentais) como se estes emerjam ao longo do tempo em função dum qualquer atractor; isto é, como se os seus diversos elementos se vão organizando e sedimentando progressivamente em conformidade a um modelo que todavia resta oculto, e é nessa sedimentação que os fenómenos ganham forma ou se tornam no que são.
Mais, portanto, do que distinguir os elementos básicos seja na física, seja na economia,... seja no cinema, e as respectivas regras de composição, importará determinar o processo formal pelo qual quaisquer daqueles fenómenos se constituem. Da correlação hierárquica entre estas estratégias reducionista e emergentista, aqui lembrada em Emergentismo: unicidade ou complementaridade?, parece voltarmos com este caso do cinema e da atenção à pura e simples substituição da 1ª pela 2ª...
terça-feira, 2 de março de 2010
Sugestão de leitura (outra vez a herança árabe na lusofonia)
"Decía Hegel que el cristianismo o era Trinidad o no era nada. Bueno, si esto es verdad para el cristianismo más si cabe es válido decir para el Islam que o es unitarismo o no es nada. La unidad de Dios (tawḥid), el que nada a Él pueda ser asociado, o sea, a Él parejo es no uno de los pilares del Islam, sino el pilar mismo donde se
asientan los otros cuatro."
"En esta época en que se buscan puntos de unión interculturales también creemos es menester dar cuenta de aquello por lo que en tiempos y, todavía hoy, nos separamos y por lo que nunca podremos ser unos. La polémica que traemos a colación, si bien antiquísima, pone sobre la mesa la más sutil polémica de la que tenemos noticia entre un filósofo árabe musulmán (de hecho al ser el primer auténtico
filósofo en el Islam y por ser de origen árabe es también conocido como “el filósofo de los árabes), ‛Abû Yûsuf Ya‛qûb ibn ‛Ishaq al-Kindī (796-873) y otro filósofo árabe, pero esta vez cristiano y eminentísimo discípulo de al-Fârâbî, Yahya ibn ‛Adiī (m. 974)."
Estas são citações da Introdução, pelos tradutores castelhanos Santiago Escobar Gómez e Juan Carlos González, de La Polémica Trinitária entre os 2 pensadores árabes acima mencionados, que a LusoSofia disponibilizou online em http://www.lusosofia.net/textos/escobar_gomez_gonzalez_lopez_polemica_trinitaria_yaha_ibn_adii_y_al_kindi.pdf . Assinalo este opúsculo como sugestão de leitura teológica, também metafísica - embora não chegue a indicá-lo aqui na respectiva etiqueta porque o interesse aí é bastante indirecto - mas principalmente para voltar à questão da herança árabe e muçulmana na cultura lusófona. Refiro-me à valorização da unidade e unicidade, uma vez estas reconhecidas no ente mais valorizado (Deus).
No rito religioso, não parece que as culturas lusófonas tenham seguido esta orientação. Mais do que a consideração cristã da Santíssima Trindade, e da consideração católica de Maria e de diversos Santos, aquelas culturas integram o culto do Espírito Santo, inicialmente à margem da hierarquia católica, santos populares não reconhecidos por esta última, os brasileiros integraram ainda tradições animistas africanas, etc. A questão é se esta desmultiplicação se constitui como fundamento de um reconhecimento da diferença em geral.
E a resposta sugerida por estatísticas como as aqui referidas em http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2010/01/da-possibilidade-do-liberalismo-no_11.html é negativa. Estas outras sugerem antes a valorização social do colectivo, salientando-se apenas as diferenças hierárquicas entre níveis de sociedades organicistas onde cada indivíduo apenas é reconhecido segundo a respectiva função para o organismo social. O que 1º se valoriza, pois, é a unidade.
Mais: se se valoriza isso ao mesmo tempo em que se proclama uma identidade ocidental, culturalmente cristã, dessas mesmas culturas, desmente-se uma separação fundamental entre estas e aquela identidade. A qual porém, logo na postulação de Deus como trino a despeito de uno na Sua divindade, coloca a diferença a par da unidade. Ou seja, se há 3 pessoas em Deus, há 3 focos de iniciativa, 3 modos de acção,... mesmo que se concertem entre si, no mínimo não é límpido que possam ser reduzidas a órgãos de um organismo. Uma tal redução, em especial se ingénua (não reflectida criticamente), abre caminho àquele desmentido de uma separação entre a tradição efectiva lusófona e a identidade ocidental, na postulação de uma unicidade cultural, isto é, de uma única possibilidade de ser, na subordinação de qualquer diferença à unidade.
Nem que essa unicidade reste como a pura tensão entre ser e não-ser, verdade e falsidade... que também por referência à cultura árabe aqui abordei em Portugal - uma cultura de fronteira!
Fica a questão do significado cultural daquela diversidade no rito religioso lusófono... Não esquecendo porém que o mais significativo num rito não será a sua forma, mas o modo como é vivido pelas sociedades que o implementam, indiciado indirectamente em tudo o que se relacione a tal rito. Por exemplo, se poderá revelar uma fé católica... também poderá expressar um sentimento panteísta bárbaro prévio à cristianização, modulado hierarquicamente pelos valores muçulmanos que apontámos acima, e quase que apenas travestido das formas ou ritos católicos - como alguns suspeitaram no culto popular do Espírito Santo.
(Numa palavra, "Portugal" designará um país efectivo... ou um sonho, um artifício retórico de um Estado que melhor se chamaria qualquer coisa como "Marrocos-do-Norte"?)
asientan los otros cuatro."
"En esta época en que se buscan puntos de unión interculturales también creemos es menester dar cuenta de aquello por lo que en tiempos y, todavía hoy, nos separamos y por lo que nunca podremos ser unos. La polémica que traemos a colación, si bien antiquísima, pone sobre la mesa la más sutil polémica de la que tenemos noticia entre un filósofo árabe musulmán (de hecho al ser el primer auténtico
filósofo en el Islam y por ser de origen árabe es también conocido como “el filósofo de los árabes), ‛Abû Yûsuf Ya‛qûb ibn ‛Ishaq al-Kindī (796-873) y otro filósofo árabe, pero esta vez cristiano y eminentísimo discípulo de al-Fârâbî, Yahya ibn ‛Adiī (m. 974)."
Estas são citações da Introdução, pelos tradutores castelhanos Santiago Escobar Gómez e Juan Carlos González, de La Polémica Trinitária entre os 2 pensadores árabes acima mencionados, que a LusoSofia disponibilizou online em http://www.lusosofia.net/textos/escobar_gomez_gonzalez_lopez_polemica_trinitaria_yaha_ibn_adii_y_al_kindi.pdf . Assinalo este opúsculo como sugestão de leitura teológica, também metafísica - embora não chegue a indicá-lo aqui na respectiva etiqueta porque o interesse aí é bastante indirecto - mas principalmente para voltar à questão da herança árabe e muçulmana na cultura lusófona. Refiro-me à valorização da unidade e unicidade, uma vez estas reconhecidas no ente mais valorizado (Deus).
No rito religioso, não parece que as culturas lusófonas tenham seguido esta orientação. Mais do que a consideração cristã da Santíssima Trindade, e da consideração católica de Maria e de diversos Santos, aquelas culturas integram o culto do Espírito Santo, inicialmente à margem da hierarquia católica, santos populares não reconhecidos por esta última, os brasileiros integraram ainda tradições animistas africanas, etc. A questão é se esta desmultiplicação se constitui como fundamento de um reconhecimento da diferença em geral.
E a resposta sugerida por estatísticas como as aqui referidas em http://onodoproblemaocidental24x7.blogspot.com/2010/01/da-possibilidade-do-liberalismo-no_11.html é negativa. Estas outras sugerem antes a valorização social do colectivo, salientando-se apenas as diferenças hierárquicas entre níveis de sociedades organicistas onde cada indivíduo apenas é reconhecido segundo a respectiva função para o organismo social. O que 1º se valoriza, pois, é a unidade.
Mais: se se valoriza isso ao mesmo tempo em que se proclama uma identidade ocidental, culturalmente cristã, dessas mesmas culturas, desmente-se uma separação fundamental entre estas e aquela identidade. A qual porém, logo na postulação de Deus como trino a despeito de uno na Sua divindade, coloca a diferença a par da unidade. Ou seja, se há 3 pessoas em Deus, há 3 focos de iniciativa, 3 modos de acção,... mesmo que se concertem entre si, no mínimo não é límpido que possam ser reduzidas a órgãos de um organismo. Uma tal redução, em especial se ingénua (não reflectida criticamente), abre caminho àquele desmentido de uma separação entre a tradição efectiva lusófona e a identidade ocidental, na postulação de uma unicidade cultural, isto é, de uma única possibilidade de ser, na subordinação de qualquer diferença à unidade.
Nem que essa unicidade reste como a pura tensão entre ser e não-ser, verdade e falsidade... que também por referência à cultura árabe aqui abordei em Portugal - uma cultura de fronteira!
Fica a questão do significado cultural daquela diversidade no rito religioso lusófono... Não esquecendo porém que o mais significativo num rito não será a sua forma, mas o modo como é vivido pelas sociedades que o implementam, indiciado indirectamente em tudo o que se relacione a tal rito. Por exemplo, se poderá revelar uma fé católica... também poderá expressar um sentimento panteísta bárbaro prévio à cristianização, modulado hierarquicamente pelos valores muçulmanos que apontámos acima, e quase que apenas travestido das formas ou ritos católicos - como alguns suspeitaram no culto popular do Espírito Santo.
(Numa palavra, "Portugal" designará um país efectivo... ou um sonho, um artifício retórico de um Estado que melhor se chamaria qualquer coisa como "Marrocos-do-Norte"?)
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Portugal e o Ocidente,
teologia
domingo, 28 de fevereiro de 2010
Livros electrónicos (e-books) e acesso à informação
O post de Gary Becker http://uchicagolaw.typepad.com/beckerposner/2010/02/are-e-readers-the-beginning-of-the-end-for-books-becker.html, mais os respectivos Comentários (a que apenas dei uma vista de olhos) e o post de resposta por Richard Posner, especulam sobre as consequências no acesso à informação e à reflexão deste novo salto na tecnologia da edição que é a dos e-books. E que eu não haveria de deixar de abordar aqui uma vez que este blogue se integra precisamente nessa tecnologia.
A alguém da minha geração - que li e estudei (enfim... o pouco que o fiz!) em papel - parece óbvio que os e-readers não substituirão os volumes impressos em relação à facilidade de manuseamento para consultas, avanços e recuos, e para sublinhados e notas nas margens, e, mesmo que a tecnologia praticamente anule essa diferença, não substituirão os bons e velhos livros no tacto do objecto a explorar, no cheiro misterioso do papel fechado há muito, no conforto das lombadas que não de plástico... Mas não me precipitaria a estender esse juízo às gerações que substituíram a futebolada de rua pelas play-stations, as conversas cara a cara pelos chats ao mesmo tempo que falam ao telemóvel, etc.
Além dessa cautela, talvez o confronto entre a edição em papel e a electrónica deva ser perspectivada mais em complemento do que - como tenderam Becker e Posner - em alternativa. Como disse, este blogue é um exemplo: o ensaio que traz este título está disponível electronicamente; pode ser alugado nesse formato, e não sei se comprado também (para down load); mas pode ainda ser encomendado (no Brasil) em formato de papel, numa edição afinal semelhante à da Oxford University Press, a um preço muito reduzido (visto que não precisa compensar eventuais sobras em armazém). Ou seja, o formato do e-book, mesmo para um ensaio que o leitor porventura gostará de anotar nas margens, começa por se constituir como um outro acesso de consulta inicial que não o dos escaparates das livrarias ou bibliotecas. Mas depois não exclui a leitura em papel, aliás facilita-a no preço, ainda que a atrase (mantendo-a no formato digital do aluguer) no tempo da encomenda e entrega por correio. A complementaridade entre papel e digitalização verifica-se ainda nesta possibilidade de se associar um blogue a um livro, para alargar o horizonte deste último, para eventuais trocas de ideias entre leitores e autor, etc.
Em suma, se a escrita constituiu porventura o maior salto em frente do progresso humano, se a imprensa constituiu uma revolução por estender a comunicação escrita além da minoria que poderia aceder a manuscritos raros, inclino-me a apostar que os e-books apenas potenciarão a herança de Gutenberg.
A alguém da minha geração - que li e estudei (enfim... o pouco que o fiz!) em papel - parece óbvio que os e-readers não substituirão os volumes impressos em relação à facilidade de manuseamento para consultas, avanços e recuos, e para sublinhados e notas nas margens, e, mesmo que a tecnologia praticamente anule essa diferença, não substituirão os bons e velhos livros no tacto do objecto a explorar, no cheiro misterioso do papel fechado há muito, no conforto das lombadas que não de plástico... Mas não me precipitaria a estender esse juízo às gerações que substituíram a futebolada de rua pelas play-stations, as conversas cara a cara pelos chats ao mesmo tempo que falam ao telemóvel, etc.
Além dessa cautela, talvez o confronto entre a edição em papel e a electrónica deva ser perspectivada mais em complemento do que - como tenderam Becker e Posner - em alternativa. Como disse, este blogue é um exemplo: o ensaio que traz este título está disponível electronicamente; pode ser alugado nesse formato, e não sei se comprado também (para down load); mas pode ainda ser encomendado (no Brasil) em formato de papel, numa edição afinal semelhante à da Oxford University Press, a um preço muito reduzido (visto que não precisa compensar eventuais sobras em armazém). Ou seja, o formato do e-book, mesmo para um ensaio que o leitor porventura gostará de anotar nas margens, começa por se constituir como um outro acesso de consulta inicial que não o dos escaparates das livrarias ou bibliotecas. Mas depois não exclui a leitura em papel, aliás facilita-a no preço, ainda que a atrase (mantendo-a no formato digital do aluguer) no tempo da encomenda e entrega por correio. A complementaridade entre papel e digitalização verifica-se ainda nesta possibilidade de se associar um blogue a um livro, para alargar o horizonte deste último, para eventuais trocas de ideias entre leitores e autor, etc.
Em suma, se a escrita constituiu porventura o maior salto em frente do progresso humano, se a imprensa constituiu uma revolução por estender a comunicação escrita além da minoria que poderia aceder a manuscritos raros, inclino-me a apostar que os e-books apenas potenciarão a herança de Gutenberg.
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
E para melhorar o nível da etiqueta Heterodoxias...
(... que The Monkees aqui vieram em parte só por causa do post anterior sobre cepticismo)
Ciências duras, ciências moles, e cultura
Estava marcada para ontem no Porto, no âmbito do ciclo de conferências "Novas respostas a novos desafios" promovido pela Fundação Mário Soares, a conferência "Novas respostas da ciência" de Sobrinho Simões, na qual o Director do IPATIMUP se propôs defender "que é necessário evoluir de uma perspectiva científico-tecnológica para "uma muito mais cultural, política e, no limite, até religiosa". Frisou que acredita que é a cultura que perspectiva a ciência e não o contrário." (v. http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=39787&op=all).
Justificando: "como somos cada vez mais egoístas, mais mimados como sociedade, acostumados a ter tudo, a ter bem-estar e a gastar muito, estas respostas da ciência, por estranho que pareça, se calhar estão a acelerar os desafios que são mais globais: o da demografia, o do clima, o do esgotamento dos recursos naturais". Este é o condicionamento ético das tecno-ciências. Mas há outro:
As ciências modernas desenvolveram-se sobre uma concepção mecanicista da realidade material, podendo esta assim ser decomposta em elementos, associados segundo certas relações, normalmente formuláveis matematicamente. Ao contrário, a concepção medieval era mais organicista, cada parte (qual órgão) só se compreende e subsiste a funcionar num organismo, dotado de alguma espontaneidade (livre do espartilhamento das relações matemáticas). Veja-se a passagem da alquimia para a química. Mas ainda no séc. XX houve quem propusesse um funcionalismo para compreender por exemplo a mente. Ou seja, na base de quaisquer formulações científicas ou aplicações tecnológicas, potenciando mas também orientando ou enquadrando estas últimas, encontram-se concepções gerais de "objecto", "causalidade", etc. Além dos "controlos éticos" que Sobrinho Simões afirmou ser necessário introduzir, há que implementar a constante reflexão crítica, metafísica e epistemológica, sobre aqueles conceitos de base.
Justificando: "como somos cada vez mais egoístas, mais mimados como sociedade, acostumados a ter tudo, a ter bem-estar e a gastar muito, estas respostas da ciência, por estranho que pareça, se calhar estão a acelerar os desafios que são mais globais: o da demografia, o do clima, o do esgotamento dos recursos naturais". Este é o condicionamento ético das tecno-ciências. Mas há outro:
As ciências modernas desenvolveram-se sobre uma concepção mecanicista da realidade material, podendo esta assim ser decomposta em elementos, associados segundo certas relações, normalmente formuláveis matematicamente. Ao contrário, a concepção medieval era mais organicista, cada parte (qual órgão) só se compreende e subsiste a funcionar num organismo, dotado de alguma espontaneidade (livre do espartilhamento das relações matemáticas). Veja-se a passagem da alquimia para a química. Mas ainda no séc. XX houve quem propusesse um funcionalismo para compreender por exemplo a mente. Ou seja, na base de quaisquer formulações científicas ou aplicações tecnológicas, potenciando mas também orientando ou enquadrando estas últimas, encontram-se concepções gerais de "objecto", "causalidade", etc. Além dos "controlos éticos" que Sobrinho Simões afirmou ser necessário introduzir, há que implementar a constante reflexão crítica, metafísica e epistemológica, sobre aqueles conceitos de base.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Breve exercício de ética aplicada
A ética é a disciplina que aborda a destrinça entre uns comportamentos "bons" e outros "maus", em ordem a que a vida nos corra o melhor possível.
Na cultura anglo-saxónica, hoje dominante também na filosofia, divide-se frequentemente a ética em meta-ética e ética normativa - a 1ª versa as condições de qualquer discurso que distinga um bem dum mal, como os conceitos de "bem", de "valor", etc.; a 2ª versa o modo de orientar aqueles discursos uma vez antes possibilitados. E depois, na ética normativa, distinguem-se 2 grandes posições, o consequencialismo e o não consequencialismo, cada uma com uma versão forte e outra fraca.
Neste post vou ensaiar um exerciciozinho de ética aplicada às iniciativas dos boys (que se o não são tudo fizeram para parecê-lo) que o Partido Socialista pôs na PT, em ordem a um controlo da comunicação social. E a aplicar naturalmente a um Primeiro-Ministro que, sendo o responsável último pela nomeação de quaisquer boys, se co-responsabiliza ao não os demitir quando porventura usam o nome dele em vão.
- Consequencialismo forte, Utilitarismo clássico: os boys deveriam fazer na PT tudo o que optimizasse a relação entre prazer e sofrimento para quem fosse afectado pela sua acção. Ou seja, não importa quais estas fossem, mas apenas aquela sua consequência. Mas, que se perceba, limitaram-se a optimizar as suas carreiras profissionais e naturalmente as contas bancárias, tendo tentado - mas numa estratégia que facilmente lhes trouxe más consequências, logo utilitaristamente má - estender o prazer à nomenklatura do PS no Estado. Muito aquém da maioria dos cidadãos contribuintes afectados... Não é pois por aqui que as suas iniciativas poderão ser julgadas boas.
- Consequencialismo fraco, Rule utilitarianism (talvez se possa traduzir por utilitarismo de regras): os boys deveriam cumprir na PT as regras que teriam as melhores consequências para a generalidade das pessoas na sociedade em que essa empresa se insere, a portuguesa. Repete-se a denúncia anterior.
- Não consequencialismo forte, uma deontologia universal: cada boy deveria fazer na PT o que fosse prescrito por regras que pudessem ser universais, independentemente das consequências de cada acto. Se porém a regra de desrespeitar a opinião alheia, segundo a qual estes nossos boys se comportaram, fosse proposta universalmente, outros desrespeitariam aquela deles, pelo que esta se contradiz a si própria. As escolhas, que eles tão bem apresentaram nas conversas telefónicas escutadas, não exemplificam pois uma deontologia universal.
- Não consequencialismo fraco, uma deontologia prima facie (sendo o resto igual): repete-se o anterior respeito por regras, mas agora apenas em situações normais, que o espírito da lei, em situações excepcionais, pode até justificar a violação da letra da lei. Imagino que neste âmbito se arrebitará a orelha dos boys do PS na PT, pondo-se as engrenagens das suas mentes a trabalhar na justificação de alguma excepcionalidade na TVI, (tenho ideia que) na TSF... Bom, mas uma vez que o espírito desta lei será a defesa da democracia, caber-lhes-á demonstrar que o controlo privado desses órgãos de comunicação social atentaria contra aquele regime. Do qual (refiro-me à democracia representativa em que vivemos, não à democracia popular das dezenas de milhão de assassinados nos Gulag e nas Revoluções Culturais) um dos traços é uma comunicação social independente do Estado. Ou seja, a liberdade de opinião faz parte da normalidade democrática. Apenas alterável em situações excepcionais - guerras, etc. - que de resto a lei democrática prevê... mas às quais, apesar de ameaças como a de bancarrota para daqui a uns 3 ou 4 anos, (ainda) não chegamos.
Conclusão: para mal dos pecados destes boys e de quem os segura, e, principalissimamente, para mal dos pecados de nós outros que não só os sustentamos como ainda temos de lhes sofrer os resultados, não parece que essa gente saiba muito da ética contemporânea.
Na cultura anglo-saxónica, hoje dominante também na filosofia, divide-se frequentemente a ética em meta-ética e ética normativa - a 1ª versa as condições de qualquer discurso que distinga um bem dum mal, como os conceitos de "bem", de "valor", etc.; a 2ª versa o modo de orientar aqueles discursos uma vez antes possibilitados. E depois, na ética normativa, distinguem-se 2 grandes posições, o consequencialismo e o não consequencialismo, cada uma com uma versão forte e outra fraca.
Neste post vou ensaiar um exerciciozinho de ética aplicada às iniciativas dos boys (que se o não são tudo fizeram para parecê-lo) que o Partido Socialista pôs na PT, em ordem a um controlo da comunicação social. E a aplicar naturalmente a um Primeiro-Ministro que, sendo o responsável último pela nomeação de quaisquer boys, se co-responsabiliza ao não os demitir quando porventura usam o nome dele em vão.
- Consequencialismo forte, Utilitarismo clássico: os boys deveriam fazer na PT tudo o que optimizasse a relação entre prazer e sofrimento para quem fosse afectado pela sua acção. Ou seja, não importa quais estas fossem, mas apenas aquela sua consequência. Mas, que se perceba, limitaram-se a optimizar as suas carreiras profissionais e naturalmente as contas bancárias, tendo tentado - mas numa estratégia que facilmente lhes trouxe más consequências, logo utilitaristamente má - estender o prazer à nomenklatura do PS no Estado. Muito aquém da maioria dos cidadãos contribuintes afectados... Não é pois por aqui que as suas iniciativas poderão ser julgadas boas.
- Consequencialismo fraco, Rule utilitarianism (talvez se possa traduzir por utilitarismo de regras): os boys deveriam cumprir na PT as regras que teriam as melhores consequências para a generalidade das pessoas na sociedade em que essa empresa se insere, a portuguesa. Repete-se a denúncia anterior.
- Não consequencialismo forte, uma deontologia universal: cada boy deveria fazer na PT o que fosse prescrito por regras que pudessem ser universais, independentemente das consequências de cada acto. Se porém a regra de desrespeitar a opinião alheia, segundo a qual estes nossos boys se comportaram, fosse proposta universalmente, outros desrespeitariam aquela deles, pelo que esta se contradiz a si própria. As escolhas, que eles tão bem apresentaram nas conversas telefónicas escutadas, não exemplificam pois uma deontologia universal.
- Não consequencialismo fraco, uma deontologia prima facie (sendo o resto igual): repete-se o anterior respeito por regras, mas agora apenas em situações normais, que o espírito da lei, em situações excepcionais, pode até justificar a violação da letra da lei. Imagino que neste âmbito se arrebitará a orelha dos boys do PS na PT, pondo-se as engrenagens das suas mentes a trabalhar na justificação de alguma excepcionalidade na TVI, (tenho ideia que) na TSF... Bom, mas uma vez que o espírito desta lei será a defesa da democracia, caber-lhes-á demonstrar que o controlo privado desses órgãos de comunicação social atentaria contra aquele regime. Do qual (refiro-me à democracia representativa em que vivemos, não à democracia popular das dezenas de milhão de assassinados nos Gulag e nas Revoluções Culturais) um dos traços é uma comunicação social independente do Estado. Ou seja, a liberdade de opinião faz parte da normalidade democrática. Apenas alterável em situações excepcionais - guerras, etc. - que de resto a lei democrática prevê... mas às quais, apesar de ameaças como a de bancarrota para daqui a uns 3 ou 4 anos, (ainda) não chegamos.
Conclusão: para mal dos pecados destes boys e de quem os segura, e, principalissimamente, para mal dos pecados de nós outros que não só os sustentamos como ainda temos de lhes sofrer os resultados, não parece que essa gente saiba muito da ética contemporânea.
domingo, 14 de fevereiro de 2010
Televisão: la zone Xtrême
É no mínimo incomodativo ver como é logo o partido político ao qual a democracia portuguesa mais deverá - desde a sua (do PS) fundação por pessoas que assumiram os custos pessoais do enfrentamento directo ao Estado Novo, passando por se firmar como pivot da resistência à deriva autoritária comunista, até aceitar o custo político do saneamento financeiro do país para a adesão à CEE - que hoje se encontra enredado numa teia de indícios de tentativa sistemática de controlo da opinião pública crítica, em especial na televisão. E ao contra-ataque do líder socialista, saltando sobre o conteúdo das notícias para se concentrar na forma da sua obtenção - o tal "jornalismo de buraco de fechadura" com a divulgação de escutas telefónicas - já qualquer romano retorquiria que à mulher de César não basta ser séria... Mais deprimentes do que os erros, Sr. Primeiro-Ministro, são quaisquer justificações suas ulteriores - especialmente se se esfarrapam na ignorância de máximas políticas milenares!
Mas compreende-se que a tentação é grande.
E a prová-lo vem hoje este desenvolvimento daquela que terá sido a mais célebre experiência da história da psicologia social: na década de 1960 Stanley Milgram investigou a percentagem das pessoas que, sob indicação de alguém vestido como cientista ou técnico, se dispunham a penalizar com choques eléctricos de crescente intensidade quem não fosse capaz de aprender alguns dados. A hipótese testada por Michel Eltchaninoff e Christophe Nick em 2009 foi a de que, mais do que a autoridade e legitimação científica, vale hoje a autoridade e legitimação televisiva - se acontece na TV, então é verdade e é bom! Aplicando o protocolo daquela outra experiência, convidaram 80 voluntários a participarem num (fictício) concurso televisivo, cujas regras eram as de penalizar com choques eléctricos os concorrentes que falhassem um questionário; estes voluntários julgavam que quem estaria em jogo seriam esses concorrentes, todavia estes últimos eram representados por um actor que simularia o sofrimento após falhar (intencionalmente) a resposta, bem como participantes activos eram as pessoas do público que gritavam "Cas-ti-go!" para estimular o voluntário na consola de comandos, além da apresentadora que garantia que as eventuais responsabilidades cabiam integralmente aos produtores do programa, e não aos voluntários. O resultado é o que se vê neste videoclip:
Alguns voluntários colocaram-se rapidamente objecções éticas. Outros não tanto. Mas a maioria deles desempenhou as funções que lhes cabiam com naturalidade. Isto é, não mostraram uma ferocidade enfim liberta pela ausência de responsabilidades, apenas (julgaram que) torturaram e mataram uma pessoa na simplicidade de mais um jogo televisivo! E mais: na experiência de Milgram, 60% dos voluntários chegaram a aplicar a descarga que lhes era dito ser mortal. Na experiência televisiva actual, esta parcela foi de 82%...
A realidade hoje só é virtual, e a televisão o seu profeta.
(Por amor de Deus, que nunca ninguém convide José Sócrates - ou qualquer dos socratentos que logo lhe emergiram na peugada - para os comandos duma consola como essa!...)
Mas compreende-se que a tentação é grande.
E a prová-lo vem hoje este desenvolvimento daquela que terá sido a mais célebre experiência da história da psicologia social: na década de 1960 Stanley Milgram investigou a percentagem das pessoas que, sob indicação de alguém vestido como cientista ou técnico, se dispunham a penalizar com choques eléctricos de crescente intensidade quem não fosse capaz de aprender alguns dados. A hipótese testada por Michel Eltchaninoff e Christophe Nick em 2009 foi a de que, mais do que a autoridade e legitimação científica, vale hoje a autoridade e legitimação televisiva - se acontece na TV, então é verdade e é bom! Aplicando o protocolo daquela outra experiência, convidaram 80 voluntários a participarem num (fictício) concurso televisivo, cujas regras eram as de penalizar com choques eléctricos os concorrentes que falhassem um questionário; estes voluntários julgavam que quem estaria em jogo seriam esses concorrentes, todavia estes últimos eram representados por um actor que simularia o sofrimento após falhar (intencionalmente) a resposta, bem como participantes activos eram as pessoas do público que gritavam "Cas-ti-go!" para estimular o voluntário na consola de comandos, além da apresentadora que garantia que as eventuais responsabilidades cabiam integralmente aos produtores do programa, e não aos voluntários. O resultado é o que se vê neste videoclip:
Alguns voluntários colocaram-se rapidamente objecções éticas. Outros não tanto. Mas a maioria deles desempenhou as funções que lhes cabiam com naturalidade. Isto é, não mostraram uma ferocidade enfim liberta pela ausência de responsabilidades, apenas (julgaram que) torturaram e mataram uma pessoa na simplicidade de mais um jogo televisivo! E mais: na experiência de Milgram, 60% dos voluntários chegaram a aplicar a descarga que lhes era dito ser mortal. Na experiência televisiva actual, esta parcela foi de 82%...
A realidade hoje só é virtual, e a televisão o seu profeta.
(Por amor de Deus, que nunca ninguém convide José Sócrates - ou qualquer dos socratentos que logo lhe emergiram na peugada - para os comandos duma consola como essa!...)
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
Sobre as potências emergentes...
Este é o Shinkanzen japonês
... e este é o comboio indiano que, dizem, está a caminho de apanhar aquele outro.
... e este é o comboio indiano que, dizem, está a caminho de apanhar aquele outro.
Os actuais agentes da ordem mundial
Em correlação ao post anterior creio vir a propósito a nota 2 do ensaio (referido na coluna ao lado) em cujo horizonte evolui este blogue:
"A guerra é outro tema que exemplifica a ruptura dos paradigmas modernos, os quais presumem que o Estado é o principal interveniente nesse fenómeno. Em conformidade a estes últimos o pensamento cinde-se entre duas interpretações: por um lado a teoria dita liberal ou idealista da estratégia, que defende que os Estados tendem naturalmente a concertar-se entre si em vista ao comércio, etc., para optimizarem os poderes que lhes são respectivamente possíveis. Surgindo a guerra apenas por culpa dos que se desenraízam da ordem das coisas, os quais importa assim destituir. Por outro lado a teoria dita realista, segundo a qual os Estados são naturalmente predadores uns dos outros. Pelo que, enquanto a Nação constituir a suprema identidade comunitária, na falta de qualquer instância reguladora os Estados manter-se-ão em jogos de poder que dão lugar à guerra sempre que se quebre o equilíbrio. A paz dependerá então da manutenção dos equilíbrios naqueles jogos. Os anos 1990, porém, subverteram logo pela base esse equacionamento Moderno das relações mundiais. Pois pela primeira vez um império estendeu-se à escala planetária (ainda que apenas nessa década!), ao mesmo tempo que os restantes Estados sofrem os condicionalismos das multinacionais económicas, das mafias, etc. Com esta relativização dos Estados-Nação deixou de se poder equacionar as relações mundiais como a simples alternativa entre o idealismo liberal e o realismo, em função do poder legislativo, executivo e judicial relativo a uma Nação e um território. Vejam-se conflitos como o que opõe a Al-Qaeda e o Ocidente, que parece ultrapassar uma disputa por esse poder.
Na nova linha dita “construtivista” em teoria da estratégia, Thierry de Montbrial (2002) propõe então o conceito de “unidade activa” para identificar os agentes estratégicos – aqueles sem os quais as relações colectivas seriam diferentes. Isto é, dada uma relação ou problema, “agente” é aquele que faz aí qualquer diferença. Podem ser unidades activas nessas relações os Estados-Nação, mas também as ONG’s, os grandes bancos, a ONU, etc., as quais fazem a diferença em planos e de formas distintas. Mas, para a fazerem, todas têm que verificar duas condições: em segundo lugar, uma organização; em primeiro lugar, fundando a anterior, uma cultura comum aos respectivos elementos. É a partir destas que as unidades activas orientam os seus comportamentos. Cabe assim formular o processo de constituição cultural."
"A guerra é outro tema que exemplifica a ruptura dos paradigmas modernos, os quais presumem que o Estado é o principal interveniente nesse fenómeno. Em conformidade a estes últimos o pensamento cinde-se entre duas interpretações: por um lado a teoria dita liberal ou idealista da estratégia, que defende que os Estados tendem naturalmente a concertar-se entre si em vista ao comércio, etc., para optimizarem os poderes que lhes são respectivamente possíveis. Surgindo a guerra apenas por culpa dos que se desenraízam da ordem das coisas, os quais importa assim destituir. Por outro lado a teoria dita realista, segundo a qual os Estados são naturalmente predadores uns dos outros. Pelo que, enquanto a Nação constituir a suprema identidade comunitária, na falta de qualquer instância reguladora os Estados manter-se-ão em jogos de poder que dão lugar à guerra sempre que se quebre o equilíbrio. A paz dependerá então da manutenção dos equilíbrios naqueles jogos. Os anos 1990, porém, subverteram logo pela base esse equacionamento Moderno das relações mundiais. Pois pela primeira vez um império estendeu-se à escala planetária (ainda que apenas nessa década!), ao mesmo tempo que os restantes Estados sofrem os condicionalismos das multinacionais económicas, das mafias, etc. Com esta relativização dos Estados-Nação deixou de se poder equacionar as relações mundiais como a simples alternativa entre o idealismo liberal e o realismo, em função do poder legislativo, executivo e judicial relativo a uma Nação e um território. Vejam-se conflitos como o que opõe a Al-Qaeda e o Ocidente, que parece ultrapassar uma disputa por esse poder.
Na nova linha dita “construtivista” em teoria da estratégia, Thierry de Montbrial (2002) propõe então o conceito de “unidade activa” para identificar os agentes estratégicos – aqueles sem os quais as relações colectivas seriam diferentes. Isto é, dada uma relação ou problema, “agente” é aquele que faz aí qualquer diferença. Podem ser unidades activas nessas relações os Estados-Nação, mas também as ONG’s, os grandes bancos, a ONU, etc., as quais fazem a diferença em planos e de formas distintas. Mas, para a fazerem, todas têm que verificar duas condições: em segundo lugar, uma organização; em primeiro lugar, fundando a anterior, uma cultura comum aos respectivos elementos. É a partir destas que as unidades activas orientam os seus comportamentos. Cabe assim formular o processo de constituição cultural."
Política - Por um realismo ao serviço do idealismo
O recente Nº 1 (Janeiro/Fevereiro, 2010) do Vol. 305 da revista The Atlantic traz um artigo do historiador David Kennedy que sugere uma articulação (hierarquizada!) entre 2 termos frequentemente contrapostos em política: idealismo e realismo. Em "What would Wilson do?" (pp. 90-94) o autor reporta esse último termo ao clássico dito de Tucídides - os fortes fazem o que querem, os fracos sofrem o que lhes cabe - e ao paradigma internacional estabelecido pelo Tratado de Vestefália - que em 1648 reconheceu a soberania dos diversos Estados. Os realistas procuram assim implementar os respectivos interesses, mas numa rede de reconhecimento mútuo que faculte alguma segurança geral (veja-se a orientação da política externa norte-americana por Kissinger aqui em Sobre a actual retórica política). Em troca, os idealistas assumem os respectivos valores como universais, e dedicam-se à sua realização em qualquer sítio. Kennedy aponta o credo de George W. Bush na democracia e no liberalismo e a sua invasão do Iraque, como exemplos acabados desta posição, de resto própria à visão messiânica que muitos norte-americanos também desde o princípio tiveram do seu país.
A essa contraposição teórico-prática, este historiador contrapõe por sua vez a tradição encetada logo pelo Secretário de Estado John Quincy Adams a 4 de Julho de 1821, quando declarou que a América estaria do lado de quem, em qualquer sítio, lutasse pela liberdade, mas sem se chegar a envolver em conflitos que requereriam recursos morais, humanos e materiais para além dos disponíveis. Nesta linha, Woodrow Wilson lançou as bases da organização mundial que, após a II Guerra Mundial, viria a facultar não só o maior poder de sempre dos EUA como mesmo as melhores 3 décadas de desenvolvimento humano de sempre para o mundo ocidental e Japão. O Presidente Wilson fê-lo sob a máxima de "tornar o mundo seguro para a democracia" - distinta de "tornar o mundo democrático"! - num respeito pelas inter-relações de Vestefália desde que sujeitas a regras, nomeadamente democráticas, que respeitassem os valores norte-americanos.
Com Wilson, pois, mantém-se uma orientação fundamental, que apenas pode ser "idealista", mas cuja implementação é a cada passo "realistamente" condicionada. E os resultados, seja pelo critério realista seja pelo critério idealista, foram os melhores.
Parece-me uma sugestão estimulante para qualquer comunidade ou país, cujas propostas políticas, mesmo que internamente divergentes, se deverão assim constituir como respostas a estas 2 perguntas consecutivas:
1ª) quais são os nossos valores distintivos? - i.e. nas opções que enfrentemos, o que quereremos salvaguardar acima de tudo como indivíduos e na nossa sociedade?
2ª) na presente situação - e esta pergunta repetir-se-á de cada vez que a situação se altere - o que nos condiciona na implementação daqueles valores?
Um país que não responda à 1ª pergunta, será como um cego. Se não responder à 2ª, estará caminhando na berma dum precipício. Não respondendo a ambas, terá a mesma probabilidade de sucesso dum cego caminhando pela berma dum precipício.
A essa contraposição teórico-prática, este historiador contrapõe por sua vez a tradição encetada logo pelo Secretário de Estado John Quincy Adams a 4 de Julho de 1821, quando declarou que a América estaria do lado de quem, em qualquer sítio, lutasse pela liberdade, mas sem se chegar a envolver em conflitos que requereriam recursos morais, humanos e materiais para além dos disponíveis. Nesta linha, Woodrow Wilson lançou as bases da organização mundial que, após a II Guerra Mundial, viria a facultar não só o maior poder de sempre dos EUA como mesmo as melhores 3 décadas de desenvolvimento humano de sempre para o mundo ocidental e Japão. O Presidente Wilson fê-lo sob a máxima de "tornar o mundo seguro para a democracia" - distinta de "tornar o mundo democrático"! - num respeito pelas inter-relações de Vestefália desde que sujeitas a regras, nomeadamente democráticas, que respeitassem os valores norte-americanos.
Com Wilson, pois, mantém-se uma orientação fundamental, que apenas pode ser "idealista", mas cuja implementação é a cada passo "realistamente" condicionada. E os resultados, seja pelo critério realista seja pelo critério idealista, foram os melhores.
Parece-me uma sugestão estimulante para qualquer comunidade ou país, cujas propostas políticas, mesmo que internamente divergentes, se deverão assim constituir como respostas a estas 2 perguntas consecutivas:
1ª) quais são os nossos valores distintivos? - i.e. nas opções que enfrentemos, o que quereremos salvaguardar acima de tudo como indivíduos e na nossa sociedade?
2ª) na presente situação - e esta pergunta repetir-se-á de cada vez que a situação se altere - o que nos condiciona na implementação daqueles valores?
Um país que não responda à 1ª pergunta, será como um cego. Se não responder à 2ª, estará caminhando na berma dum precipício. Não respondendo a ambas, terá a mesma probabilidade de sucesso dum cego caminhando pela berma dum precipício.
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domingo, 7 de fevereiro de 2010
Contra o cepticismo e subjectivismo diletante
Procurando neste blogue apenas assinalar pistas em diversas áreas do conhecimento, porventura estarei a sugerir a algumas pessoas uma atitude céptica - o melhor seria desistir de quaisquer orientações cognitivas da acção. Mas não só julgo que o cepticismo está errado, como penso mesmo que na presente situação económico-política tanto mundial quanto particularmente portuguesa seria especialmente perigoso. Trago assim aqui a nota 18 de O Nó do Problema Ocidental - A Dimensão das Ciências, o link para um artigo dum filósofo português contemporâneo que abre outra frente contra o cepticismo, e farei a seguir uma sugestão musical a propósito (!).
"Dretske ["The pragmatic dimension of knowledge", Philosophical Studies, 40 (1981) 3: 363-378] baliza o valor da justificação em conformidade à relação lógica de dois conjuntos das alternativas em causa em cada conhecimento. Ou seja, podemos recusar umas quantas situações como falsas sem pruridos cépticos. Em primeiro lugar, devemos recusar quaisquer situações que pertençam ao Conjunto de Contraste (CC) – o de todas as situações necessariamente eliminadas pelo que se sabe, ou seja, por aquilo de que se não está a duvidar (ex. se me pergunto se estou sentado num banco ou numa cadeira, não questionando pois a minha posição, posso desconsiderar a alternativa de estar a fazer pesca submarina – durante a qual não me sentaria). Em segundo lugar, podemos ainda recusar situações que pertençam ao Conjunto de Relevância (CR) – aquelas cuja não verificação não é necessária, mas se considera estarem justificadas. O erro dos cépticos, diz esse filósofo, é o de pressuporem que CR é sempre igual a CC, pois o primeiro revela-se apenas como um subconjunto próprio do segundo – isto é, pode haver alternativas não necessariamente excluídas que todavia sejam irrelevantes (como o ar que enche o frigorífico vazio de comida). Na questão sobre quando se poderá recusar situações hipotéticas, Dretske resume os critérios de pertença ao CR na ideia de que a diferença entre as alternativas relevantes e irrelevantes reside no tipo de alternativas que se encontra em cada situação objectiva – abrindo assim a porta a CR’s cujo número varie entre a unidade e algum número pouco superior, ou seja, a conhecimentos certos, ou quase.
Quanto às muito úteis thought-experiments dos cérebros numa cuba, da pastilha alucinogénica… pertence ao meu Conjunto de Contraste (i.e. considero necessariamente recusada) a situação de que os seus autores tenham deixado de fora dos respectivos Conjuntos de Relevância (i.e. que julgassem necessário verificar), assim que cansados de tanto pensar lhes tenha vindo a fome, a hipótese de que as suas despensas e frigoríficos fossem ilusões virtuais, e portanto se tenham deixado exaurir em vez de se considerarem justificados em procurarem aí comida. Alguém pode no entanto infirmar esta minha classificação – como no exemplo dos pára-quedas na nota seguinte – se se apresentar como contra-exemplo após ter passado o que nós outros, seus interlocutores, chamamos “meio ano” sem procurar nem receber alimentação pelo facto de não ter a certeza especulativa de que o frigorífico a contenha, ou que o biscoito que lhe levam à boca seja comestível. Numa palavra, os desafios cépticos são úteis para se destruir o realismo ingénuo, mas pertence ao meu Conjunto de Relevância (i.e. considero-me justificado em recusar) que adultos que reclamem um cepticismo total perante qualquer questão que remeta para princípios, valores ou metodologias sejam outra coisa que não diletantes, pseudo-intelectuais, ou meros oportunistas."
O cepticismo absoluto, rapidamente degenerado no diletantismo, abre ao chamado subjectivismo - e.g. para um conservador há 2 sexos, para um construtivista haverá tantos quantas as possibilidades dum ser humano viver as questões de género, e o 1º número é tão verdadeiro (para aquele) quanto o 2º o é (para este). Mas sobre o subjectivismo passo a palavra a Desidério Murcho em http://criticanarede.com/antropocentrismo.html.
Em suma, como The Monkees, ainda que numa versão minimalista podemos dizer: I'm a believer!
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Urgentemente: pelo pensamento disjuntivo e científico!
Nestes dias que correm em Portugal vem ainda mais do que de costume a propósito a chamada de atenção de Alexandre Quintanilha para os valores que orientam a ciência, que aqui referi indirectamente em Ciência - justificação... e beleza! . A saber "i) a exactidão preditiva, ii) a coerência interna da teoria proposta, iii) a consistência desta última com os princípios que estruturam o horizonte em que ela se integra, iv) a sua capacidade de esclarecer simultaneamente dados distintos, e v) a sua fecundidade na abertura de novos domínios de pensamento. Valores aos quais [Quintanilha] adiciona vi) o da beleza da teoria". Penso que os valores ii e iii podem ser reunidos num único; em troca, mesmo quem não aprecie particularmente a navalha de Ockham (que corta os conceitos que se não usam) suponho que aceitará, antes do da beleza, o valor da economia teórica - de modo que entre teorias alternativas se preferirá aquela que libertar mais recursos ou potencial para desenvolver o trabalho a que se proponham.
Vem isso a propósito, por um lado, porque esse é o tipo de pensamento que melhor tem esclarecido o mundo, ou resolvido problemas, em especial desde a Revolução Industrial para cá. E se nós temos hoje problemas ou confusões e obscuridades em Portugal!...
Mas também vem a propósito, por outro lado, porque para a resolução dos problemas estritamente económicos precisamos de capital, que apenas podemos receber dos países (para não variar!) do norte, cujas imprensas não encontraram há dias melhor sigla para designar o conjunto de Greece, Portugal, Spain, Italy (aqui por ordem decrescente de dificuldade financeira) do que "PIGS"... É o regresso da lenda negra, com que aqueles países procuraram legitimar a conquista dos impérios ibéricos enfatizando tudo o que nestes encontravam de mal, e silenciando o que encontravam de bom. E entre o mau encontravam o obscurantismo, a falta de racionalidade crítica, o pensamento único... enfim, a aversão à cientificidade. Não importa se concordamos ou discordamos deles; o que importa é que é do juízo deles que dependem hoje as nossas finanças, e que eles nos estão julgando tendencialmente como pigs - imagina-se a sua disposição para nos emprestar dinheiro!
Por estas 2 razões penso que, nestes dias que correm, é imperativo que, primeiro, suspendamos qualquer pensamento inclusivo de "ser" e "não ser", "verdade" e "falsidade" - que aqui ando a apontar desde Portugal - uma cultura de fronteira - e que reconheçamos que há coisas que têm consequências para lá do que dizemos delas (são as que satisfazem o predicado "ser"). Bem como que há ideias que satisfazem o predicado "verdade" - ou "correcção", "utilidade"... aqui não faz diferença - e outras que não o satisfazem, e que os melhores critérios para as distinguir, percebendo por este meio as consequências mais prováveis de cada opção possível, são os que implementam os valores científicos.
Desde a discussão do Orçamento de Estado na especialidade, à decisão sobre TGV's e aeroportos, passando pela pressão pública sobre tudo isso, aí estaremos escolhendo entre os pensamentos inclusivo ou disjuntivo, mágico ou científico.
Vem isso a propósito, por um lado, porque esse é o tipo de pensamento que melhor tem esclarecido o mundo, ou resolvido problemas, em especial desde a Revolução Industrial para cá. E se nós temos hoje problemas ou confusões e obscuridades em Portugal!...
Mas também vem a propósito, por outro lado, porque para a resolução dos problemas estritamente económicos precisamos de capital, que apenas podemos receber dos países (para não variar!) do norte, cujas imprensas não encontraram há dias melhor sigla para designar o conjunto de Greece, Portugal, Spain, Italy (aqui por ordem decrescente de dificuldade financeira) do que "PIGS"... É o regresso da lenda negra, com que aqueles países procuraram legitimar a conquista dos impérios ibéricos enfatizando tudo o que nestes encontravam de mal, e silenciando o que encontravam de bom. E entre o mau encontravam o obscurantismo, a falta de racionalidade crítica, o pensamento único... enfim, a aversão à cientificidade. Não importa se concordamos ou discordamos deles; o que importa é que é do juízo deles que dependem hoje as nossas finanças, e que eles nos estão julgando tendencialmente como pigs - imagina-se a sua disposição para nos emprestar dinheiro!
Por estas 2 razões penso que, nestes dias que correm, é imperativo que, primeiro, suspendamos qualquer pensamento inclusivo de "ser" e "não ser", "verdade" e "falsidade" - que aqui ando a apontar desde Portugal - uma cultura de fronteira - e que reconheçamos que há coisas que têm consequências para lá do que dizemos delas (são as que satisfazem o predicado "ser"). Bem como que há ideias que satisfazem o predicado "verdade" - ou "correcção", "utilidade"... aqui não faz diferença - e outras que não o satisfazem, e que os melhores critérios para as distinguir, percebendo por este meio as consequências mais prováveis de cada opção possível, são os que implementam os valores científicos.
Desde a discussão do Orçamento de Estado na especialidade, à decisão sobre TGV's e aeroportos, passando pela pressão pública sobre tudo isso, aí estaremos escolhendo entre os pensamentos inclusivo ou disjuntivo, mágico ou científico.
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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
No Declínio do Império Americano... Alors, peut-être je viendrai chez toi chauffer mon cœur à ton bois
Em 1986 Denys Arcand filmou Le Déclin de l'Empire Américain, sobre a redução das vidas de 4 historiadores - se bem me lembro, que tão a propósito um deles reconhecia não ser(em) um Braudel... - aos prazeres imediatos da cama e mesa. Afinal a menorização epicurista condenada por Strauss e pelos islamitas no post anterior...
Aos declínios civilizacionais os investigadores fazem suceder a invasão pelas civilizações contíguas - cf. O Nó do Problema Civilizacional - A Dimensão das Ciências, Cap. 3. Em 2002 Arcand voltou às mesmas personagens, com os mesmo actores, para filmar Les Invasions Barbares: um dos amigos tem uma doença terminal, os amigos e a mulher reúnem-se numa despedida (o videolip abaixo começa com a despedida da filha por webcam), e para a morte assistida que o filho lhe arranjara.
Aos declínios civilizacionais os investigadores fazem suceder a invasão pelas civilizações contíguas - cf. O Nó do Problema Civilizacional - A Dimensão das Ciências, Cap. 3. Em 2002 Arcand voltou às mesmas personagens, com os mesmo actores, para filmar Les Invasions Barbares: um dos amigos tem uma doença terminal, os amigos e a mulher reúnem-se numa despedida (o videolip abaixo começa com a despedida da filha por webcam), e para a morte assistida que o filho lhe arranjara.
Até que, na descolagem do avião que os leva de regresso a casa, a nora do falecido, sob os primeiros acordes de L'Amitié, encosta a cabeça ao ombro do marido e lhe diz "Je t'aime"... enquanto a voz de Françoise Hardy continua para lá do avião que desaparece no horizonte, ressaltando do genérico branco em fundo preto que suavemente passa num culminar, num remate que dá o sentido global afinal aos séculos de história que o avião deixou para trás. (Apetece-me dizer que este será o mais comovente genérico da história do cinema! - mas eu dessa história conheço quase nada!).
Letra: Jean-Max Rivière; música: Gérard Bourgeois; 1965
Beaucoup de mes amis sont venus des nuages
Avec soleil et pluie comme simples bagages
Ils ont fait la saison des amitiés sincères
La plus belle saison des quatre de la terre.
Ils ont cette douceur des plus beaux paysages
Et la fidélité des oiseaux de passage
Dans leurs cœurs est gravée une infinie tendresse
Mais parfois dans leurs yeux se glisse la tristesse.
Alors, ils viennent se chauffer chez moi
Et toi aussi tu viendras.
Tu pourras repartir au fin fond des nuages
Et de nouveau sourire à bien d'autres visages
Donner autour de toi un peu de ta tendresse
Lorsqu'un autre voudra te cacher sa tristesse.
Comme l'on ne sait pas ce que la vie nous donne
Il se peut qu'à mon tour je ne sois plus personne
S'il me reste un ami qui vraiment me comprenne
J'oublierai à la fois mes larmes et mes peines.
Alors, peut-être je viendrai chez toi
Chauffer mon cœur à ton bois.
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